Opinião

Aplicabilidade do Provimento 188/2018 do CFOAB na investigação defensiva cível

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9 de junho de 2023, 13h17

Em uma vitória para a classe advocatícia brasileira, a consolidação do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil regulamentou o exercício da prerrogativa profissional do advogado, quando da realização de diligências investigatórias com fim de instruir procedimentos administrativos e judiciais.

Tal provimento, em resposta da OAB, veio para o equilíbrio de forças e paridade de armas, ante o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público, por força do decidido no Recurso Extraordinário 593.727/MG.

Em uma análise puramente textual do supracitado provimento, se extrai que o poder investigatório atribuído aos advogados, por força do disposto, se limita exclusivamente à atuação na esfera criminal.

Da leitura do artigo 2º do provimento se obtém o rol taxativo específico de procedimentos judiciais e administrativos em que são cabíveis a investigação defensiva. São eles:

"Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:
I. pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
II. rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;
III. resposta a acusação;
IV. pedido de medidas cautelares;
V. defesa em ação penal pública ou privada;
VI. razões de recurso;
VII. revisão criminal;
VIII. habeas corpus;
IX. proposta de acordo de colaboração premiada;
X. proposta de acordo de leniência;
XI. outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal."

Assim sendo, as prerrogativas preconizadas no provimento limitariam seus efeitos aos advogados e advogadas que atuam exclusivamente no âmbito criminal. Contudo, um novo entendimento pode alterar tal conclusão.

Em determinação inédita, utilizando-se analogamente dos poderes conferidos no Provimento 188/2018, o Ministério Público do Estado de São Paulo arquivou inquérito contra advogado, quando da realização de investigação defensiva no âmbito cível.

Tal inquérito foi aberto com o fim de apurar falsidade ideológica praticada por advogado, no curso de sua atuação profissional, atuando para obtenção de provas a fim de instruir processo cível.

O processo cível em questão versava sobre resolução contratual, pela prática ilegal de medicina veterinária de empresa contratada, nas dependências da clínica do autor, cliente do advogado.

Segundo consta no processo, o autor alegou que a empresa contratada estaria enviando profissionais não habilitados no Conselho de Medicina Veterinária para a realização de atendimentos dentro de sua clínica e que tais prestadores falsearam número de registro do órgão competente, quando do preenchimento de formulário interno da clínica.

A fim de obter provas do ilícito praticado pela empresa requerida e da total ausência de crivo técnico na seleção dos prestadores de serviço que eram enviados, o advogado se candidatou a uma vaga, por meio de preenchimento de simples formulário online disponibilizado pela Requerida.

No formulário para a candidatura à vaga eram exigidos, tão somente, o nome da pessoa, seu telefone, o nome de qual instituição de ensino cursava (ou cursou) medicina veterinária e sua disponibilidade para trabalho.

Para a surpresa do advogado, dias após sua candidatura, o mesmo foi convocado para prestar serviços de auxiliar veterinário, em clínica onde, também, prestava serviços a empresa requerida.

Registradas as provas inequívocas de contratação de pessoas sem qualquer análise prévia da qualificação técnica, estas foram juntadas aos autos do processo, sendo admitidas pelo juízo competente.

Após a instrução, a sentença proveu os requerimentos iniciais, resolvendo o contrato pela infração, sendo a causa da resolução, justamente a incontrovérsia do envio de profissionais não habilitados pela empresa requerida.

Conjuntamente à ação cível, a empresa requerida diligenciou para a abertura de inquérito policial contra o advogado, alegando que este teria praticado falsidade ideológica quando do preenchimento do formulário online, pois lá teria afirmado ter cursado medicina veterinária.

Feita a remessa pela delegacia competente, o Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito, por entender, que a conduta praticada pelo advogado era atípica, vez que as informações prestadas no formulário online deveriam se sujeitar à verificação posterior pela empresa, e, portanto, não eram capazes de preencher o elemento subjetivo específico doloso da conduta tipificada no artigo 299 do Código Penal.

Por fim, a determinação ministerial entendeu que a conduta praticada pelo advogado, com o fim de constituir prova do ilícito praticado na relação contratual, esteve amparada pelo Provimento 188/2018 da CFOAB. O arquivamento foi acolhido pelo juiz responsável.

Com isso, de maneira inédita, as prerrogativas preconizadas no provimento, que textualmente se limitam à esfera de atuação criminal, foram usadas analogamente para a validação e legalidade de investigação conduzida no âmbito cível.

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