Opinião

Big techs e censura pelo setor privado

Autor

  • Rafael Maciel

    é advogado especialista em Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais Autor do livro Manual Prático sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e professor e também membro da International Association of Privacy Professionals (Iapp).

4 de maio de 2023, 17h24

Aos poucos, a população e os governantes vão compreendendo um pouco mais do poder e risco da ausência de regulação das big techs. No ano passado, por exemplo, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se viu estrangulado pela dificuldade de remoção de conteúdo e pela falta de colaboração das empresas.

Meta e Google tornaram-se o Leviatã de Hobbes, um estado paralelo. Instituições privadas  e, por assim serem, a elas não é reservada plena liberdade de agir  que ditam o que pode ou não circular na web. Há tempos que tem sido assim. Educam, fazem lobby e esperneiam quando o Estado  legítimo a regular  tenta impor algumas regras.

O Projeto de Lei (PL) 2.630/20 — conhecido como o PL das Fake News  possui defeitos e é necessário discuti-los com mais calma, sem dúvidas. Entretanto, da campanha iniciada pela Google, com publicações direcionadas, impulsionamento orgânico fraudulento e publicidades obscuras, não podemos passar a tê-los como os paladinos da liberdade de expressão.

Quem faz busca no Google hoje perceberá que incluíram um link para seu posicionamento sobre o PL das Fake News, com chamadas bem alarmistas, gerando o medo na população de que a "internet não será a mesma". Esse poder das big techs podemos discutir em outro momento e, para isso, sugiro a leitura da obra de Shoshana Zuboff, A Era do Capitalismo de Vigilância.

A Google, sobretudo, revolta-se contra o PL 2.630, resumidamente, porque ele retira dela a liberdade de remover o que bem entender sem dar satisfação a ninguém e a obriga a remunerar por conteúdo de direito autoral. Quanto a essa segunda parte, reconheço, é legítima a queixa, até pelo fato de muitos produtores de conteúdo se valerem das ferramentas para serem conhecidos. Os jornais, igualmente, aprenderam a monetizar e usar as redes para atrair clientes leitores.

Diz a nota da Google que "a criação de uma legislação de internet com o potencial de impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas todos os dias precisa ser feita de uma maneira colaborativa e construtiva. (…) Na prática, como resultado do PL 2630, as plataformas ficariam impedidas de remover conteúdo jornalístico com afirmações falsas como 'A vacina de Covid-19 irá modificar o DNA dos seres humanos', ou seja, continuariam disponíveis na busca do Google e no YouTube, gerando ainda mais desinformação".

Concordo. A internet tem essa característica maravilhosa de construção conjunta, descentralizada. Todavia, embora a passagem seja apelativa  no sentido pretendido pela Google  as plataformas nunca foram impedidas de remover conteúdo, contas ou perfis em redes sociais que bem entendessem, sem qualquer critério claro, transparente. Aliás, nos últimos anos, diversas contas  muitas sequer envolvidas em pleito eleitoral  foram removidas sem que ao titular fosse garantido o direito de saber qual a conduta que violou. Às vezes, um post desavisado, denunciado, torna-se motivo para o algoritmo remover uma conta inteira. Isso gera prejuízos não só à liberdade de expressão, mas também econômicos, dado que muitos auferem sua subsistência a partir ou incentivada pelas redes sociais.

Reprodução/Twitter
O herdeiro Elon Musk, hoje dono do Twitter
Divulgação

O PL fala em transparência e prevê que as redes precisarão garantir a defesa e informar ao usuário as razões da remoção. Nada demais. Está na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor, no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: dever de transparência.

Outros aspectos do PL são preocupantes. A entidade de supervisão, precisamente apelidada de Ministério da Verdade, era algo extremamente preocupante e antidemocrático. Era, porque há notícia de que foi removida do texto que será submetido à aprovação. Amém!

Ademais, estender imunidade parlamentar, impedindo que esses tenham suas contas ou conteúdos removidos, ainda que ilícitos, parece-me arriscado e, de fato, poderá contribuir para a disseminação da desinformação.

Entretanto, é hora de uma legislação que exija mais transparência das big techs. Poderia resumir-se a isso e, assim, haveria mecanismos melhores para poder fiscalizar remoção abusiva ou conivência com conteúdo ilícito.

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