Opinião

Jurisprudência e prática envolvendo o ITBI: diálogos entre advocacia pública e privada

Autores

  • Ana Patrícia Rodrigues

    é advogada com atuação em Direito Tributário. Bacharel pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Pós-Graduanda em Direito Tributário (ESA/OAB).

  • André Luiz Maluf

    é procurador do município de Juiz de Fora advogado mestre em Direito Constitucional pela UFF ex-professor substituto de Direito Administrativo da UFF ex-subprocurador geral municipal especialista em Diritto Público Comparato pela Università di Siena pós-graduado em Direito Público e editor do Academia.Edu.

7 de junho de 2023, 20h44

O ITBI (imposto sobre a transmissão de bens imóveis) é imposto de competência municipal previsto no artigo 156, II, da Constituição. Trata-se de tributo de caráter fiscal, cuja arrecadação é destinada ao município que o instituiu. O fato gerador divide-se em: 1) transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física; 2) transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; e 3) cessão de direitos relativos às transmissões mencionadas.

A sua incidência, portanto, se dá quando ocorre a transferência patrimonial, seja do bem em si, ou dos direitos referidos e os recursos são destinados ao município no qual se situa o imóvel. Portanto, se a incidência do imposto ocorre quando há a transmissão da propriedade do imóvel ou direitos a ele relacionados, significa que, conforme a lei civil, ela ocorrerá após o registro da transferência no cartório de imóveis.

Ocorre que vários municípios continuam exigindo o pagamento do ITBI antes do registro, como forma de antecipar o pagamento do tributo e/ou forçar o contribuinte a fazê-lo, evitando posterior inadimplemento, muito embora o STF e STJ já tenham decidido a questão (o STF julgou o ARE 1.294.969, Tema 1.124, em 11.2.2021, e fixou a seguinte tese: "O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro"; no mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp nº 1.760.009/SP, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 27/6/2022).

Conforme o disposto no artigo 42 do CTN, os contribuintes do ITBI podem ser o adquirente do imóvel ou direito, o alienante, ou um deles pode ser contribuinte e o outro responsável tributário, de modo que caberá à legislação municipal estabelecer a questão conforma a administração tributária. A praxe mostra que, usualmente, se atribui tal ônus ao adquirente.

Não é incomum que em um contrato de compra e venda as partes convencionem quem será o responsável pelo pagamento do ITBI. Embora esse acordo possa vincular as partes em termos da boa-fé e pacta sunt servanda, essa convenção particular não pode ser oposta ao fisco, conforme artigo 123 do CTN, de maneira que a Fazenda poderá cobrar a quem sua legislação permitir.

A alíquota do ITBI é determinada exclusivamente por lei municipal, não havendo uma regra nacional sobre o tema no CTN ou na Constituição. A base de cálculo do ITBI ainda é objeto de controvérsia, embora a 1ª Seção do STJ (Tema 1.113) tenha definido as seguintes teses: 1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; 2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional — CTN); 3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

Diversos Municípios estabelecem uma tabela para cobrança do ITBI, em semelhança ao que ocorre com a Planta Genérica de Valores do IPTU. Outros seguem o valor de mercado que o contribuinte informa, realizando diligências in locu para aferição do tributo, a depender do caso, sem prejuízo de atuações e medidas concomitantes para atestar a veracidade do alegado, o que notadamente gera insegurança jurídica e imprevisibilidade de custos para as partes que transacionam um bem imóvel ou direito relativo a ele. Fora os casos nos quais um contribuinte sofre fiscalização e outro não, o que gera divergência na apuração e no tratamento entre pessoas em situação análoga. Notadamente, o município sempre buscará a forma de cálculo que eleve a base de cálculo enquanto o contribuinte defenderá a aplicação do entendimento que mais o desonere.

Conforme ressalta Bárbara Mengardo, à luz do entendimento de Ricardo Almeida, em agosto de 2022, a Abrasf (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais) divulgou um parecer defendendo, entre outros pontos, que o repetitivo do STJ é restrito à discussão sobre incidência de ITBI em arrematações de imóveis ofertados em hastas públicas judiciais; além disso, a associação alega que as administrações públicas, ao contrário do Judiciário, não estão vinculadas a entendimentos tomados em recursos repetitivos [1]. Destaca-se que o município de São Paulo interpôs recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (RE 1.412.419).

Advogados destacam, por outro lado, que com o precedente favorável do STJ os contribuintes certamente terão êxito no Judiciário, o que geraria gastos necessários para a administração pública e para a prestação jurisdicional, consoante casos já julgados pelo TJ-SP, TJ-SC, TJ-RJ e TJ-DF [2].  

 A Constituição prevê, ainda, algumas hipóteses de imunidade tributária para o ITBI, tais como: 1) imunidade sobre a transmissão onerosa de direitos reais de garantia sobre imóveis (artigo 156, II); 2) imunidade do ITBI em casos de certas operações entre sociedades, a fim de estimular a economia e a reorganização societária (artigo 156, §2º, I); 3) imunidade sobre a transferência de imóvel rural objeto de desapropriação para fins de reforma agrária (artigo 184, §5º).

Em especial, a imunidade contida no artigo 156, §2º, I, é relevante, eis que estabelece a não incidência do ITBI "na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil".

Sobre o tema, o STF definiu em recurso extraordinário (Tema 796) que: "A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado". Segundo o Supremo, a norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI.

Tal dispositivo deve ser aliado ao artigo 37 do CTN o qual estabelece que a imunidade não incide quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. Ou seja, busca-se prestigiar a reorganização societária com desoneração tributária e não privilegiar empresas que atuam no ramo imobiliário. Para o enquadramento referido, considera-se caracterizada a atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas. Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de dois anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição, tudo conforme o artigo 37, §1º e §2º do CTN.

Afastada a imunidade na situação referida, o STJ entende que, mesmo em caso de cisão, o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil.

Havendo dúvida sobre a atividade preponderante e o enquadramento da imunidade, no julgamento do AREsp 444.193, a 2ª Turma do STJ ratificou o entendimento segundo o qual, havendo dúvida sobre a real destinação do imóvel, para fins de aplicação da imunidade tributária, cabe à Fazenda Pública apresentar prova de que seu uso estaria desvinculado da finalidade, havendo presunção relativa de veracidade em favor do contribuinte.

Outro ponto referente ao ITBI envolve a situação na qual o negócio jurídico é anulado. Haveria a obrigação de restituição do ITBI pelo fisco? O STJ entende que, no caso de anulação da venda do imóvel, o valor pago a título de ITBI é passível de restituição. A discussão ocorreu no EREsp 1.493.162, julgado na 1ª Seção. Logo, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que era nulo o negócio de compra e venda, não há fato gerador do imposto, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição, e do artigo 35, incisos I, II e III, do CTN, "sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte".

A arrematação em hasta pública, como em um leilão judicial, atrai para o ITBI o valor arrematado/venda do imóvel no leilão e não o valor venal ou de mercado. Vale dizer: como não há que se falar em registro da transmissão do imóvel quando da avaliação judicial e sendo que a arrematação é uma forma de venda que se processa judicialmente e permite a aquisição de imóveis por preço inferior ao da avaliação, a conclusão lógica é que o valor atribuído não é o valor alcançado na venda, e não há lógica jurídica que permita a prevalência do valor de avaliação para servir como base de cálculo do tributo. Desse modo o STJ tem decidido no sentido de considerar o valor da arrematação como base de cálculo do ITBI  AgInt no AREsp 2.050.401, no AREsp 1.542.296 e no AREsp 1.425.219.

No caso de alienação onerosa para coproprietário o ITBI é devido sobre a transmissão da parcela negociada onerosamente. No REsp 722.752, a Segunda Turma do STJ julgou caso no qual quatro pessoas eram coproprietárias de seis imóveis que extinguiram parcialmente a copropriedade para que cada um deles passasse a ser o único titular de um imóvel; cada coproprietário adquiriu dos demais os 75% do imóvel que não lhe pertenciam. Portanto, segundo a Corte, "o ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis)".

Por fim, vale destacar que o ITBI é um dos principais tributos do planejamento sucessório e patrimonial, ao lado do ITCMD e do Imposto de Renda, de modo que a sua avaliação e onerosidade devem ser sopesadas no caso e na operação em concreto, em prol do contribuinte; sem descuidar, no entanto, das obrigações perante o fisco, a fim de  evitar evasão fiscal e consequências na área tributária-administrativa e criminal.

 


[1] Contribuintes ganham na Justiça direito de recolher ITBI pelo valor da operação. MENGARDO, Bárbara. Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/contribuintes-ganham-na-justica-direito-de-recolher-itbi-pelo-valor-da-operacao-29032023 > Acesso em 29 de maio de 2023.

[2] Idem.

Autores

  • é advogada com atuação em Direito Tributário. Bacharel pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Pós-Graduanda em Direito Tributário (ESA/OAB).

  • é procurador do município de Juiz de Fora, mestre em Direito Constitucional pela UFF, ex-professor substituto de Direito Administrativo da UFF, ex-subprocurador geral municipal, especialista em Diritto Público Comparato pela Università di Siena, pós-graduado em Direito Público e editor do Academia.Edu.

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