Opinião

Convenção 158 da OIT: o julgamento do STF sobre a dispensa imotivada

Autor

22 de maio de 2023, 18h23

A Convenção 158 da OIT que trata do término da relação do trabalho por iniciativa do empregador não vige no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, desde a notícia que a ADI relacionada ao tema será colocada em pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal, muitas informações contraditórias e inconsistentes passaram a ser veiculadas.

Primeiramente há de se esclarecer que o STF não discute a demissão sem justa causa, como já foi noticiado, mas sim, a constitucionalidade do Decreto Presidencial que denunciou a Convenção 158 da OIT. Explica-se.

A Convenção 158 da OIT [1] que trata do término da relação de trabalho pelo empregador foi aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra, 1982), e entrou em vigor no plano internacional em 23/11/1985.

Para esta (e qualquer outra) convenção ingressar no ordenamento jurídico, é necessário que após as negociações e assinatura do instrumento pelo Estado brasileiro, seja encaminhada mensagem do Poder Executivo ao Congresso para discussão e aprovação do instrumento. A aprovação parlamentar é feita através de decreto legislativo para posterior ratificação do instrumento e promulgação do texto legal mediante decreto presidencial. A partir de então, transforma-se em lei interna.

No caso da Convenção 158, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 68, de 16/09/1992, do Congresso; ratificada em 05/01/1995; promulgada pelo Decreto nº 1.855, de 10/04/1996; com vigência nacional a partir de 05/01/1996 [2].

No entanto, em novembro do mesmo ano, o então presidente Fernando Henrique Cardoso denunciou a Convenção 158 da OIT, através do Decreto nº 2.100, de 20/12/1996. Na prática significa que o Brasil cancelou sua adesão à referida convenção, deixando, assim, de ser aplicada em território nacional.

Em razão deste decreto presidencial (2100/96) em 14/08/1997 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ingressaram com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, que recebeu o nº 1625 e tem por objetivo obter a declaração de inconstitucionalidade do referido decreto, sob a alegação de que para ser válido, deveria ser autorizado ou referendado pelo Congresso.

A Procuradoria Geral da União (PGR) contestou a ação requerendo sua improcedência, pois entende que o chefe do governo, in casu, o presidente da República, tem poderes para denunciar tratados internacionais independente da manifestação ou oitiva do Congresso.

A ação começou a ser julgada em 2003 sob relatoria do ministro Maurício Corrêa e, até o momento, foram proferidos os seguintes votos: improcedente (3), procedente (4) e parcialmente procedente (5). Votaram improcedente os ministros Nelson Jobim, Dias Tofoli e Teori Zavascki. Já os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa Ayres Brito e Ricardo Levandowiski votaram procedente. O ministro Maurício Corrêa votou parcialmente procedente. Já os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça ausentaram-se.

Além da ADI acima citada, a Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) propuseram em 10/11/2015 no mesmo STF ação declaratória de constitucionalidade (ADC), que recebeu o número 39, cujo objetivo é ver declarada a constitucionalidade do referido Decreto 2100/96.

As autoras alegam que no caso particular das convenções da OIT, desde 1934, o Brasil denunciou 15 convenções da OIT, todas por meio de Decreto do Poder Executivo. Destas, nove foram denunciadas em virtude de ratificação posterior de convenção que as derrogou. Nenhuma dessas denúncias foi objeto de ratificação pelo Congresso. O relator desta ação é o ministro Dias Toffoli.

Em julgamento da ADI já foram proferidos oito votos, sendo três entendendo que o decreto é constitucional, três que é inconstitucional e dois que deve ser analisado pelo Congresso. Faltam três ministros votarem.

Recentemente a ADI foi incluída na pauta para julgamento virtual, momento que os três ministros faltantes deverão proferir seus votos.

Entendido isso, passamos ao segundo ponto: se o decreto for considerado inconstitucional, significa que os empregados só poderão ser demitidos por justa causa? A resposta é não. Na hipótese do STF entender que o Decreto 2.100/96 é inconstitucional, revogando-o, até que eventualmente seja ratificado pelo Congresso, a Convenção 158 da OIT estará vigente no Brasil.

No entanto, o artigo 1º da referida convenção dispõe que a mesma terá efeito através de legislação nacional [3]. O que, s.m.j., significa que há necessidade da edição de uma lei federal para regulamentar a matéria. E até lá a Convenção não tem eficácia.

Mesmo se assim não fosse, a Convenção 158 da OIT determina que a demissão imotivada do trabalhador deverá ser justificada pelo empregador, o que é diferente da demissão por justa causa disciplinada pelo artigo 482 da CLT.

O artigo 4ª da Convenção 158 da OIT estipula que o empregador deve justificar o motivo da rescisão do contrato de trabalho, e desde que esta causa esteja relacionada a capacidade ou comportamento do empregado ou ainda com a necessidade de funcionamento da empresa [4].

Ao que a meu ver, é inconstitucional. Pois garante ao empregado de estabelecimento privado quase que uma garantia vitalícia ao emprego, acarretando, em última instância a ingerência no negócio privado, afrontando o artigo 170 da Constituição.

Com o assunto em pauta, o escritório da OIT no Brasil se pronunciou sobre o caso, esclarecendo que a convenção não faz menção à estabilidade e que cria um patamar de proteção social ao orientar os Estados membros sobre os procedimentos e as garantias mínimas para tornar a demissão sem justa causa um processo que respeite a dignidade do trabalhador e leve em consideração o diálogo social e alternativas à dispensa [5].

O artigo 7º, inciso I da Constituição dispõe sobre a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, que aguarda a regulamentação por lei complementar. Não obstante a existência de entendimentos em sentido contrário, não há como afirmar que no Brasil não há qualquer forma de proteção aos empregados em caso de dispensa sem justa causa.

Isto porque o ordenamento jurídico pátrio já prevê, de forma categoria e incontroversa, indenização ao trabalhador em caso de dispensa imotivada obrigando o empregador a efetuar o pagamento de 40% sobre os valores do FGTS que foram depositados em nome do empregado em conta vinculada junto à Caixa Econômica Federal. Tudo isso para dizer que não há necessidade de pânico. Mesmo que o STF entenda pela inconstitucionalidade do decreto e vigência da convenção, ainda há muita coisa para acontecer antes que seu dispositivo seja aplicado.


[1] A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência das Nações Unidas, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores de 187 Estados-membros participam em situação de igualdade das diversas instâncias da Organização.

[3] Artigo 1 — Dever-se-á dar efeito às disposições da presente convenção através da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições sejam aplicadas por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional.

[4] Artigo 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!