Ameaça v. ameaça real

Suprema Corte decide que condenação por ameaças online violou liberdade de expressão

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28 de junho de 2023, 10h17

A Suprema Corte dos EUA anulou, nesta terça-feira (27/6), a condenação de um homem que fez seguidas ameaças pelas redes sociais a uma cantora, com o argumento de que a proteção constitucional à liberdade de expressão requer que os promotores provem que o stalker estava ciente da natureza ameaçadora de suas mensagens.

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A decisão por 7 votos a 2 da corte, em Counterman v. Colorado, esclarece que "ameaças reais" de violência não são protegidas pela Primeira Emenda da Constituição (que garante o direito, entre outros, à liberdade de expressão). "Ameaças reais" são as que expressam seriamente o propósito do réu de "cometer um ato de violência ilegal", diz o voto.

No entanto, é preciso proteger a expressão que não é realmente ameaçadora contra o efeito devastador de um processo criminal. Assim, a Promotoria "deve provar que o réu negligenciou [o fato de que havia] um risco substancial de suas mensagens serem vistas como uma ameaça de violência". Parece que esse foi o caso, pela maneira que a decisão descreve os fatos:

"De 2014 a 2016, o peticionário Billy Counterman enviou centenas de mensagens pelo Facebook a C. W. [Coles Whalen], uma cantora-compositora local. Os dois nunca se encontraram e C. W. não respondeu [às mensagens]. De fato, ela tentou repetidamente bloqueá-lo, mas, a cada vez, Counterman criou uma nova conta e voltou a contatar C. W.. Várias de suas mensagens subentendiam danos violentos abatendo-se sobre ela."

"As mensagens de Counterman causaram medo a C. W. e subverteram sua experiência diária. C. W. finalmente contatou as autoridades. O Estado condenou Counterman, sob a acusação de violar lei do Colorado que define como ilegal fazer, repetidamente, qualquer forma de comunicação com outra pessoa, de uma maneira que leve uma pessoa razoável a sofrer séria angústia emocional e realmente faça essa pessoa sofrer séria angústia emocional."

"Counter pediu [à Justiça] para trancar a ação, com base na Primeira Emenda, alegando que suas mensagens não eram 'ameaças reais' e, portanto, não servem de base para um processo criminal. Observando a lei do Colorado, o juiz de primeiro grau rejeitou esse argumento, sob um padrão objetivo, decidindo que uma pessoa razoável iria considerar as mensagens ameaçadoras."

"Counterman recorreu, alegando que a Primeira Emenda requer que o Estado comprove não apenas que suas declarações eram objetivamente ameaçadoras, mas também que ele estava ciente de seu caráter ameaçador. O Tribunal de Recursos do Colorado discordou e confirmou a condenação. O Tribunal Superior do Colorado se recusou a julgar o caso."

A Suprema Corte, por sua vez, decidiu a favor do réu, revogando as decisões das cortes estaduais: "O Estado processou Counterman de acordo com um padrão objetivo e não teve de comprovar qualquer consciência por parte de Counterman do caráter ameaçador de suas declarações. Isso é uma violação da Primeira Emenda."

E reenviou o processo para as cortes inferiores do Colorado, para os promotores decidirem se voltam a processar o réu, de acordo com os novos padrões estabelecidos pela Suprema Corte.

De uma maneira geral, a decisão da Suprema Corte foi complexa: para condenar, a fala deve ser considerada uma "ameaça real"; os promotores devem demonstrar que o réu "tinha algum entendimento subjetivo da natureza ameaçadora de suas declarações", mas provando apenas que o réu foi negligente em seus comentários, e não necessariamente de sua intenção era de que fossem danosas.

Essa foi uma rara situação, em que os votos dos ministros da Suprema Corte não se alinharam com as tendências ideológicas. A ministra Elena Kagan (liberal) escreveu o voto da maioria, ao qual aderiram a ministra Ketanji Brown Jackson (liberal) e os ministros conservadores John Roberts, Samuel Alito e Brett Kavanaugh.

A ministra Sonia Sotomayor (liberal) escreveu um voto concorrente, ao qual aderiu o ministro Neil Gorsuch (conservador). A ministra Amy Barrett (conservadora) escreveu o voto dissidente, ao qual aderiu o ministro Clarence Thomas (conservador). Com informações adicionais do Washington Post, NBC NEWS, Forbes, MSN e CNN.

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