Opinião

Interpretação extensiva do art. 220 do CPC gera inadmissibilidade indevida de recurso

Autores

  • Flávio Pansieri

    é sócio do escritório Pansieri Advogados professor adjunto de Direito Constitucional e Econômico da PUC-PR pós-doutorado em Direito pela USP fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional. C-Level FGV Governança membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Constitucional e ex-diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TSE e ex-vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal.

  • Felipe Gasparim

    é head do Pansieri Advogados.

16 de junho de 2023, 7h09

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, foram solucionadas incontáveis inseguranças em razão de diversificadas interpretações quanto ao cômputo de prazos e forma da suspensão durante o recesso forense, compreendido de 20 de dezembro a 20 de janeiro, que foi regulamentado no artigo 220 do CPC  chamado férias forenses —, conforme disposto no artigo 214 do CPC/2015.

Sendo assim, como forma de conferir clareza e certeza aos operadores do direito, o legislador no CPC/2015 trouxe consigo a regulamentação taxativa da regra, distinguindo a suspensão dos prazos processuais dos atos de processamento excepcionais durante as férias, em especial por força do disposto nos artigos 215, 216 e 220.

Todavia, não raras as vezes nos deparamos com decisões de Tribunais de Justiça estaduais, na oportunidade de avaliação em sede de admissibilidade recursal aos tribunais superiores, trazendo consigo novas incertezas e inseguranças, dentre elas, mas não se limitando, ao exigir a necessidade de demonstração por meio de documentação idôneas a comprovação do feriado (regra do artigo 1.003, §6o do CPC/2015) também para o período de 20 de dezembro a 20 de janeiro já regulamentado pelo o artigo 220 do CPC.

Com isso, negando o prosseguimento recursal sob o fundamento de não comprovação de tempestividade, quando não juntado concomitantemente a medida recursal o ato ensejou a suspensão em âmbito estadual também neste período (20 de dezembro a 20 de janeiro).

À primeira vista  com mera avaliação simplista  as decisões parecem estar em absoluta sintonia ao entendimento da Corte Especial do STJ. Isso porque a exigência de juntada de documentação para comprovação de feriados é exigida pelo julgamento do AgInt no AREsp 957.821/MS, realizado na sessão de 20 de novembro de 2017, que interpretou os arts. 932, parágrafo único, e 1.003, §6º, do CPC de 2015, firmando orientação de que os recorrentes devem comprovar "a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso", de maneira que ficaria inviabilizada a apresentação de documento hábil em momento posterior para demonstração de tempestividade.

Entretanto, ao realizar um aprofundamento analítico do sistema normativo do CPC, concomitantemente com as intepretações prestadas pelos precedentes da Corte Especial do STJ, temos a identificação de incorreções interpretativas nos julgamentos estaduais quando aplicam a regra do artigo 1.003, §6º do CPC/2015 exigindo documento no ato recursal também para feriado nacional regulamentado pelo artigo 220 do CPC.

Neste diapasão, avaliando não só as ementas e precedentes do STJ sobre a matéria, mas, principalmente, compulsando a razões de decidir (ratio decidendi) dos casos semelhantes no STJ, temos que sua posição veio exatamente do mesmo AgInt no AREsp 957.821/MS que tinha o condão de demonstrar que o STF e o STJ não estão obrigados a ter conhecimento universal de todas as suspensões, recessos, feriados, paralizações de expediente do judiciário, assim como de outras especificidades locais por todo território nacional. Ora, seria ilógico imaginarmos o dever de atribuir a obrigação de onisciência normativa às Supremas Cortes.

Em primeiro plano, a razão do advento de obrigação das partes estabelecida no artigo 1.003, §6º do CPC, é à despeito do dinamismo legislativo brasileiro qual se revela em inúmeros níveis da federação com plena autonomia.  Em segundo plano, o Brasil notadamente tem abrangência continental, seria incongruente pensar em um conhecimento universal de normas municipais e estaduais, o que reafirma e potencializa o número possível de publicações de criações e alterações legislativas todos os dias.

Sendo assim, a razão consentânea de decidir dada pelas Cortes Superiores, percorre um caminho interpretativo para reafirmar a intenção do legislador do CPC de 2015 pelo dever das partes em observar as regras do artigo 1.003, §6o do CPC, de modo que deve o interessado contribuir com o processamento do feito e a demonstração da ocorrência destas especificidades locais.

Todavia, a lógica acima adotada, a que se refere a necessária comprovação de feriados, não pode ser estendida para todo e qualquer tipo de "feriado", até porque não haveria razão do Código de Processo Civil distinguir e conceituar "feriados" se não houvesse sistemática própria para os diferentes tipos. Temos o conceito de feriado para efeitos forenses pelo artigo 216, que dita: "além dos declarados em lei, são feriados, para efeito forense, os sábados, os domingos e os dias em que não haja expediente forense". Agora, quando observamos o artigo 1.003, §6o do CPC não há em seu teor mesma linguagem dada pelo artigo conceitual de feriado, revelando em seu texto um complemento para limitar a extensão de seus efeitos. Vejamos: "O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso".

Seria um contrassenso imaginar que suspensões de expedientes, feriados e recessos, reconhecidamente de caráter "nacional", como exemplo natal e feriado da confraternização universal do dia 1o de janeiro, detenham a mesma obrigação e formalidade disciplinada pelo artigo 1.003, §6o do CPC. Isso porque, ainda que haja dinamismo legislativo pela autonomia do Entes Federados no Brasil, não poderiam eles alterar, impor ou sobrepor norma de abrangência nacional, nem mesmo poderiam os ministros do STF e do STJ alegar o desconhecimento de feriado de abrangência "nacional". Este raciocínio se revela em igual forma ao período regulamentado pelo artigo 220 da CPC, até porque este período é regulamentado pela própria lei nacional. Vejamos do teor do dispositivo: "artigo 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive".

Outrossim, exigir prova por meio escrito e idôneo de ato permissivo judicial de suspensão de prazos processuais cíveis no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, seria o mesmo que obrigar a parte recorrente a juntar o próprio Código de Processo Civil conjuntamente com a medida recursal. Ou seja, quanto à suspensão de prazo decorrente de lei nacional (art. 220 do CPC), ato normativo primário, inexiste em seu teor, ou em qualquer remissão a esta sistemática, qualquer necessidade de demonstração do ato quando da interposição do recurso, o que se dá, propriamente, por força do artigo 37, caput, da CF e do artigo 1º e 3º da Lindb, pois nem Magistrados nem partes podem alegar desconhecimento da própria lei, decisões Estaduais quais erroneamente não estariam observando e consequentemente negando vigência.

O artigo 220 do CPC já é prova inequívoca e idônea com previsibilidade em âmbito nacional. Tal regulamentação é conhecida e idônea em todas as instâncias judiciais, à medida que se trata de lei nacional, aplicável a todo o território brasileiro, o que não ocorre em atos locais (feriados municipais ou estaduais).

Aprofundando ainda mais no tema, temos que a ratio decidendi dos precedentes existentes separa os casos decorrentes de lei nacional para com casos de feriados e suspensões eminentemente locais. Esta conclusão se torna ainda mais clara quando identificado pela fundamentação do AgInt no AREsp 1303486/SP: "Suspende-se a contagem dos prazos processuais em todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive da União, entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, período no qual não serão realizadas audiências e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do CPC/2015, independentemente da fixação ou não do recesso judiciário nos Tribunais de Justiça dos Estados, à luz da Resolução CNJ nº 244/2016". (AgInt no AREsp 1303486/SP, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 8/11/2018, DJe 14/11/2018).

Tais fundamentos torna-se de suma relevância quando comparado as decisões de admissibilidade emanadas da Justiças Estaduais, demonstrando que estas últimas detêm incorreção quando aponta necessidade de juntada de ato de suspensão local, também para feriados nacionais.

Para o caso do período do recesso forense (férias forenses), compreendido de 20 de dezembro a 20 de janeiro, como muito bem avaliado pelo ministro Raul Araújo (AgInt no AREsp 1303486/SP), o período já é regulado pelo artigo 3o Resolução no 244/2016 do CNJ, que estabelece apenas regulamentação infra normativa, ratificando a norma maior dada pelo próprio CPC. Ou seja, o CNJ não estabelece uma faculdade ao Estados de promoverem livre fixação de prazos processuais no interstício do dia 20 de dezembro a 20 de janeiro. Apenas determina que os prazos processuais estarão suspensos, independentemente da regulação ou não em resolução estadual, vide consequência desnecessária a obrigação dada pelo artigo 1.003, §6o, do CPC.

Daí o erro das decisões estaduais, ao querer fazer com que na ocorrência de todo e qualquer tipo de suspensão de atos processuais deva ser demonstrada. Isto se aplica tão somente a feriados locais, na forma do artigo 1.003, §6º, do CPC  e assim se dá à medida que apesar de ser razoável que qualquer tribunal conheça a lei nacional, é pouco exigível que conheça cada decreto municipal do Brasil.

É em tal sentido que se firmou a jurisprudência do STJ, para qual a demonstração da suspensão de prazos recai exclusivamente àqueles atinentes a feriados locais, e não os nacionais (como é caso do CPC).

Portanto, não há necessidade de comprovar suspensão automática de prazo prevista em lei nacional, pois exigir que o fosse levaria a negar vigência e eficácia à própria lei que o instituiu, como ao fim incidem em violação ao próprio artigo 220 do CPC, bem como aos artigos 1º e 3º da Lindb, e ao próprio artigo 37 da Constituição, que estabelece a vinculação do Poder Público (judiciário, inclusive), à legalidade. Fazendo que os operadores do Direitos estejam atentos a potenciais inadmissões recursais indevidas neste sentido.

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