Opinião

Alterações na Lei de Arbitragem: onde há fumaça há revelação?

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27 de junho de 2023, 18h23

Em mais um capítulo da série "cascas de banana no caminho da arbitragem", recentemente foi ajuizada arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)  convertida em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pelo relator, o ministro Alexandre de Moraes  que pretende questionar o dever de revelação tal como consolidado no artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996).

O assunto é vinho velho em odres novos (para inverter-se o dito da conhecida parábola), pois já fora objeto de discussões travadas ao longo de 2022 em decorrência de projeto de lei que pretendia alterações ainda mais graves à Lei de Arbitragem.

Mas se a vingança é um prato que se serve frio, o que a ADI faz é requentar tema não somente discutido e rediscutido nos últimos anos, mas antigo e sedimentado no sistema brasileiro. Basta dizer que o artigo 14, agora atacado, é um dos dispositivos mais perenes da Lei de Arbitragem: vige com a mesma redação desde 1996, foi mantido pela declaração de constitucionalidade de 2001 e restou inalterado pela reforma legislativa que se fez em 2015. Tal se dá por conta da qualidade de seu texto, a refletir o que de melhor se tem na legislação de países estrangeiros e na Lei Modelo da Uncitral, órgão da ONU para o comércio internacional.

O que leva, então, a que agora se requente tal debate por via de uma ação constitucional? Certamente não é o fato de haver ações anulatórias de sentenças arbitrais tramitando. Esses são expedientes do próprio sistema, e, assim, não há qualquer anormalidade em se os ativar, nos casos em que a parte entender que uma das causas de anulação se encontra presente.

Há um alarde acerca de suposto crescimento no número de anulatórias (e que, até o momento, está mais no plano intuitivo do que no jurimétrico) como se isso depusesse contra a arbitragem. Esse é um sintoma natural do crescimento exponencial da arbitragem que o Brasil vem tendo nas últimas décadas, ao ponto de, hoje, se situar entre os cinco mais frequentes usuários do mundo. O eventual aumento de ações anulatórias é consequência natural de mais arbitragens instauradas.

Não faz senso que, à guisa de crítica de decisões judiciais que, lá e cá, têm modificado, anulado ou complementado sentenças arbitrais, se pretenda que o STF edite uma espécie de decreto detalhando todas as hipóteses em que seria necessária ou não a revelação pelos árbitros. O sistema funciona! O Poder Judiciário tem cumprido o seu papel, seja em cumprimentos de sentença arbitral, ações anulatórias ou outros expedientes judiciais; seja aplicando a cláusula geral do artigo 14 da Lei de Arbitragem a partir das peculiaridades de cada situação. Pode-se concordar ou não com algumas decisões, e os recursos estão aí à disposição de todos. 

Sutis variações, por exemplo, decorrentes da aplicação casuística do artigo 14 são, de um lado, normais, porque a cláusula geral é técnica legislativa propositalmente adaptativa às peculiaridades dos casos concretos; e, de outro, e na hipótese excepcional de consolidarem divergências conceituais mais importantes, encontram não na via constitucional, e sim na uniformização da interpretação de lei infraconstitucional feita exemplarmente pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) o expediente apropriado.

Não se pode conceber, ainda, que a ação constitucional esteja motivada por uma plena convicção do que sustenta no seu mérito. Sem esgotar todos os seus tópicos, pretensiosamente a ação busca dar nova roupagem ao dever de revelação em contrariedade ao que é consolidado.

O pretexto de objetivar segurança jurídica, manifestado no texto da petição inicial da ADI, produz seu exato oposto, pois já há segurança jurídica quanto ao conteúdo e os limites do dever de revelação, ainda que a interpretação da lei seja evolutiva, porque evolutiva é a realidade, e ainda que, portanto, a concretude oportunize aplicações variáveis do que é previsão abstrata.

Por fim, nem se cogite a hipótese de que um expediente de controle concentrado de constitucionalidade esteja sendo empregado como véu a encobrir objetivos casuístas e individuais. Tal seria verdadeiro Frankenstein jurídico, que nem os piores pesadelos seriam capazes de produzir.

O que fica a ecoar, portanto, é o questionamento já posto: o que leva a que se questione disciplina consagrada por via de uma tardia ação constitucional? Por certo, não são os ideais de desenvolvimento econômico e segurança jurídica, de que a arbitragem é, hoje, um dos principais instrumentos. O recipiente novo não rejuvenesce conteúdo antigo e consolidado.

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