Opinião

Responsabilidade parental, guarda compartilhada e proteção dos filhos

Autor

  • Bruna Lyra Duque

    é doutora em Direito professora de Direito Civil da graduação e da pós-graduação lato sensu da FDV e advogada do Lyra Duque Advogados.

15 de maio de 2023, 15h18

Em caso de dissolução do vínculo conjugal, diversos elementos contribuem para a concessão da guarda dos filhos, sendo aplicada a guarda compartilhada, nos termos do Código Civil [1], quando não existir acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, salvo se um dos genitores assumir ao juiz que não almeja a guarda do menor.

Para a lei, o comando é rígido é voltado à obrigatoriedade do compartilhamento de responsabilidade parental. Na vida real, as funções parentais são direcionadas à convivência (quando não misturados os conceitos) e sob o viés de imposição de participação dos pais na vida dos filhos sem a análise da realidade da família. Será, pois, que esta determinação realmente se volta à tutela dos filhos?

Considerar a guarda dos filhos como um tema que conjuga aspectos psicológicos, emocionais, sociais e econômicos, almejando-se, prioritariamente, a tutela dos hipervulneráveis é um grande desafio, diante do intenso cenário de conflito da conjugalidade entre pais que desejam (ou não) o pleno exercício de seus direitos e deveres inerentes ao poder familiar.

A guarda compartilhada, para parte da doutrina em direito de família, é considerada como um poder familiar compartido, porque o filho, geralmente, reside de maneira principal no domicílio de um dos pais, porém ambos compartilham as decisões e se distribuem de modo equitativo nas tarefas atinentes aos cuidados dos filhos [2].

Há quem confronte a proposta teórica do poder familiar compartido pelo uso do instituto da autoridade parental, sendo esta voltada à tutela da pessoa, a qual não tem somente o intuito protetivo, mas, sobretudo, promocional da personalidade. Nesta linha de identificação de uma autoridade parental e não de uma guarda, os pais, igualmente, têm a função promocional da educação dos filhos, no sentido amplo, abrangendo concepção, orientação e acompanhamento, tais afazeres não incubem somente ao genitor guardião [3].

Identifica-se, neste sentido, que a responsabilidade parental objetiva colocar os filhos à frente protetiva dos pais, e não o contrário, posto que os pais são os responsáveis, em todos os âmbitos, pelo melhor interesse dos menores.

Pexels
Pexels

A imposição judicial da guarda compartilhada pode, sim, ser culminada de ineficácia prática do modelo, o que, na maioria das vezes, é consequência da ausência de um acompanhamento interdisciplinar adequado ou da utilização do meio judicial como um instrumento de subjugação e derrota do outro [4].

Deixar ao crivo do magistrado a imposição da guarda compartilhada como postura rígida, sem considerar o modo pelo qual a parentalidade tem sido exercida, é coadunar com o cumprimento de obrigações superficiais e em desrespeito aos vulneráveis envolvidos no conflito [5]. No contexto do instituto da guarda, observa-se uma hierarquização entre os modelos teóricos, que negligencia dos fatos, "como se existisse um modelo ideal que prescinda da realidade familiar" [6].

A imaturidade e desentendimentos excessivos dos pais devem ceder espaço à inaplicabilidade da guarda compartilhada como núcleo impositivo, este seria o alvo a ser perquirido em tal cenário, como já esboçado em julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Neste julgamento, a 3ª Turma entendeu que, tratando o direito de família sobre aspectos que abarcam sentimentos intensos e muitas vezes desarmoniosos, deve-se "cuidar da aplicação das teses ao caso concreto, pois não pode haver solução estanque já que as questões demandam flexibilidade e adequação à hipótese concreta apresentada para solução judicial" [7].

A efetividade da responsabilidade conjunta dos pais nas questões práticas da vida dos filhos, especialmente as situações envolvendo educação, lazer, saúde, dentre outras, é ponto em aberto nos casos de alto grau de litigiosidade. Quando isso ocorre, há exagerada judicialização das questões cotidianas dos filhos e, consequentemente, dos problemas da família, visto que os pais não conseguiram decidir de forma compartilhada os interesses dos próprios menores.

Entende-se que a função parental não pode ser um simulacro para cumprir a ordem judicial e não atender à premissa dos deveres fundamentais dos pais que devem agir sempre com responsabilidade mútua, solidária e integral, conforme determinado no artigo 227 [8] da Constituição [9].

Desse modo, a efetivação plena dos deveres fundamentais permite um outro olhar para questões privadas (autoridade parental e convivência) que se projetam nas questões públicas (a própria tutela da infância), uma vez que esses dois núcleos são interconectados. Em outras palavras, a tutela humana direcionada à infância é também uma preocupação social. Quanto mais os deveres são cumpridos, mais os direitos das crianças são efetivados, e aí sim estão os caminhos que levam à proteção dos infantes e a responsabilidade parental assertiva.

_________________                                                    

Referências
DUQUE, Bruna Lyra. SANTOS, Danilo Ribeiro Silva dos. Ressignificando a guarda compartilhada. In: 3ª Jornada Científica do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do ES, 2019, Vitória, ES. Revista de artigos da 3ª Jornada Científica do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do ES, Vitória, p. 292-301, 2019.

LEAL, Livia Teixeira. As controvérsias em torno da guarda compartilhada. Revista da EMERJ, vol. 20, n. 79, mai./ago. 2017. Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista79/revista79_68.pdf> Acesso em: mai. 2019.

MADALENO, Rolf. Manual de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A (des)necessidade da guarda compartilhada ante o conteúdo da autoridade parental. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias. DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Guarda Compartilhada. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

TEPEDINO, Gustavo. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil: direito de família. v. 6. Versão para Kindle. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

 


[1] Artigo 1.584, §2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

[2] MADALENO, Rolf. Manual de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 117.

[3] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A (des)necessidade da guarda compartilhada ante o conteúdo da autoridade parental. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias. DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Guarda Compartilhada. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 23.

[4] LEAL, Livia Teixeira. As controvérsias em torno da guarda compartilhada. Revista da EMERJ, vol. 20, n. 79, mai./ago. 2017. Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista79/revista79_68.pdf> Acesso em: mai. 2019. p. 91.

[5] STJ. REsp 1.642.311/RJ. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relatora ministra Nancy Andrighi. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a animosidade entre ex-companheiras e suas diferenças de ponto de vista sobre a criação do filho não seria impedimento para a fixação da guarda compartilhada. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, o artigo 1.584 do Código Civil não "deixa margem a debates periféricos" sendo o compartilhamento a regra.

[6] TEPEDINO, Gustavo. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil: direito de família. v. 6. Edição do Kindle. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 580-581.

[7] STJ. Resp 1.417.868 – MG. Relator João Otávio de Noronha. Terceira Turma, julgado 10/05/2016, DJe 10/06/2016.

[8] Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[9] DUQUE, Bruna Lyra. SANTOS, Danilo Ribeiro Silva dos. Ressignificando a guarda compartilhada. In: 3ª Jornada Científica do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do ES, 2019, Vitória, ES. Revista de artigos da 3ª Jornada Científica do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do ES, Vitória, p. 292-301, 2019.

Autores

  • é coordenadora do curso de pós-graduação lato sensu em Direito de Família e Sucessões da FDV, professora de Direito Civil da graduação e da pós-graduação lato sensu da FDV, advogada do escritório Lyra Duque Advogados, doutora e mestre pelo programa de pós-Graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e especialista em Direito Empresarial pela FDV.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!