Opinião

Princípio da não-cumulatividade diante das PECs nºs 45 e 110 (reforma tributária)

Autor

11 de junho de 2023, 9h22

O Brasil, como assim já aconteceu em boa parte do mundo, notadamente na Comunidade Europeia, carece de forma urgente traçar um novo modelo de cobrança e arrecadação de tributos de modo a melhor equalizar as diversas tributações (o mais próximo de um verdadeiro IVA/VAT), mormente em se tratando de um país federado, à vista da elevada carga tributária que tanto emperra o crescimento da economia brasileira e também de forma a permitir uma concorrência comercial o mais possível em igualdade de condições vindo a dar efetividade o quanto definido na atual Constituição, notadamente o seu artigo 170 que trata "Da Ordem Econômica e Financeira" e dos "Princípios Gerais da Atividade Econômica", assim como de acordo com a capacidade contributiva dos contribuintes

De outra ponta, como é público e notório, pelos menos no mundo acadêmico, tem-se que tramita no Congresso projetos de reforma tributária, especialmente as PECs de nºs 45 e 110, liderada pelo deputado Baleia Rossi, com o fim de levar a cabo uma situação que se arrasta há décadas, e no intuito de melhor representar o citado IVA/VAT, sobressaindo nas discussões políticas, econômicas e jurídicas a criação do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).

E um dos pilares a dar concretude ao tal IBS [1] trata-se do princípio da não-cumulatividade, o qual consta em ambas as PECs.

Sob esse ponto de vista, há de se ter no texto constitucional um conceito da não-cumulatividade que possa expressar de maneira patente qual é exatamente os créditos a que tem direito o contribuinte, que podem ser compensados com os seus débitos de tal forma a melhor atender o tão almejado IBS (IVA/VAT tupiniquim), à vista das diversas variáveis nrasileiras, principalmente em se tratando de um país com 26 estados, além do Distrito Federal, e 5.568 municípios que, em muitos casos, se amoldam a verdadeiros países dentro do Brasil, quer pela pujança econômica e/ou em face da sua população.

Lá naquelas PECs há propostas de um conceito do princípio da não-cumulatividade muito enxuto na de nº 45 e, por outro lado, um texto deveras extenso na de nº 110, sendo certo que nas duas propostas de emenda à Constituição (PECs) trazem, na sua base, definições muito semelhantes à Constituição de 1988.

Como operador do Direito desde há muito tempo, já labutando na seara tributária, em relação ao ICMS há mais de 33 anos, notadamente envolvendo a tão citada LC nº 87, de 1996, sempre encontramos dificuldades em se definir o exato alcance do princípio constitucional da não-cumulatividade (CF : artigo 155, inciso II, e seu §2º, incisos I e II) e que no estado de São Paulo (Sefaz), por meio das DN nº 1, de 2001, à época, tentamos, e com certo êxito, estabelecer os parâmetros neste sentido e até conversamos pessoalmente com saudoso tributarista Alcides Jorge Costa, que foi um dos ghost writer quando da elaboração desta LC (artigo 19  "Da não-cumulatividade do ICMS") no intuito de saber qual foi a "mens legis" para tanto.

Então, a propósito do referido conceito, e considerando a recente decisão do STF (nos autos da ADC nº 49), que entendeu que nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não há que se falar em incidência do ICMS, como assim também se manifestou o STJ (Superior Tribunal de Justiça) há muito tempo (1996) por meio da Súmula nº 166, em 1996 ("Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte"), oferecemos nossa colaboração (vide abaixo) para se ter uma redação já no bojo da CF (não muito enxuta, como consta da atual PEC nº 45, e não também muita extensa como aquela proposta da PEC nº 110).

Nesse sentido, se faz necessário estabelecer uma definição constitucional a mais objetiva possível, de tal forma que quando da necessária elaboração da nova LC estabelecendo os critérios e/ou definições do novo IBS neste sentido (princípio da não-cumulatividade), não fique esta definição à mercê de questões políticas e/ou econômicas por parte das unidades federadas e municípios e possa esta ter o alcance efetivo para atingir uma cobrança e arrecadação tributárias mais eficientes (IVA/VAT tupiniquim), tanto no que diz respeito ao "quantum debeatur" (em atendimento, principalmente, ao atual artigo 170 da CF e também segundo a capacidade contributiva dos contribuintes), quanto nos aspectos fiscalizatórios, conforme segue (sugestão de redação de meio-termo):

Redação atual da PEC nº 45 (artigo 152-A, inciso III)
"III – será não-cumulativo, compensando-se o imposto devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores;".

Redação atual da PEC nº 110 (artigo 155, §7º, inciso II)
II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, sendo assegurado:

a) o crédito relativo às operações com bens e serviços empregados, usados ou consumidos na atividade econômica, ressalvadas as exceções relativas a bens ou serviços caracterizados como de uso ou consumo pessoal;

b) o crédito integral e imediato, quando cabível, na aquisição de bens do ativo imobilizado;

c) o aproveitamento de saldos credores acumulados;".

Sugestão:
"III – será não-cumulativo, compensando-se o imposto devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores e relacionado a bens, serviços e direitos utilizados para a consecução da atividade do contribuinte, assegurada a manutenção dos créditos relativos a transferências de bens entre seus estabelecimentos".

Por fim, e bem a propósito, recentemente (início de maio de 2023) foi aprovado no Senado o PLP nº 332, de 2018, alteração na LC nº 87, de 1996, para inserir o §4º no seu artigo 12 (este artigo trata do fato gerador do ICMS), o qual, segundo notícia veiculada no site do Senado, visa a "uniformizar o entendimento do Supremo Tribunal Federal", na citada ADC 49, com a seguinte redação:

"§4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte para outro estabelecimento de mesmo titular" (NR).

Nesse diapasão, com o devido respeito ao Senado Federal, se mantida somente a aprovação daquela redação, via PLS nº 332, com o acréscimo do citado §4º, por certo o seu efeito será a cumulatividade do ICMS.

Assim sendo, para não se ter a referida cumulatividade do ICMS, é de rigor acrescer também alteração no §2º do artigo 21 da LC 87, de 1996, de modo que na sua parte final faça-se constar o seguinte:

"§2º – Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior ou de operações com o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, como também em relação às transferências de mercadorias de que trata o §4º do artigo 12."

Com essas ponderações e/ou sugestões, e por amor ao debate, esperamos contribuir para que ocorram as devidas alterações e/ou reformas nos textos das PECs ou daquele PLS.


[1] Para fins do IVA/VAT, a corrente que prevalece na Comunidade Europeia é a de que se permite o crédito de tudo aquilo que for consumido e/ou utilizado no processo industrial, comercial ou de serviço.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!