Opinião

Poder e responsabilidade do influenciador digital, implicações éticas e CDC

Autor

30 de junho de 2023, 20h31

Temos testemunhado o surgimento de uma nova profissão, exclusiva da era digital: os influenciadores, cuja principal atividade é criar conteúdo com alta capacidade de influenciar o comportamento e a opinião das pessoas.

Por vezes com milhões de seguidores e uma influência significativa sobre seus públicos, tais indivíduos têm desempenhado um papel cada vez mais importante no processo de tomada de decisão dos consumidores, ou seja, possuem efetivamente o poder de ultimar a vontade do consumidor, surgindo daí uma nova dinâmica na relação de consumo.

E pasme, hoje a valoração financeira desse profissional já pode ser medida, dentre outros fatores, pelo seu "poder de influenciar" em seis distintas categorias, a saber: celebridade (mais de 1 milhão de seguidores); megainfluenciador (entre 500 mil e 1 milhão de seguidores), macroinfluenciador (entre 100 mil e 500 mil seguidores), microinfluenciador (entre 10 mil e 100 mil seguidores), nanoinfluenciador (entre mil e 10 mil seguidores) e everyday influencer (até mil seguidores).

No entanto, com esse poder de influência vem também uma responsabilidade significativa.

Exploraremos aqui a responsabilidade dos influenciadores na relação de consumo e discutiremos como eles podem exercer sua influência de maneira ética e transparente, uma vez que sua atuação claramente se encaixa nas disposições legais acerca do conceito de fornecedor, atraindo, por outro lado, para si, a aplicação do instituto da responsabilidade objetiva.

O papel dos influencers na sociedade
Os influenciadores digitais se tornaram figuras de grande relevância na sociedade contemporânea.

Com uma base de seguidores fiéis e engajados, eles têm a capacidade de moldar tendências e influenciar comportamentos de compra. Seja na área da moda, beleza, alimentação, fitness ou qualquer outro nicho, os influencers desempenham um papel significativo na divulgação e popularização de produtos e serviços.

De acordo com a pesquisa Youpix+Nielsen ROI & Influência 2023, a importância do marketing de influência aumenta a cada ano e o retorno é considerado maior que o obtido em qualquer outro tipo de comunicação digital, prevendo a pesquisa, pelas empresas entrevistadas, que o investimento será maior este ano, chegando à casa de 1 milhão de reais em algumas empresas, destacando-se uma importante mudança: o protagonismo dos influencers, inclusive no processo criativo e não só como replicador de mensagens [1].

Dada essa nova perspectiva, inclusive, de participantes do processo criativo, o papel dos influencers na sociedade atual se revela de extrema relevância, pois com o poder de influenciar valores culturais, sociais, pessoais e psicológicos dos consumidores, os influencers passam não só a intervir no processo de decisão de compra de um produto ou serviço, mas a poder promover mudanças positivas ou negativas na sociedade, devendo desempenhar este papel com responsabilidade ética.

Ou seja, é essencial que os próprios influencers adotem padrões éticos elevados em suas atividades, colocando os interesses dos seguidores em primeiro lugar e agindo com integridade em todas as suas interações, especialmente ao divulgar, recomendar ou vender produtos ou serviços.

A relação de confiança entre influencer e seguidores
Uma das principais razões pelas quais os influencers têm tanto poder é a relação de confiança estabelecida com seus seguidores.

Essa confiança é construída ao longo do tempo, através de interações constantes, autenticidade e transparência. Os seguidores veem os influencers como pessoas comuns, cujas opiniões e recomendações são valorizadas e consideradas confiáveis.

Essa relação de confiança é um aspecto fundamental que deve ser levado em conta quando se trata da responsabilidade dos influencers, especialmente quando invocado o CDC, pois claramente a norma consumerista valoriza o Princípio da Transparência (informações claras e precisas  artigo , III, do CDC).

Quando um influencer recebe algum tipo de benefício, como dinheiro, produtos gratuitos ou outros incentivos, é crucial que essa relação seja revelada ao público de forma clara e inequívoca.

A divulgação adequada de parcerias comerciais contribui para a construção da confiança com os seguidores e permite que eles avaliem a imparcialidade das recomendações e isso, por conseguinte, dará melhores contornos à responsabilidade que o influencer está assumindo ao propagar, veicular e propriamente "vender" o produto, quase que na qualidade de próprio fornecedor, o que poderíamos chamar de fornecedor por equiparação ao analisar a norma consumerista e sua aplicabilidade.

A responsabilidade dos influencers na relação de consumo
Considerando o antes analisado  em especial o poder de interferência no processo de compra dos consumidores  poderiam os influencers serem considerados meros divulgadores de produtos ou serviços, tal como agências de publicidade?

Se desempenham um papel ativo na relação de consumo ao recomendar, promover e endossar determinadas marcas e produtos, parece ser a resposta negativa o melhor caminho, sendo, deste modo, essencial que assumam a responsabilidade por suas ações e sejam conscientes do impacto que suas recomendações podem ter na vida dos consumidores.

Os influenciadores devem assumir a responsabilidade de promover apenas produtos ou serviços que realmente acreditam e que atendam às expectativas que estão sendo divulgadas, pois isso ajudará a delimitar o seu campo de responsabilidade.

Sob a ótica do CDC, não há questão nebulosa quando o assunto é responsabilidade. A norma consumerista é clara no sentido de que há solidariedade entre todos os envolvidos na veiculação da oferta (artigo 34, caput do CDC), caminhando hoje, vale ressaltar, em outro caminho o entendimento do STJ [2], que justifica seu entendimento no fato de que a escolha do canal de comunicação foi realizada pelo próprio fornecedor (principal).

No entanto, este entendimento, com todo o respeito, não parece caminhar lado a lado com os princípios norteadores da norma consumerista que buscam, justamente, proteger o lado mais fraco da relação.

Some-se a tal fato, a equiparação do influencer como fornecedor equiparado, o que legitimaria sua responsabilidade, lembrando de toda sorte que a despeito da desnecessidade de se provar a existência do elemento culpa, dano e nexo causal precisam estar bem evidentes.

Em consonância com tal pensamento, Tartuce & Neves (Manual de Direito do Consumidor) [3] entendem ser perfeitamente aplicável a teoria da aparência e presunção de solidariedade:

"A atribuição de responsabilidade a apenas uma das pessoas da cadeia publicitária afasta-se da presunção de solidariedade adotada pela Lei Consumerista, representando uma volta ao sistema subjetivo de investigação de culpa. Além disso, há uma total declinação da boa-fé objetiva e da teoria da aparência que também compõem a Lei 8.078/1990. Em reforço, para a responsabilização de todos os envolvidos, serve como luva o conceito de fornecedor equiparado, de Leonardo Bessa."

Sobre o poder de interferência no processo de compra do consumidor, vale destacar, ecoando a voz de Gasparatto, Freitas & Efing [4] que a responsabilidade civil dos influenciadores digitais deriva da posição de garantidores que assumem ao indicar ou recomendar um produto ou serviço, pois a confiabilidade no influencer agrega poder persuasivo ao comportamento do consumidor, que, por esse fato, é encorajado a adquiri-los.

O poder de interferência dos influencers hoje é tão significativo que em pesquisa divulgada pela Istoé em 2019, 76% dos brasileiros declararam que haviam consumido produtos ou serviços após a indicação de influencers [5] e que seguem tais referências com tal finalidade.

Como seguir no caminho da ausência de responsabilização diante de tamanho reflexo na relação de consumo?

O Código de Defesa do Consumidor foi criado para estabelecer um equilíbrio nas relações de consumo e se o formato das relações também mudou significativamente, afinal o avanço tecnológico contribuiu para criar diversas outras formas de consumo, o legislador, assim como o operador do direito precisam estar atentos a eventual vulnerabilidade digital (que parece ser o caso), quando a relação envolver influencers.

Se algumas orientações pudessem ser dadas aos influencers, ao endossar um produto ou serviço, tendo em vista sua clara responsabilidade aos olhos da lei consumerista, seriam no sentido de estear suas ações no mínimo em três pilares:

— Transparência e veracidade nas recomendações: Deve evitar promover produtos ou serviços apenas por razões financeiras, mas sim basear suas recomendações em experiências reais e genuínas;

— A proteção dos interesses dos consumidores: Devem realizar uma análise criteriosa dos produtos ou serviços que pretendem promover, levando em consideração sua qualidade, segurança e impacto ambiental. Os influencers também devem alertar seus seguidores sobre possíveis efeitos colaterais ou desvantagens associadas aos produtos ou serviços recomendados;

— A ética e a responsabilidade social decorrentes de seu poder de influenciar: Devem ser éticos e responsáveis socialmente em suas ações. Não devem promover produtos prejudiciais à saúde ou que violem direitos humanos, bem como engajar-se em causas sociais relevantes. Os influencers possuem uma plataforma poderosa para promover mudanças positivas na sociedade e devem usar esse poder com responsabilidade, orientando inclusive o consumidor a ser consciente em suas escolhas.

Ao assumirem responsabilidade e orientarem suas ações minimamente nos pilares acima, os influencers contribuem para uma relação de consumo mais saudável, transparente e confiável na era digital.

De toda sorte, a responsabilidade dos influencers na relação de consumo é um tema em constante análise e evolução. Certamente a busca por melhores práticas e regulamentações adequadas continuará a ser fundamental para proteger os interesses dos consumidores nesse ambiente digital em rápida transformação.

 


[2] REsp 604.172/SP, Terceira Turma, relator ministro Humberto Gomes de Barros, Dje 27.04.2011.

[3] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 5. ed. São Paulo: Forense, 2015. (Revista, atualizada e ampliada).

[4] GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, v. 19, nº 1, p.65-87, 9 abr. 2019. Centro Universitário de Maringá. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17765/2176-9184.2019v19n1p65-87. Acesso em 21/06/2023.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!