Opinião

Classificação fiscal das mercadorias: análise sob a perspectiva do Carf

Autores

  • Thabitta Rocha

    é advogada tributarista no Martinelli Advogados pesquisadora do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem) e do Núcleo de Pesquisas do Mestrado Profissional em Direito Internacional do IBDT (Nupem) MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP/ESAlq) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

  • Gabriela Silveira

    é pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

26 de junho de 2023, 18h19

Recentemente, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) julgou alguns casos que discutiram a classificação fiscal correta de Struktol 40MS (nome comercial) considerado como misturas de resinas hidrocarbônicas alifáticas. O contribuinte adotou determinada classificação, enquanto o Fisco entendeu diversamente, classificando o produto em posição diversa, com alteração para maior da alíquota dos impostos incidentes na operação.

O processo foi julgado por uma das turmas ordinárias do Carf que, ao final, concluiu que ambas as classificações adotadas não se aplicavam ao produto comercializado. Para tanto, demonstrou que uma terceira classificação se enquadraria ao caso. Ressaltou a carência de fundamentação do lançamento e, portanto, considerou improcedente a autuação, afastando qualquer hipótese de nulidade do auto de infração.

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O enquadramento correto das mercadorias na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) é fundamental para as empresas que praticam comércio exterior, porque padroniza os produtos com o objetivo de categorizar e viabilizar a circulação de mercadorias e produtos pelos países do Mercosul. Através da classificação da NCM são calculados os impostos incidentes nas operações de exportação, importação e comercialização, tais como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II), PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).

Em razão desse grau de relevância, as discussões sobre a classificação adequada das mercadorias não são novas no Conselho, como se sabe. Contudo, a cada produto ou peça analisados, discute-se novas especificidades no caso concreto. Em recente julgamento, não foi diferente. Ainda que se tenha utilizado terceira alternativa de classificação fiscal, a Turma a quo adentrou em debates peculiares do produto acima mencionado.

O Carf já analisou uma infinidade de produtos, nacionais e importados, como perfumes, água de colônia, desodorantes, sabonete em barra, aparelho de GPS, tubos flexíveis de PVC, vitaminas, ração animal, bebidas, impressoras, peças de usina termoelétrica, laminados planos de ferro ou aço, display de cristal líquido (LCD), entre outras. Na maioria dessas análises, as autuações acontecem porque a Receita Federal não concorda com as classificações atribuídas aos produtos e mercadorias por parte das empresas.

Em 2020, o Brasil aprovou e atualizou o texto dos pareceres [1] de classificação fiscal do Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial das Alfândegas (OMA). A publicação foi feita através da Instrução Normativa RFB nº 1.926, de 16.03.2020. A referida Coletânea contém todos os pareceres aprovados pelo Comitê do Sistema Harmonizado (CSH). Ressalta-se que os pareceres são de cumprimento obrigatório por parte da Secretaria da Receita Federal e dos demais intervenientes no comércio internacional.

Retomando a jurisprudência do Carf, não raro verifica-se julgados que adentram na discussão quanto a correta metodologia para extrair a classificação fiscal adequada das mercadorias. Nesse contexto, remetem as Regras Gerais de Interpretação do Sistema Harmonizado, as quais devem ser utilizadas de maneira conjugada, uma vez que sua utilização de forma isolada pode gerar deturpação e equívocos na posição empregada.  Ademais, deve-se utilizar as disposições das Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (Nesh).

Com efeito, inicialmente é necessário perquirir a classificação usando a RGI/SH de número 1 e, apenas se esta não for satisfatória, passa-se à próxima regra e assim sucessivamente. Subsidiariamente, também emprega-se as disposições da Nesh, afinal a classificação fiscal das mercadorias é metodologia que possui objeto de investigação (mercadoria ou objeto) em campo de análise delimitado e método próprio para investigar (Regras para interpretação do Sistema Harmonizado, Regras do Mercosul, Regra Complementar da TIPI, método científico, indução e dedução), além de princípios peculiares, como da Equivalência Conceitual, da Plena Identificação da Mercadoria, da Unicidade de Classificação.

A utilização correta dessa metodologia é relevante, porque a classificação incorreta das mercadorias e produtos gera a aplicação de alíquotas indevidas nos cálculos dos impostos ou contribuições, o que pode vir a resultar em autuações por parte da Receita para cobrança da diferença dos valores não pagos acrescidos da multa de 75% sobre a obrigação principal, multa de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria e juros, além da devolução da mercadoria, retenção alfandegária, imposição de penalidade por falta de Licença de Importação (LI), bem como prejudicar as operações internacionais, na medida em que os códigos são utilizados para os cálculos dos benefícios fiscais e aplicações de substituição tributária.

No que se refere à multa de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria, é válido mencionar que o Carf tem posicionamento sumulado no sentido de que o erro na classificação da mercadoria enseja a aplicação da multa de 1% mesmo nas hipóteses em que a classificação atribuída pela Receita no lançamento de ofício seria igualmente incorreta, (súmula 161 do Carf). A título de exemplo, voltando os olhos ao caso inicialmente apresentado neste artigo, mesmo tendo sido exonerada a exigibilidade da obrigação principal e demais multas aplicadas, a multa de 1% prevista pelo artigo 84, inciso I da MP nº 2.158-35/2001 prevaleceu mantida na oportunidade do julgamento do recurso voluntário.

Uma alternativa aos contribuintes das obrigações principais ou acessórias que porventura estiverem com dúvida em relação a classificação de seu produto e prefiram evitar a possibilidade de ser autuado e/ou ter a aplicabilidade das referidas penalidades em suas operações, é a utilização do processo de consulta no âmbito da Secretaria da Receita, a qual é regulamentada pela Instrução Normativa nº 2.057/2021, alterada pela IN/RFB nº 2076/2022. Além deles, também poderão formular consulta órgão da administração pública ou entidade representativa de categoria econômica ou profissional.

Quando a Consulta for formulada antes do prazo legal para recolhimento do tributo, não haverá multa de mora e juros referente àquela mercadoria, a partir da data de seu protocolo até o 30º dia seguinte a data da ciência. Vale destacar que as soluções de consulta respaldam o sujeito passivo que as aplicar, ainda que este não seja o consulente, desde que a mercadoria se enquadre nas características descritas.

Ementa do acórdão analisado:

"ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
Data do fato gerador: 25/09/2014
PRELIMINAR. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE. SÚMULA CARF.
Súmula CARF nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.
CLASSIFICAÇÃO FISCAL. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. TERCEIRA HIPÓTESE.
Verificado que a classificação fiscal das mercadorias, objeto da lide, diz respeito a um código NCM diverso, tanto daquele utilizado pela impugnante, bem como daquele que a fiscalização entendeu ser a correta, portanto havendo carência de fundamentação no lançamento de ofício, este é improcedente, e deve ser afastado no mérito, não se tratando, portanto, de hipótese de nulidade.

CLASSIFICAÇÃO INCORRETA ADOTADA PELO FISCO. MULTA DE 1% SOBRE VALOR ADUANEIRO. ARTIGO 84, I DA MP Nº 2.158-35/01. SÚMULA CARF Nº 161."

Prevalece a multa de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria importada, prevista no artigo 84, I da Medida Provisória nº 2.158-35/01, conquanto a classificação laborada pelo autoridade fiscal em auto de infração revela-se incorreta, por aplicação da Súmula Carf nº 161.

Acórdão nº 3201-010.463, proferido nos autos do processo administrativo nº 11128.720950/2014-48, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf, no dia 25 de abril de 2023.

Autores

  • é MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP/ESAlq) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

  • é pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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