Segunda Leitura

Atuação do advogado junto aos tribunais de segunda instância

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

18 de junho de 2023, 8h00

Estimulado pela excelente palestra do desembargador João Eduardo de Nadal, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no último dia 15, em Mafra, nas "Jornadas da Advocacia" promovidas pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção catarinense, animo-me a escrever sobre o tema, certo de que quanto melhor a atuação dos advogados das partes, melhor será a distribuição de Justiça.

Os comentários adiante serão comuns ao processo civil e ao penal, uma vez que raras são as hipóteses em que o que se aplica a um, não se aplica ao outro. Ademais, sendo o Código de Processo Penal antigo (1941) e o de Processo Civil mais recente (2015), este último é mais minucioso das providências. Todavia, tudo o que neste está e naquele não é regulado, pode ser aplicado por analogia (artigo 3] do CPP).

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Feitas estas considerações, vejamos a fase recursal ordinária, ou seja, a apelação. Ela representa um momento processual de relevância máxima, pois nela se discute matéria de direito e de fato. Portanto, justifica-se a preocupação e o interesse na vitória, pois os tribunais superiores só analisarão a controvérsia sob o ponto de vista da correta aplicação da lei (STJ) ou da Constituição (STF), abstendo-se do exame das provas produzidas. Se assim é, normal também é que o advogado dê ao recurso de apelação a máxima atenção. E isto exige habilidade e estratégia que não estão escritas nos códigos de processo nem na melhor doutrina sobre a matéria.

Nas ações cíveis, no passado o recurso de apelação era recebido ou não pelo juiz de primeira instância. Todavia, o CPC de 2015 alterou esta prática, fixando o artigo 1.011 que no tribunal é que se fará o exame do cabimento. E, face à possibilidade de o relator julgar por decisão monocrática dando ou negando provimento, é importante que o advogado verifique se a hipótese dos autos está conforme o previsto no artigo 932, incisos IV e V do CPC. Neste caso, se houver interesse, poderá antecipar-se, peticionando para que se profira decisão monocrática.

Mas, supondo que tenha sido determinado o prosseguimento do recurso de apelação, o CPC determina, no artigo 12, que o juiz, nos julgamentos, siga a ordem cronológica de conclusão. Ocorre que a parte poderá ter urgência no julgamento, seja pela idade avançada ou pela existência de uma razão preponderante (v.g., doença grave). Em tais hipóteses é possível formular pedido de preferência. Ele deve ser requerido através de petição, com prova do fato alegado, não havendo necessidade de solicitar-se audiência com o relator.

A audiência prévia com o julgador somente deve ser requerida e confirmada para tratar de uma tutela pendente de apreciação ou de um processo cujo julgamento já esteja aprazado na pauta do órgão julgador. Conversar meses antes é pura perda de tempo, sem vantagem para quem quer que seja. Afinal, com o dinamismo da vida moderna e com a imensa quantidade de recursos nos tribunais, ninguém se lembrará de uma conversa ocorrida há tempos. 

Uma audiência não deve jamais tornar-se um momento de tensão. Advogados inexperientes, eventualmente, se empolgam na sustentação de suas teses e tentam convencer o desembargador do acerto de suas posições. Por vezes fazem perguntas, visando obter uma resposta positiva. Não é este o lugar de sustentação oral. A audiência é apenas para chamar a atenção sobre um ou outro tópico relevante. Posições aguerridas levam ao risco de uma irritação do julgador e isto não é recomendável. Da mesma forma, é totalmente equivocado fazer críticas a terceiros, sejam as partes, os advogados ou o juiz.  Ataca-se a sentença e não as pessoas.

Seja pessoal ou online, a audiência deve ser um momento de exposição direta e clara do ponto de divergência. Não tem o menor cabimento relatar toda a controvérsia, o que foi dito na inicial ou na contestação. A partir do recurso, o que se discute é a sentença. Portanto, de forma direta deve ser exposto o acerto ou desacerto de um ou mais tópicos da sentença. E nada mais.

De igual relevância é saber o exato momento de pedir a audiência. Penso que, regra geral, a solicitação deve ser feita poucos dias antes do julgamento e não logo após o processo ser pautado. Se houver muitos dias entre a visita e o julgamento, provavelmente o relator esquecerá o assunto. Afinal, além daquele recurso ele poderá ter centenas ou milhares de outros semelhantes. Três dias antes do julgamento será adequado.

Na esfera criminal, a audiência pode ser solicitada após a manifestação do Ministério Público. Este será um bom momento de abordar o tema. Consequentemente, fica prejudicada nova audiência antes do julgamento, pois nada haverá a ser falado. Neste momento, a simples entrega de memorial no gabinete do desembargador é suficiente.

As audiências nem sempre precisam ser feitas com os magistrados. Por vezes, serão inclusive de maior utilidade se feitas com os assessores. Evidentemente, cabe ao advogado analisar as peculiaridades do gabinete, se o desembargador é favorável a delegar atos à assessoria ou se os concentra em suas mãos. A partir daí poderá escolher a melhor opção.

Nesta audiência será entregue o memorial. Nele, é erro grave fazer um relatório do processo, repetir afirmações já feitas nas razões ou contrarrazões. Basta apontar os itens da sentença dos quais se discorda e dizer por que não foram acertados. Quanto ao tamanho, há quem utiliza apenas uma folha, mas duas parece-me ser o ideal. Três é admissível. Mais do que isso não, provavelmente não serão lidas.

A sustentação oral é um momento importante. Não para questões rotineiras, com jurisprudência pacífica. Utilizar o tempo para sustentar algo inútil, além de não apresentar qualquer resultado, ainda prejudica os outros advogados que devem sustentar na sessão, por vezes, inclusive, fazendo com que os seus recursos sejam adiados, face ao adiantado da hora. Apenas como exemplo, menciona-se que a Turma Administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região no Paraná, julga cerca de 600 recursos por sessão. Uma Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, não raramente, pode julgar de 25 a 30 recursos em uma sessão presencial. Não se olvide que há recursos com centenas de arquivos, dezenas de denunciados, muitos advogados e sustentações orais.

Portanto, como o prazo previsto no artigo 937 do CPC é de apenas 15 minutos para sustentação oral, não se pode perder tempo com longas saudações a cada um dos julgadores. Na sustentação, repita-se, não se critica a pessoa do juiz sentenciante, critica-se a sentença e não quem a prolatou. A defesa oral serve para demonstrar equívocos de determinados pontos da sentença e por que eles devem ser mudados.

Chamar o prolator da sentença de juiz de piso, nem pensar. A uma porque inexiste tal figura no ordenamento jurídico brasileiro. A outra porque esta expressão é odiada pelos juízes de primeira instância e os desembargadores são-lhes solidários. Repetir o afirmado, jamais. Cansa quem ouve e consome o tempo destinado a tal fim.

Os equívocos devem ser destacados e, para rebatê-los, é importante citar precedentes. Mas não qualquer um escolhido aleatoriamente. Mencionar um acórdão de um dos Tribunais de Justiça, já extinto há décadas, será motivo de comentários pouco enaltecedores. Na citação de precedentes deve ser seguida a seguinte ordem: recente do mesmo órgão julgador (câmara ou turma), se não tiver, de outro órgão do próprio Tribunal, caso não exista, do STJ (aspecto legal) ou do STF (hipótese constitucional).

Outrossim, é de grande relevância referir explicitamente o que se encontra nos autos, seja nas audiências, memoriais ou sustentação oral. Se mencionar uma prova, é preciso deixar claro onde ela se encontra. Imagine-se um processo administrativo com milhares de folhas, algo muito comum em ações penais contra servidores públicos ou crimes contra a administração pública. Se o documento está na folha 2.325 do processo administrativo fiscal, deve reproduzir essa folha, como anexo do memorial, a fim de facilitar a compreensão do julgador.

Recursos tecnológicos podem ser usados com sucesso. Imagine-se filmagem feita por um drone em um caso de invasão de terras ou um vídeo que demonstre uma agressão praticada contra uma pessoa. Todavia, o pedido deverá ser feito com antecedência que permita à parte contrária ter ciência para que possa, se for o caso, impugnar a prova.

Finalmente, enquanto o recurso tramita no Tribunal de Justiça ou Regional Federal, é preciso já pensar no eventual recurso especial ou extraordinário ao STF. Por exemplo, na apelação dirigida a um TRF, o advogado deve citar atuais precedentes desse TRF, de outro TRF, de um ou de dois TJs e do próprio STJ. Isso facilita o exame de admissibilidade futuro, seja pela contrariedade ou negativa de vigência da lei, seja pela divergência jurisprudencial com outro tribunal.

É preciso lutar com todas as armas para que a admissibilidade dos recursos especial e extraordinário sejam aceitas no tribunal de apelação, pois mais difícil será consegui-la nos tribunais superiores. Aqui é oportuno lembrar a lição de Roberto Rosas quando afirma: "Para o STF/STJ é essencial a preparação da causa, na inicial, no início da demanda, a partir da dicotomia infraconstitucional e constitucional, como abordagem e posicionamento, muitas vezes, sob a forma de separação ambígua, porque tratada na lei ordinária e na Constituição (ex. coisa julgada)".[1]

Muitos outros aspectos relevantes certamente existem. O tema é dinâmico e está em construção. Às considerações aqui aduzidas somam-se outras que venham a ser lembradas ou que o tempo revele oportunas. Por isso, é oportuno que outros adicionem comentários ou escrevam novos textos. Aperfeiçoa-se o sistema de forma despretensiosa.

 


[1] ROSAS, Roberto.  Lembranças do mundo jurídico. Rio de Janeiro: GTZ, 2021, p. 88

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador Federal aposentado, ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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