Opinião

A ampla dimensão dos embargos de declaração no Código de Processo Civil

Autores

  • Maria Edith Camargo Ramos Sagretti

    é advogada sócia da Sampaio Gouveia Advogados Associados pós-graduada em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra e especialista em Direito Penal e Processual Penal pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

  • Luiz Antonio Sampaio Gouveia

    é advogado sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

20 de maio de 2023, 11h19

É fundamental que o juiz exponha o itinerário lógico e jurídico percorrido para chegar a toda e qualquer conclusão em decisão interlocutória ou de jurisdição final, via sentença ou acórdão, para que o nosso ordenamento jurídico e entendimentos jurisprudenciais, todos harmônicos e coesos entre si quanto a tema tão cristalino para a concretização da justiça como é a motivação do julgado, caminhem na esteira dos mais modernos sistemas processuais constitucionais.

De início, não se pode deixar de abordar que o direito brasileiro, por seu constituinte originário, consagrou a fundamentação das decisões como o grande pilar da prestação jurisdicional, no artigo 93, inciso IX, da Constituição, colocando o dever de motivação como requisito essencial dos pronunciamentos jurisdicionais, para impor que fossem fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Sobre o tema, o grande processualista Liebman pontuara: "Tem-se como exigência fundamental que os casos submetidos a juízo sejam julgados com base em fatos provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que percorreu para chegar à decisão a que chegou". (LIEBMAN. Enrico Túlio. Do arbítrio à razão. Reflexões sobre a motivação das sentenças. Revista de Processo. nº 29, p. 79).

É que a motivação é o que demonstra a justiça lato sensu e limita potencial arbítrio dos julgadores, além de assegurar a possibilidade de controle via duplo grau de jurisdição, porquanto é pela motivação que se compreende se os autos foram bem examinados, se as questões factuais e probatórias foram bem compreendidas e se o ordenamento jurídico e entendimento jurisprudencial foram corretamente aplicados.

Neste diapasão, é certo que a parte tem o direito de obter comentário sobre todos os pontos relevantes levantados em sede de embargos de declaração. Sendo que, se o magistrado proferir decisão, sentença ou acórdão e deixar de se manifestar acerca de qualquer ponto relevante levantado por partes e terceiros, o respectivo julgado será nulo de pleno direito, pois não se pode silenciar e ignorar, sem tecer juízo de valor, questão formulada em sede aclaratória, embora seja comum a rejeição deste instrumento, como regra.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o legislador ordinário foi muito além do que estava positivado no artigo 535, I e II do Código de Processo Civil, de 1973 e de seu caráter pre-questionatório, colocando o princípio da motivação e o recurso de embargos de declaração, como protagonistas do direito processual moderno. É que o artigo 1.022 e incisos, do novo códex, dispõe que os embargos de declaração são cabíveis quando constar, na decisão recorrida, obscuridade, contradição, omissão em ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado o julgador e corrigir erro material. Sendo que, em seu parágrafo único o legislador explicitou o que se considera omissão, definindo como omisso o julgado que "deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento" e "incorra em qualquer das condutas descritas no artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil de 2015".

Assim, o legislador fez questão de inserir, com destaque, as hipóteses descritas no artigo 489, §1º, que configurariam a carência de fundamentação válida, a acarretar a nulidade da decisão, dando um alcance ainda maior aos embargos de declaração, a fim de evitar decisões viciadas, especialmente porque o julgador jamais pode ignorar um precedente vinculante e muito menos ser um fabricante desenfreado de miríades decisões nulas de pleno direito.

Pois bem! Chegamos no artigo 489, §1º, que é importantíssimo dispositivo, porém ignorado por tantos julgadores, que o desconsideram, porquanto sequer sacam a sua mens legis, como se fosse mero aglomerado de letras mortas.

No referido §1º o legislador especifica que se considera omissa a decisão que se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo e capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; e deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

As condutas descritas no artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil, dispositivo responsável por inovadoras exigências quanto à fundamentação da decisão, devem ser observadas sempre [sim, devem], de forma séria e real. São claras hipóteses legais explícitas de omissão grave atinente a questões de supina importância sobre as quais o juiz deve se pronunciar, porque o legislador ordinário deixa clara a exigência de que o magistrado observe, em dois sua decisão, cada um destes pontos de fundamentação, a fim de garantir um sistema jurídico, em acepção horizontal e vertical, mais efetivo e coeso.

Não raras vezes os magistrados insistem em tratar os embargos de declaração como empecilho jurídico aptos a retardar a finalização do julgado ou mesmo como tentativa maliciosa de rediscussão de mérito e, com isso, apenas respondem ao advogado, como comumente acontece, para valerem-se do recurso adequado. É como se os embargos de declaração fossem um insulto ao julgador ou uma crítica ao julgado, ou mesmo uma mera forma de prequestionamento e pronto. Negam, em regra, a função real protagonizada pelos aclaratórios e a importância dele ao sistema processual moderno. Certo, então, que o magistrado, em suas decisões, precisa se manifestar de maneira clara e fundamentada a respeito das questões relevantes para a solução da controvérsia e não rejeitar indistintamente os embargos, julgando-os por atacado, virtualmente.

A tutela jurisdicional deve ser prestada de forma eficaz, observando, inclusive, recursos repetitivos sobre o tema, para que não haja razão para a anulação da decisão, em sede de embargos de declaração. E foi justamente essa importância que o legislador trouxe no novo Código de Processo Civil, porque é impreterível que as questões trazidas à discussão sejam realmente dirimidas pelo Judiciário, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, sendo preciso decidir, discutindo e dirimindo, no bojo do julgado, as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas, sob pena de violação aos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil.

 Não fossem os julgadores ignorarem, por completo, o teor do importantíssimo artigo 489, §1º, em seu inciso IV, do Código de Processo Civil (não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador), é certo que a justiça melhor caminharia em prol do bem comum e, assim, o Judiciário estaria menos assoberbado de recursos cujo pedido é de prestação jurisdicional válida e completa.

Nesse sentido, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem sido pontual, sempre atento à inteireza positiva do artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil: Depreende-se do artigo 1.022 do CPC/2015, que os embargos de declaração apenas são cabíveis quando constar, na decisão recorrida, obscuridade, contradição, erro material ou omissão em ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado o julgador, ou até mesmo as condutas descritas no artigo 489, §1º, do referido diploma legal, que configurariam a carência de fundamentação válida. (EDcl no AgInt no AREsp nº 1.987.920/RJ, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 17/6/2022.) Consoante o disposto no artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, os embargos de declaração somente são cabíveis para a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, b) três suprir omissão de ponto ou questão acerca da qual devia se pronunciar o juiz, de ofício ou a requerimento, incluindo-se as condutas descritas no artigo 489, §1º, do CPC/2015, que configurariam a carência de fundamentação válida e c) corrigir o erro material. (EDcl no AgInt no AREsp nº 1.529.166/AM, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/3/2021, DJe de 19/3/2021).

Destarte, o causídico deve estar atento ao papel crucial dos aclaratórios no direito brasileiro, porquanto, o Advogado (sim, com "A" maiúsculo) honra sua condição de integrante essencial à administração da justiça apenas quando, conhecedor do direito, atua firmemente em prol de seu cliente, dentro da ética, para sedimentar a melhor solução jurisdicional. Para tanto, o bom Advogado não pode se render diante de julgados que não reconheçam a dimensão do artigo 489, §1º do Código de Processo Civil, pois, negar o princípio da motivação, na ampla acepção do novo Codex, é tolher o pleno acesso à justiça e até mesmo ao duplo grau de jurisdição.

Mesmo porque, a prestação jurisdicional completa é dever funcional e jurisdicional do juiz, que deve julgar o aclaratórios sob a exegese dos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, enquanto normas impositivas infraconstitucionais que tornam efetivo o mandamento constitucional insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição.

Assim o cerne do dever de jurisdição constitucional suficiente não está posto em afirmar o magistrado que a jurisdição esteja completa porque sua dicção não se apresenta eivada de omissão, contradição ou obscuridade, como ordinariamente acontece, para sustentá-la completa e desnecessária de qualquer suplemento para ser completa e encerrar o dever dele em julgar. Efetivamente o que o parágrafo único do artigo 1.022 explicita, é que não estará fundamentada a decisão que incorra em qualquer das condutas descritas no artigo 489 § 1º.do Código de Processo Civil.

Como já referido, e por consequência, a sentença ou decisão fundamentada além dos pontos de sua continência, que já foram relacionados neste trabalho, deve conter a desenvoltura do processo dialético de que resultou a síntese da decisão do confronto, posto em juízo, como a tenha apurado e sido proferida, confrontando sua tese com a antítese que lhe apresentou o jurisdicionado sucumbente, para tornar-se sobranceiramente de justiça.

Como exige o artigo 489, §1º, inciso IV, principalmente, não estará fundamentada a sentença que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo, capazes de em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. 

É como destaca Manoel António Lopes Rocha: Uma fundamentação deficiente pode ser causa de nulidade, dado que a motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ao racional que lhe subjaz; e, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo seu conteúdo, um respeito efectivo do princípio de legalidade na sentença. (O processo equitativo garantido no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pressupõe a motivação das decisões judiciárias, que consiste na correcta enunciação dos pontos de facto e de direito fundantes das mesmas, em ordem a garantir a transparência da justiça, a persuadir os interessados e a permitir-lhes avaliar as probabilidades de sucesso nos recursos. Uma motivação deficiente ou inexacta deve ser equiparada à falta de motivação. (MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA — Nascido a 21 de Julho de 1931, foi sucessivamente magistrado do Ministério Público e judicial, Juiz do Supremo Tribunal Administrativo, sendo actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e, desde 1991, Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Trata-se de jurista português de grande nomeada. Fonte: leia aqui. Acesso em 1/3/2023).

A sentença não é exauriente da consciência ética e jurídica do juiz, em face do conflito que lhe foi proposto que é o que se expõe, no comum da rejeição dos embargos de declaração em nosso foro. Ela é um instrumento preponderante de Justiça, que antes deve persuadir o que foi sucumbente de que sua pretensão não poderia vingar no contexto do ordenamento jurídico, mostrando comparativamente seu divórcio dos parâmetros da decisão e a medida em que as razões do outro estejam coerentemente com ele, para ser tendente à paz social, que é o que a sociedade colima com sua função.

Ela deve ser além de afirmativa das razões do vencedor, infirmativa explicitamente das razões do sucumbente, demonstrativa da contradição entre as partes. Cotejando ambos os argumentos postos nos pedidos controversos, minuciosamente na fundamentação que deve anteceder o seu dispositivo e demonstrando em face dos fundamentos legais postos na sentença porque acolhe umas e repele as outras, tudo explicitamente explicado, nunca intuitivamente proposto, mas independentemente do que relatar o magistrado, contudo exercitando a dialética de sua finalidade, que é a razão da escolha que operacionalizou o Estado juiz, entre hipóteses controvertidas apresentadas em juízo a desaguar na decisão de Justiça. Para ser verdadeiramente sentença. Caso contrário, o legislador não diria deva ela afirmar o certo e infirmar o equívoco.

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