Opinião

Ônus da prova na relação de trabalho doméstico na reclamação trabalhista

Autores

29 de junho de 2023, 14h17

A 4ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) decidiu [1] manter a improcedência do pedido de horas extras de uma empregada doméstica que não comprovou a jornada alegada na reclamação trabalhista e requeria que o empregador apresentasse folhas de ponto.

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) confirmou a sentença que julgou improcedente o pedido, porque a trabalhadora não havia comprovado o cumprimento da jornada alegada.

O ministro relator Alexandre Luiz Ramos entendeu que, de acordo com a Lei Complementar 150/2015, que regulamentou o direito dos empregados domésticos às horas extras, é obrigatório o registro do horário de trabalho. Ele considera que a lei foi um grande avanço para a categoria, que, por muito tempo, não teve os direitos garantidos às demais. Contudo, a seu ver, a norma não pode ser interpretada de forma isolada, pois a CLT, ao tratar da jornada de trabalho (artigo 74, parágrafo 2º), exige a anotação da hora de entrada e de saída apenas para estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores.

Nessa circunstância, o entendimento foi de que "aplicar a presunção relativa pela simples ausência dos controles de frequência contraria os princípios da boa fé, da verossimilhança e da primazia da realidade". Assim, a decisão foi unânime em manter a improcedência do pedido de horas extras da empregada doméstica.

Por outro lado, a Lei Complementar nº 150/15 estabelece que é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. Isso é fundamental, pois, em sua maioria, os trabalhadores domésticos atuam sozinhos, sem nenhuma outra pessoa para testemunhar sua jornada de trabalho.

E isso não apenas nos casos de trabalhadores domésticos comuns em residências, mas também em outras formas de trabalho doméstico, como babás, caseiros, cozinheiros, jardineiros etc..

O ministro do TST Mauricio Godinho Delgado e a professora Gabriela Neves Delgado tratam sobre o trabalho doméstico elucidando o seguinte:

"a Lei Complementar nº 150, publicada em 02 de junho de 2015, tornou obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico, por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. O objetivo da lei é que haja um registro do controle, por qualquer meio idôneo, para aferição do cumprimento da jornada de trabalho. O ideal é que esse registro seja feito pelo próprio empregado, de maneira a atestar o cumprimento da jornada real de trabalho e a existência das horas extras, caso ocorram. Nessa medida, considera-se idôneo, em princípio, o controle, pelo próprio empregado, dos horários de trabalho realizados, com a referência escrita às horas extras indicadas. Naturalmente que caberia ao empregador vistoriar esses controles, verificando se, de fato, estão sendo corretamente lançados pelo trabalhador
Naturalmente que não se desconhece que se trata de uma profunda mudança de paradigma – para um padrão mais civilizatório – nas relações de trabalho domésticas, exigindo, da comunidade jurídica, sensatez e ponderação no exame das situações concretas."
 [2]

No caso específico do artigo 12 da Lei Complementar nº 150/2015, que estabelece a obrigatoriedade do registro do horário de trabalho do empregado doméstico, o objetivo é garantir que esses trabalhadores tenham seus direitos trabalhistas respeitados, bem como evitar a exploração e o trabalho escravo.

O desembargador Eugênio José Cesário Rosa, do TRT-18, juntamente com os demais integrantes da 1ª Turma, decidiu que: "com o advento da LC nº 150/2015, conforme seu art. 12, tornou-se obrigação do empregador doméstico manter o registro de horários do empregado, incumbindo-lhe o ônus da prova. A ausência de apresentação dessa prova implica em presunção relativa da jornada de trabalho alegada na inicial, podendo ser refutada por meio de prova produzida nos autos" [3].

Vale mencionar acórdão publicado muito recentemente pela Sexta Turma do TST [4], que afirma que a Lei Complementar 150/15, em seu artigo 12, exige que o empregador doméstico tenha algum tipo de controle da jornada praticada pelo obreiro. O desembargador convocado relator José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, aduz o seguinte:

Certo é que, no caso concreto, impor às empregadas a prova da jornada extraordinária constitui verdadeira prova diabólica, visto que o trabalho doméstico, na maior parte das vezes, é realizado sem a presença de outros empregados ou terceiros, que não os membros da família.

Nesse sentido ele destaca que, embora o artigo 818, §1º, da CLT permita a distribuição dinâmica do ônus probatório, quando se constata impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo, no caso dos empregados domésticos, a própria lei atribui ao empregador ônus de manter os registros de controle de jornada. Para embasar o seu entendimento, o relator citou outros cinco acórdãos do TST com entendimentos similares [5].

É possível perceber que, embora o entendimento do ministro José Pedro seja mais justo e razoável do que o mencionado no início deste artigo, é evidente que há decisões controversas sobre a matéria do ônus da prova da jornada de trabalho do empregado doméstico no TST, não há um entendimento pacificado.

O artigo A prova da jornada do trabalhador doméstico à luz da EC 72/13 [6], de autoria do juiz do Trabalho Mauro Schiavi, discute-se a questão da prova da jornada de trabalho dos empregados domésticos à luz das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/13.

Segundo o autor, a prova da jornada de trabalho é essencial para garantir os direitos trabalhistas dos empregados, especialmente no caso dos empregados domésticos, que muitas vezes trabalham em condições informais e sem a devida documentação. Com a EC 72/13, que equiparou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, tornou-se ainda mais importante a comprovação da jornada de trabalho.

O autor ressalta que, em geral, o empregador doméstico tem melhores condições de produzir prova em juízo, como documentar a jornada de trabalho por meio da criação de um livro de ponto. O artigo 74 da CLT obriga a criação de um livro de ponto para os empregadores domésticos que possuem mais de vinte empregados. É importante destacar que, além de garantir os direitos dos empregados, a documentação da jornada de trabalho também é uma forma de proteger o empregador contra possíveis ações trabalhistas.

No entanto, para os empregadores domésticos que possuem menos de 20 empregados, há três possibilidades para a prova da jornada de trabalho. A primeira é aplicar as regras de distribuição do ônus da prova previstas nos artigos 818 da CLT e 333 do CPC. A segunda é utilizar a teoria da inversão do ônus da prova, em que o ônus da prova da jornada cabe ao empregador. E a terceira é aplicar a teoria do ônus dinâmico da prova, em que o ônus da prova da jornada cumpre ao empregador doméstico.

Uma outra forma que se apresenta possível ao empregado doméstico para se resguardar e obter futuramente a prova de sua jornada é a utilização de geolocalização. Em recente artigo publicado nesta ConJur, o advogado André Simoni e Gusmão, que é especialista em "compliance", segurança da informação e proteção de dados, esclareceu o seguinte:

Se por um lado o empregador tem uma possibilidade muito mais ampla para a produção de provas, sem a necessidade de interferir na privacidade dos empregados; por outro, ao empregado cabe apenas uma possibilidade reduzida, podendo abrir mão de sua intimidade e ceder os dados de geolocalização. [7]

Isso significa que o trabalhador precisaria abrir mão de sua privacidade, expondo informações pessoais nos autos, a fim de comprovar as horas extras trabalhadas.

Dessa forma, exigir do empregado doméstico que comprove sua jornada de trabalho é exigir uma prova diabólica, de modo que se não são documentados os horários de entrada e saída do doméstico no trabalho, é muito difícil encontrar prova testemunhal, tendo em vista que na maior parte das vezes o trabalho doméstico é realizado apenas na presença da família do empregador, sem a presença de outros empregados ou terceiros.

Em conclusão, a comprovação da jornada de trabalho é um assunto crucial para assegurar os direitos dos trabalhadores domésticos, e cabe ao empregador adotar medidas para registrar a jornada de trabalho de seus empregados, sob pena de sofrer punições trabalhistas.

 


[1] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo Ag-AIRR-1196-93.2017.5.10.0102, 4ª Turma, relator ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/02/2023.

[2] O novo manual do trabalho doméstico. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 114.

[3] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Processo (ROPS-0010830-32.2021.5.18.0141, RELATOR: DESEMBARGADOR EUGÊNIO JOSÉ CESÁRIO ROSA, 1ª Turma, Publicado o acórdão em 26/04/2022).

[4] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo RR-389-45.2018.5.21.0001, 6ª Turma, relator desembargador Convocado José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 23/06/2023.

[5] Processo: RR – 10209-60.2016.5.03.0098 Data de Julgamento: 24/05/2017, relatora ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/05/2017); Processo: AIRR-93-38.2014.5.02.0083, 6ª Turma, relatora ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 06/10/2017); Processo: Ag-ED-RR-1001576-64.2018.5.02.0045, 7ª Turma, relator ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 20/04/2023; Processo: RR-737-04.2020.5.20.0007, 5ª Turma, relator ministro Breno Medeiros, DEJT 14/04/2023; Processo: RRAg-2308-36.2018.5.22.0003, 3ª Turma, relator ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/02/2022.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!