Opinião

Prêmios, luvas, direito de arena e cessão do uso de imagem na Lei Geral do Esporte

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho titular da cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor universitário. Advogado.

29 de junho de 2023, 6h34

A Lei 14.597, de 14 de junho de 2023, publicada no Diário Oficial da União de 15/6/2023, institui a Lei Geral do Esporte.

Nesse contexto, propõe-se aqui analisar certas previsões sobre as relações de trabalho no esporte, com destaque ao pagamento de prêmios, luvas, direito de arena e cessão do uso de imagem.

Pode-se dizer que a parcela conhecida como "bicho", paga aos atletas e treinadores profissionais em razão de vitórias ou empates, é uma modalidade especial de prêmio.

O valor das "luvas" é normalmente pago aos atletas e treinadores profissionais quando da assinatura do contrato especial de trabalho esportivo. Anteriormente, entendia-se que essa parcela teria natureza salarial, por ser uma forma de remuneração antecipada.

Na relação do atleta profissional com a organização esportiva empregadora, os prêmios por performance ou resultado, o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil (artigo 85, §1º, da Lei 14.597/2023).

Consideram-se prêmios por performance as liberalidades concedidas pela organização que se dedique à prática esportiva empregadora em dinheiro a atleta, a grupo de atletas, a treinadores e a demais integrantes de comissões técnicas e delegações, em razão do seu desempenho individual ou do desempenho coletivo da equipe da organização que se dedique à prática esportiva, previstas em contrato especial de trabalho esportivo ou não (artigo 85, §2º, da Lei 14.597/2023).

Da mesma forma, na relação do treinador profissional de futebol com a organização esportiva empregadora, os prêmios por performance ou resultado, o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil (artigo 98, § 2º, da Lei 14.597/2023).

Em termos comparativos, na relação de emprego comum, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades (artigo 457, §4º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de prêmios não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (artigo 457, §2º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

No âmbito dos direitos fundamentais, é assegurada, nos termos da lei, a proteção à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas (artigo 5º, inciso XXVIII, alínea a, da Constituição de 1988).

A difusão de imagens captadas em eventos esportivos é passível de exploração comercial (artigo 159 da Lei 14.597/2023).

Nas relações de trabalho no esporte, pertence às organizações esportivas mandantes o direito de arena, que consiste no direito de exploração e comercialização de difusão de imagens, abrangendo a prerrogativa privativa de negociar, de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de evento esportivo de que participem (artigo 160 da Lei 14.597/2023).

De acordo com o artigo 42-A, §2º, da Lei 9.615/1998, incluído pela Lei 14.205/2021, devem ser distribuídos aos atletas profissionais, em partes iguais, 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo.

O pagamento da verba decorrente do direito de arena aos atletas profissionais deve ser realizado por intermédio dos sindicatos das respectivas categorias, que são responsáveis pelo recebimento e pela logística de repasse aos participantes do evento, no prazo de até 72 horas, contado do recebimento das verbas pelo sindicato (artigo 160, §2º, da Lei 14.597/2023).

É facultado à organização esportiva detentora do direito de arena e dos direitos comerciais inerentes ao evento esportivo cedê-los no todo ou em parte, por meio de documento escrito, a outras organizações esportivas que regulam a modalidade e organizam competições.

Na hipótese acima, pertence às organizações esportivas responsáveis pela organização da competição o direito de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de eventos esportivos compreendidos em quaisquer das competições por elas organizadas, bem como de autorizar ou de proibir a exploração comercial de nome, de símbolos, de marcas, de publicidade estática e das demais propriedades inerentes às competições que organizem.

Discute-se a respeito do direito de arena devido aos atletas profissionais. Anteriormente, havia posicionamento no sentido da sua natureza remuneratória, equiparando-se à gorjeta (artigo 457, §3º, da CLT), por ser paga por terceiros, considerando-se uma oportunidade de ganho oferecida ao empregado. Entretanto, prevalece o entendimento de que a referida parcela não tem caráter trabalhista nem salarial, mas natureza civil, por decorrer do direito de exploração e comercialização de difusão de imagens.

Nesse sentido, a previsão do artigo 42, §1º, da Lei 9.615/1998, com redação dada pela Lei 12.395/2011. De acordo com o artigo 42-A, §3º, da Lei 9.615/1998, incluído pela Lei 14.205/2021, a distribuição da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo tem caráter de pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho.

Fica vedada a prática de proveito publicitário indevido e ilegítimo, obtido mediante o emprego de qualquer artifício ou ardil, sem amparo em contrato regular celebrado entre partes legítimas e com objeto lícito e sem a prévia concordância dos titulares dos direitos envolvidos (artigo 160, §5º, da Lei 14.597/2023).

Esclareça-se que não constitui prática de proveito econômico indevido ou ilegítimo a veiculação, pelas empresas detentoras de concessão, de permissão ou de autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura, da própria marca e a de seus canais e dos títulos de seus programas nos uniformes de competições das entidades esportivas e nos demais meios de comunicação que se localizem nas instalações dos recintos esportivos (artigo 160, §9º, da Lei 14.597/2023).

Na hipótese de realização de eventos esportivos sem definição do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, dependem da anuência das organizações esportivas participantes (artigo 160, §6º, da Lei 14.597/2023).

As disposições do artigo 160 da Lei 14.597/2023 não se aplicam a contratos que tenham por objeto direitos de transmissão celebrados previamente à vigência da Lei 14.597/2023 (15.06.2023), os quais permanecem regidos pela legislação em vigor na data de sua celebração. Essa eficácia não retroativa da norma jurídica tem como objetivo preservar o ato jurídico perfeito (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição).

Os referidos contratos não podem atingir as organizações esportivas que não cederam seus direitos de transmissão a terceiros previamente à vigência da Lei 14.597/2023, as quais podem cedê-los livremente, conforme as disposições previstas no artigo 160 da Lei 14.597/2023.

A difusão de imagens de eventos esportivos na rede mundial de computadores deve respeitar as disposições dos artigos 159 a 164 da Lei 14.597/2023.

A rigor, o direito de arena, acima indicado, não se confunde com o direito decorrente de contrato específico de cessão do uso de imagem. Este último não tem natureza remuneratória, desde que ausente a fraude, a qual se configura quando se trata de mera contraprestação do trabalho realizado, incidindo, nesse caso, o artigo 9º da CLT [1].

O direito ao uso da imagem do atleta profissional ou não profissional pode ser por ele cedido ou explorado por terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja sócio, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho esportivo (artigo 164 da Lei 14.597/2023). O direito decorrente de cessão ou exploração do direito ao uso de imagem, assim, não integra o contrato especial de trabalho esportivo, pois tem natureza jurídica civil, e não trabalhista, o que afasta o seu caráter salarial.

Não há impedimento a que o atleta empregado, concomitantemente à existência de contrato especial de trabalho esportivo, ceda seu direito de imagem à organização esportiva empregadora, mas a remuneração pela cessão de direito de imagem não substitui a remuneração devida quando configurada a relação de emprego entre o atleta e a organização esportiva contratante (artigo 164, §1º, da Lei 14.597/2023).

A remuneração devida a título de imagem ao atleta pela organização esportiva não pode ser superior a 50% de sua remuneração (artigo 164, §2º, da Lei 14.597/2023). Caso esse limite legal seja desrespeitado, havendo relação de emprego, entende-se que o referido pagamento passa a ter natureza salarial, como contraprestação da atividade realizada (artigo 457 da CLT).

A utilização da imagem do atleta pela organização esportiva pode ocorrer, durante a vigência do vínculo esportivo e contratual, das seguintes formas, entre outras: I – divulgação da imagem do atleta no sítio eletrônico da organização e nos demais canais oficiais de comunicação, tais como redes sociais, revistas e vídeos institucionais; II – realização de campanhas de divulgação da organização esportiva e de sua equipe competitiva; III – participação nos eventos de lançamento da equipe e comemoração dos resultados.

Deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a se combater a simulação e a fraude (artigo 164, §4º, da Lei 14.597/2023). Nesse enfoque, se o mencionado pagamento, na realidade, tiver como objetivo apenas a contraprestação da atividade laboral, a sua natureza jurídica passa a ser salarial (artigos 9º e 457 da CLT).

Fica permitida a exploração da imagem dos atletas e dos membros das comissões técnicas, de forma coletiva, assim considerada, no mínimo, três atletas ou membros das respectivas comissões técnicas agrupados, em atividade profissional, em campo ou fora dele, captada no contexto das atividades esportivas e utilizada para fins promocionais, institucionais e de fomento ao esporte, pelas organizações que administram e regulam o esporte e pelas organizações que se dediquem à prática esportiva, respeitado o disposto no artigo 164 da Lei 14.597/2023 no que se refere ao direito de imagem de cada atleta e membro da comissão técnica, quando individualmente considerados.

Observam-se, assim, diversas especificidades no contrato especial de trabalho esportivo, celebrado entre a organização de prática esportiva e o atleta profissional, como os prêmios por performance ou resultado, o valor das luvas, o direito de arena e a cessão de direito de imagem, aspectos sistematizados na atual Lei Geral do Esporte.

 


[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. p. 374.

Autores

  • é livre-docente e doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla, membro pesquisador do IBDSCJ, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, professor universitário e advogado.

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