Opinião

Das teorias que regem a responsabilidade civil do Estado

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8 de maio de 2023, 6h39

1. Da teoria geral da responsabilidade civil
Diante do questionamento frequente sobre a responsabilização, é necessário definir o conceito de responsabilidade antes de atribuí-la a uma pessoa natural, ou jurídica de Direito Público ou de Direito Privado. Nesse sentido, o termo responsabilidade tem origem no latim, respondere, sendo característica daquele que tem a responsabilidade por atos próprios, devendo responder por suas condutas resultante de negócio jurídico ou em decorrência de ato ilícito. A responsabilidade no campo jurídico, pode ser entendida como:

"uma obrigação derivada  um dever jurídico sucessivo de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados" (GAGLIANO, FILHO, 2019, p. 46).

Em regra, os elementos caracterizadores da responsabilidade civil abrangem a conduta humana, sendo positiva ou negativa, proveniente de uma ação ou omissão; o nexo de causalidade e o dano, ao passo que o elemento da culpa é um fator acidental, não sendo indispensável na responsabilização civil, segundo a acepção de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

"Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões 'ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência', a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva)" (GAGLIANO, FILHO, 2019, p. 70).

A culpa em sentido amplo (latu sensu) é adotada na teoria da responsabilidade subjetiva, na qual exige o elemento culpa, estando ligada ao aspecto subjetivo e interno do indivíduo. O dolo e a culpa são elementos distintos, o dolo encontra-se na ilicitude, no intuito contrariar, por meio de suas ações, a norma jurídica, ao passo que na culpa há uma conduta lícita, na qual incide o resultado, quando se tornam ilícitas dentro de um aspecto normativo-social.

O nexo de causalidade ou nexo causal, é um dos elementos da responsabilidade civil. A abstração dessa terminologia pode ser explicada como um elo entre a conduta e o resultado, que deve gerar prejuízo e dano. Dessa forma, a conduta humana, seja positiva ou negativa, deve estar interligada ao dano ou prejuízo causado, de forma que a exclusão de um elemento torna inexistente o nexo de causalidade, e como consequência, elimina o dever de reparar ou indenizar. Dessa forma, havendo a interrupção do nexo causal, ocorre a interrupção do elo da conduta e do resultado.

O elemento dano é necessário, tendo em vista que de acordo com o artigo 186, do Código Civil, o mesmo é essencial, para que haja o dever de indenizar. No âmbito jurídico a ideia de dano está ligada à diminuição do patrimônio corpóreo, considerado um dano emergente ou positivo, na qual em uma situação anterior à conduta, a situação da vítima era distinta da situação posterior à conduta danosa. Entretanto, o dano vai além do patrimônio, de modo que há o dano moral e estético.

O dever de reparar o dano, instituído na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil, não detém apenas caráter punitivo, tendo função reparatória e educativa. O artigo 944 do Código Civil estipula que "a indenização mede-se pela extensão do dano", e em seu parágrafo único diz que "se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização". Sendo assim, esse dispositivo decide pela necessidade de comprovar e analisar a extensão da culpa para atribuir o valor à reparação.

Os dispositivos legais sobre as causas excludentes da responsabilidade civil buscam excepcionar o dever de indenizar e reparar o dano. Para que haja a configuração de uma excludente, o nexo de causalidade deve sofrer uma intercorrência, de modo que essa variação causal importe em uma excludente de responsabilidade. À vista disso, o Código Civil explicita as hipóteses:

"Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo."

Dessa forma, a saber: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; c) exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal; d) caso fortuito e força maior; e) culpa exclusiva da vítima; f) fato de terceiro, são elementos que eximem o agente de reparar o dano. Digno de nota, que na situação de concausas, tais excludentes podem reduzir o valor da indenização, mas não necessariamente eliminar totalmente o dever de reparação de danos. Tudo dependerá da análise do caso em concreto.

2. Das teorias que definem a responsabilidade civil do Estado
As Teorias da Responsabilidade Civil do Estado buscam aprofundar-se no estudo da responsabilidade, ampliando as possibilidades de responsabilidade do Estado, a fim de compreender e explicar como os atos administrativos geram consequências. As mesmas foram se desenvolvendo e evoluindo com a passagem do tempo.

A Teoria dos Atos de Gestão e Atos de Império (já superada), estão incluídas na classificação dos atos administrativos, sendo didaticamente interessante para compreender a responsabilidade civil do Estado por meio de seus atos. Nos atos de gestão, a administração busca se igualar ao particular, não se valendo da sua supremacia. Dessa forma, os atos da administração equiparam-se às características do direito privado, como por exemplo, o ato de alienar bem público, adquirir um bem, alugar um imóvel, etc.

Nos atos de império, a administração pública busca valer-se da sua supremacia, sendo imposto de maneira coercitiva ao particular, cabendo a este último o dever de cumprir. No entanto, ao discordar do que foi imposto, pode o particular utilizar os meios legais para desfazer os atos praticados, principalmente sob a alegação de ilegalidade, desvio de finalidade, abuso de poder, falta de razoabilidade ou desproporcionalidade. Da mesma forma, caso a administração pública gere danos ao particular, terá de responder pelo mesmo.

É possível aplicar a responsabilidade subjetiva aos agentes que atuam em nome do Estado, assim como a CF/88 determina no artigo 37, parágrafo 6º, na qual dispõe:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Dessa forma, é possível concluir que ao Estado cabe a responsabilidade objetiva (comprovação de dano e nexo causal), aplicando-se a responsabilidade subjetiva aos seus agentes (comprovação de dolo ou culpa). A administração pública tem o direito de regresso contra o agente que efetivamente causou o dano.

A teoria da culpa administrativa, caracteriza-se pela transição entre a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva. Como fundamento desta teoria, afirma José Maria Pinheiro Madeira que:

"O lesado não mais precisaria identificar o agente estatal, sendo-lhe necessário apenas comprovar o mau funcionamento do serviço público, daí a denominação pela doutrina de culpa publicista ou culpa anônima, e ainda culpa do serviço, que se desmembrava em três versões: o mau funcionamento, o não funcionamento ou a demora do serviço" (MADEIRA, 2022, p, 956).

Nesta teoria, o agente que integra a administração tem sobre si a redução da responsabilidade civil ao causar dano, em razão da prática do ato ser considerada como um ato praticado pelo Estado. Dessa forma,

"propugna-se pela teoria da culpa anônima, exigindo-se para a responsabilização do Estado tão somente a prova de que a lesão foi decorrente da atividade pública, sem necessidade de saber, de forma específica, qual foi o funcionário que a produziu" (GAGLIANO; FILHO, 2019, p. 271)

A culpa anônima é caracterizada pela dificuldade em identificar o agente que praticou a conduta que gerou um dano ao terceiro. Em razão disso, cabe ao Estado a responsabilidade direta pela reparação do dano causado, configurando-se na teoria da culpa anônima do serviço público.

Na teoria da responsabilidade objetiva se dispensa o elemento culpa na reparação, ao passo que na responsabilidade subjetiva o elemento culpa é um fator central. Tratando-se da responsabilidade objetiva do Estado, não se discute sobre o grau da culpa do preposto ou do agente público, assim como determina o artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição. Neste mesmo sentido, o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que aquele que por meio do ato ilícito causar dano, fica obrigado a reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos que a lei determinar, ou quando a atividade exercida pelo autor, implicar risco para os direitos de outrem. Assim, o elemento culpa não é relevante para a caracterização da responsabilidade objetiva, conforme corrobora Gonçalves:

"pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode acusar quem não tenha dado causa ao evento. Nessa classificação, os casos de culpa presumida são considerados hipóteses de responsabilidade subjetiva, pois se fundam ainda na culpa, mesmo que presumida" (GONÇALVES, 2022, p. 49).

A ausência do elemento culpa encontra respaldo na teoria do risco administrativo, em que a consequência lesiva gera o dever de reparação. Para essa teoria, a atividade do Estado e a responsabilidade extracontratual por atos ilícitos e lícitos fundamenta-se no risco administrativo, na qual o mesmo deve suportar, ao passo que na responsabilidade subjetiva há o ônus de provar o elemento culpa. Geralmente, na doutrina de Direito Administrativo a Teoria do Risco Administrativo é utilizada como fundamento da aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva em relação ao Estado.

A Teoria do Risco Integral por vezes é confundida com a Teoria do Risco Administrativo. Entretanto, essas teorias são distintas entre si, permitindo amplo debate doutrinário acerca da responsabilização plena e integral do Estado. A Teoria do Risco Integral nem sequer admitiria excludentes:

"Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública, ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal… Bastaria, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento, não se admitindo qualquer prova visando elidir essa responsabilidade" (FILHO, 2021, p. 322).

Enquanto no Risco Administrativo as excludentes podem eliminar (ou pelo menos reduzir) o dever de indenizar, no Risco Integral nem mesmo a culpa exclusiva da vítima afasta o dever do Estado de reparar o dano. Assim, as duas teorias possuem conteúdos jurídicos distintos. A aplicação do risco integral é admitida em situações excepcionais, relacionada a episódios de danos de potencial massivo, como, por exemplo, desastre nuclear, vazamento de material radioativo e semelhantes.

 


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2021. 1 recurso online. ISBN 9786559770823.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mario Veiga. Novo curso de direito civil, v. 3: responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. 1 recurso online. ISBN 9786553622296.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v. 4: responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022. 1 recurso online. ISBN 9786555596144.

MADEIRA, JOSÉ MARIA PINHEIRO. Direito Administrativo. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 2022. 1052 p. ISBN 9786556751054.

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