Opinião

Direitos culturais: que tal uma "PEC da Sofrência" para o povo deixar de sofrer

Autor

  • Alexandre Aguiar

    é advogado palestrante e assessor jurídico especialista em Direito Previdenciário pela Escola Superior de Direito (ESD) e presidente da Comissão Especial de Cultura e Entretenimento da OAB/BA.

8 de junho de 2023, 11h25

Na aula magna "Cultura e Arte: por uma Revolução Simbólica a partir da Universidade", que abriu o semestre letivo na Unirvesidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) (2023.1), a atriz, vereadora licenciada por Salvador e presidenta da Funarte, Maria Marighella, trouxe apontamentos que ainda causam reflexão acerca da cultura, tendo sinalizado que a intenção do Decreto Federal nº 11.453/2023 do fomento nacional, reconhece a cultura como instrumento (meio) de desenvolvimento.   

As colocações de Marighella sobre a cultura na Nova República, ou seja, pós-Constituição de 1988, levam a indicar que: 1) vivemos uma fase econômica inicial (ministro Celso Furtado), com as Leis Sarney e Rouanet; 2) depois a fase de conhecimento ou antropológica da cultura (ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira); 3) recente fase de afirmação da cultura enquanto direito, a partir da Covid-19 (sociedade civil  e Congresso) com as Leis de Emergência Cultural Aldir Blanc 1, 2 e Paulo Gustavo. 

Os direitos culturais são novos direitos. Reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigos 22 e 27. Na Constituição de 1988, o artigo 215 expressa o dever do Estado em garantir o pleno exercício dos direitos culturais a todos. Os juristas culturais mencionam que é a tomada da consciência de tais direitos que os faz uma novidade, os considerando direitos coletivos, difusos, individuais homogêneos e contramajoritários. Ou seja, os direitos culturais são de minoria e enfrentam obstáculos para se efetivar. 

A diversidade cultural, liberdade de expressão artística, os fluxos de saberes e o patrimônio cultural, enquanto direitos relacionados à cultura, em que pese a autonomia e interesses da cultura, na prática, ao longo dos anos sofre violações de princípios constitucionais, à exemplo do princípio do suporte logístico estatal e princípio da universalidade, cuja inconstitucionalidade, está exatamente neste freio descabido dado aos direitos culturais, com a  ausência de políticas públicas e investimentos (custeio), corroborado pelo ideário de criminalização das culturas, que permite governantes eleitos fragilizar o setor cultural e até extinguir o Ministério da Cultura (governos Collor e Bolsonaro).

 Por quê? Ora, vejam, o Brasil deixa de observar, erraticamente, a recomendação descrita no item 50 da Agenda 21 da Cultura, nas Nações Unidas, decorrente do Fórum de Barcelona, onde foi expressada a orientação aos Governos de Estados e Nações de que: "(…) é preciso trabalhar para atribuir um mínimo de 1% do orçamento nacional para a cultura" (diálogos CUNHA, Filho), o que é desconsiderado pelo Brasil com a redação do §6 º do artigo 216 da Constituição, inserido pela Emenda Constitucional 42/2003, quanto a autonomia financeira da cultura ao prescrever:  

"CF
Artigo 216 
(…) 
§6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos cultura, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I – despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) 
II – serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados."

Como pode? Os direitos culturais estão entre os direitos humanos fundamentais, apontados como direitos indivisíveis, sendo questionável, portanto, estabelecer o custeio facultativo e em percentual inferior ao definido como mínimo nas Nações Unidas. É preciso, neste sentido, alertar para o equívoco de custeio da cultura na Constituição, enquanto investimento inferior ao dos países civilizados no mundo, numa violação que fragiliza a aplicação continuada de recursos culturais, cuja a quantia em valores adequados poderia otimizar o suporte logístico estatal para alcance da população lá na ponta, que está 80% vivendo nas cidades, com privações da pobreza periférica.   

É preciso anotar esta queixa de desempenho no Brasil, quando a Emenda Constitucional 42/2003 estabelece que o investimento no setor cultural é facultativo e não o substancial obrigatório, numa quantia de apenas 0.5% da receita tributária líquida do país na cultura, enquanto o recomendado é 1% de investimento das mesmas receitas aos governos de estados e às nações desde Agenda 21 da Cultura, onde por uma questão de lógica, nossos índices de desenvolvimento culturais, notadamente, contam com valores 50% menores do que é o adequado e de outra maneira, o nosso sofrimento não teria ocorrido.  

Divulgação
Cantora Marília Mendonça (1995-2021)
Divulgação

O setor cultural é superavitário e segundo Itaú Cultural responde por 3,11% do PIB nacional e gera cerca de 7,4 milhões de postos de trabalho. O professor Pier Luigi Petrillo, da Universidade de Roma, destaca, em seus estudos de teorias e técnicas do lobbying, que na redação da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América está fixada cláusula: "(…) to petition the government for redress of grievances", que em tradução atribuí aos cidadãos americanos poder para pedir ao governo que sejam feitas reparações de suas queixas. 

Essa garantia constitucional americana define o lobbying, que no nosso caso não está regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro, mas é possível que seja visto com bons olhos, pois testemunhamos o presidente da república amparar uma cidadã soteropolitana nos braços, ao se queixar de violações de direitos humanos na área do Quilombo Rio dos Macacos, em disputa com uma base naval da Marinha do Brasil, Estado da Bahia, durante o lançamento do Decreto 11.525/2023, para regulamentação da Lei Paulo Gustavo, no último dia 11 de maio na capital baiana,  

Na sequência, também vimos o presidente da República manifestar-se de ofício, por mensagem pública quanto a queixa do jogador de futebol Vinícius Junior, do Real Madrid, em relação ao crime de racismo sofrido durante uma partida de futebol na Espanha, onde se subentende que regular um método eficaz e transparente para reparação das queixas de violações de direitos humanos pode salvaguardar nossos principais valores no ordenamento jurídico do Brasil, evitando prejuízos que podem nos trazer segurança social e sistematizar o aperfeiçoamento facilitado de políticas públicas, ao invés de fazer apenas o PPA Participativo, o que já é um avanço.

Por outro lado, deixar de regulamentar o instituto do lobbying é muito prejudicial ao povo brasileiro, a considerar que no nosso modelo democrático, a Carta Magna é rígida e para ser alterada demanda proposta de emenda constitucional, que só pode ser apresentada pelo presidente da república, por um terço dos deputados federais ou dos senadores ou por mais da metade das assembleias legislativas, desde que cada uma delas se manifeste pela maioria relativa de seus componentes, favorecendo o controle de classe, o dirigismo e o imobilismo social, a corrupção e o autoritarismo das elites patriarcais colonialistas de exploração.

Acontece que a violação de autonomia financeira ao setor cultural, sedimenta negativa de direitos humanos na proteção e acesso a cultura, para parcela significativa da população, quando tendo acesso à cultura, informam que o saudoso humorista e ator Paulo Gustavo, vítima da Covid-19, só no filme Minha Mãe é uma Peça 3, faturou a maior renda do cinema nacional, na cifra de R$ 182 milhões arrecadados. E a jovem cantora do ritmo "breganejo" Marília Mendonça, morta prematuramente, vítima de acidente aéreo, chega ao faturamento na casa de R$ 10 a R$ 12 milhões por mês no seguimento musical da economia criativa, que tem na força suave, vetor potencial de alta intensidade democrática.  

Neste sentido, tendo em consideração que segundo a ACSP (Associação Comercial de São Paulo), o Brasil arrecadou mais de R$ 2,8 trilhões em impostos no ano de 2022, sendo que 1% deste valor anual são R$ 28 bilhões, como sugestão prática de direitos culturais, a estratégia de defesa da autonomia financeira e dos interesses da cultura, é a mobilização popular, com povo nas ruas pacificamente, para pedir a "PEC da Sofrência", voltada ao adequado investimento de recursos na cultura, em homenagem a cantora Marília Mendonça e sua hábil livre expressão, de peculiar duplo sentido, para que não nos deixem mais sofrer no Brasil, a partir do esforço democrático dos nossos valorosos parlamentares, que saberão eficientemente modificar o texto da Constituição. 

Assim é preciso que seja reconhecida a queixa contra atual redação do §6º do artigo 216 da Constituição, para que a "PEC da Sobrevivência" nos sirva para estabelecer que União, estados, Distrito Federal e municípios possam obrigatoriamente vincular a fundo estatal de fomento à cultura, como recomendado pelas Nações Unidas, 1% de suas receitas tributárias para o financiamento de programas e projetos culturais, que vão ajudar no desenvolvimento, com o combate da fome e erradicação da pobreza, a partir de sanção pela presidência da república da Emenda Constitucional, que vai se chamar Emenda Marília Mendonça, numa conquista permanente e difícil de ser modificada, em homenagem a revolução simbólica que pode ser feita cantando e dançando, em nome da artista que balançou o país,      

____________________________

Referências
CUNHA Filho, Francisco Humberto. Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades. 2ª ed. Editoras Sesc: São Paulo, 2018; 174p 

PETRILLO, Pier Luigi. Teorias e Técnicas de Lobbying. Editora Contracorrente: São Paulo, 2022; 432p 

SANTOS, Boaventura de Souza e outro. Demodiversidade: imaginar novas possibilidades democráticas. 1 ed. Autêntica Editora: Belo Horizonte, 2018; 528p 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!