Opinião

Domicílio Judicial Eletrônico e Advocacia 4.0

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1 de junho de 2023, 21h15

O Programa Advocacia 4.0 foi lançado em 2021 pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro Luiz Fux, com o objetivo de promover a modernização do sistema judiciário brasileiro e aprimorar a prática da advocacia no país. Para executar as ações e os projetos, o conselho firmou parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O objetivo foi desenvolver estratégias, estudos, metodologias e ações com foco na promoção da inovação e transformação digital para ampliação do acesso à Justiça no Brasil e na consolidação da Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br). Dentre as iniciativas propostas, destaca-se o desenvolvimento do Domicílio Judicial Eletrônico (DJE).

O DJE, originalmente criado pela Resolução CNJ nº 234/2016 e regulado pela Resolução nº 455 de 27/04/2022, é uma plataforma eletrônica que permite a recepção e envio de comunicações processuais pelos tribunais, em um ambiente digital seguro e eficiente. O objetivo precípuo do DJE é agilizar atos de citação e intimação entre os órgãos do Poder Judiciário e os destinatários que sejam ou não partes na relação processual, tornando a prática da advocacia mais moderna, eficiente e menos onerosa.

Vale dizer que a inovação tecnológica tem como base legal a modificação do artigo 246 do Código Civil pela Lei nº 14.195, de 2021, que previu que "a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulado pelo CNJ".

Do ponto de vista prático, é importante esclarecer que a adoção, implementação e funcionamento do DJE partirão das seguintes premissas:

a) Será obrigatória a utilização do DJE por todos os tribunais.

b) O cadastro no DJE é obrigatório para a União, para os estados, para o Distrito Federal, para os municípios, para as entidades da administração indireta e para as empresas públicas e privadas, exceto para as microempresas e as empresas de pequeno porte que não possuírem cadastro no sistema integrado da Redesim.

c) A citação por meio eletrônico será realizada exclusivamente pelo DJE, com exceção da citação por edital, a ser realizada via Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN).

d) A identificação no DJE será feita pelo número do CPF ou do CNPJ mantido junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil.

e) Será facultativo o uso do DJE pelas pessoas físicas, que poderão realizar cadastro para efetuar consultas públicas, bem como para o recebimento de citações e intimações, por meio do Sistema de Login Único da PDPJ-Br, via autenticação no serviço "gov.br" do Poder Executivo Federal, com nível de conta prata ou ouro; e de autenticação com uso de certificado digital.

f) As partes envolvidas no processo deverão informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário.

Embora seja importante o esforço do legislador em priorizar as comunicações realizadas por meio eletrônico, existem dúvidas sobre a efetividade prática do novo sistema.

Primeiramente, existe um legítimo receio que a adoção do DJE venha a causar uma maior morosidade ao processo, na medida em que a lei prevê que, ante a ausência de confirmação, em até três dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, será realizada citação pelos meios tradicionais — quais sejam por correio, por oficial de justiça, por escrivão ou chefe de secretaria (se o citando comparecer em cartório) ou por edital. Ou seja, a citação eletrônica não substituirá (pelo menos por ora) as outras modalidades de comunicação, que continuarão sendo necessárias, permitindo inclusive que as partes propositalmente deixem de dar ciência pelo DJE para "ganhar tempo" numa estratégia de defesa.

Ainda, a experiência mostra que a utilização de e-mails ou WhatsApp para citação e intimação trouxe uma enxurrada de recursos aos tribunais, com questionamentos sobre a validade da comunicação pelos mais diversos motivos, o que nos leva a refletir se a adoção do DJE também acabaria provocando efeito semelhante. Dúvidas tais como "o receptor da citação/intimação tinha poderes para recebê-la?"; "como comprovar a ciência inequívoca da parte?"; "existe citação tácita?"; "a citação é válida mesmo se o endereço eletrônico estiver desatualizado?", dentre várias outras, muito provavelmente serão objeto de discussão nos tribunais.

Para além das vantagens prometidas por essa nova plataforma, o êxito do projeto de implementação do DJE dependerá em grande parte de uma ampla conscientização, treinamento e educação dos atores envolvidos, da advocacia e do próprio Poder Judiciário, de maneira a incorporar efetivamente essa nova ferramenta à cultura processual, e em linha com a política de inovação e transformação digital promovida pelo CNJ.

Autores

  • é mestre e especialista, graduada em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e head da área trabalhista e de inovação do VBD Advogados.

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