Opinião

Registro de candidatura, eleição, diplomação e ações cassatórias

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1 de junho de 2023, 11h18

O registro de candidatura, a eleição e a diplomação não são garantia de que o candidato ou candidata eleito(a) exercerão o mandato, pois esses atos podem ser desconstituídos por várias ações eleitorais cassatórias.

Conquanto a ação de impugnação ao registro de candidatura (Airc), prevista nos artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº 64/90, não seja propriamente uma ação cassatória, porquanto o seu objetivo imediato é impedir o registro de candidatura de pessoa inelegível (CF/88, artigo 14, §§4º a 7º, e LC nº 64/90, artigo 1º), que não preencha as condições de inelegibilidade (CF/88, artigo 14, §3º, I a VI) ou as condições de registrabilidade previstas na Lei nº 9.504/97, pode ocorrer de o provimento de recurso julgando procedente Airc julgada improcedente pelo juízo a quo, julgada após a eleição, diplomação e até mesmo após a posse do eleito, com o indeferimento do registro de candidatura, acarreta o cancelamento do diploma, caso já tenha sido expedido, e, por via de consequência, a perda do mandato, caso já tenha ocorrido a posse do diplomado no cargo, como ocorreu no caso do ex-deputado Deltan Martinazzo Dallagnol (ROEl nº 0601407-70.2022.6.16.0000).

O registro de candidatura e o diploma podem ser cassados por meio de representação por captação ilícita de sufrágio, que pode ser ajuizada até a data da diplomação, nos termos do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97:

"Artigo 41-A. Ressalvado o disposto no artigo 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufirs, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
§1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
§2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto."

Outra representação que pode levar à cassação do registro de candidatura ou do diploma é a prevista no §12 do artigo 73 Lei nº 9.504/97, destinada à apurar as condutas vedadas aos agentes públicos pelo artigo 73 da mesma lei:

"Artigo 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(…).
§5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no §10, sem prejuízo do disposto no §4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma
(…).
§12. A representação contra a não observância do disposto neste artigo observará o rito do artigo 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e poderá ser ajuizada até a data da diplomação."

O candidato ou candidata eleito (a) também poderá ter a sua eleição submetida a julgamento pela Justiça Eleitoral por meio do recurso contra expedição de diploma (RCED), previsto no artigo 262 do Código Eleitoral (nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade), no prazo de três dias após o último dia limite fixado pela Justiça Eleitoral para a diplomação, ficando suspenso esse prazo no período compreendido entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, a partir do qual retomará seu cômputo (artigo 262, §3º, do Código Eleitoral).

"Artigo 262.O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade.
§1º A inelegibilidade superveniente que atrai restrição à candidatura, se formulada no âmbito do processo de registro, não poderá ser deduzida no recurso contra expedição de diploma.
§2ºA inelegibilidade superveniente apta a viabilizar o recurso contra a expedição de diploma, decorrente de alterações fáticas ou jurídicas, deverá ocorrer até a data fixada para que os partidos políticos e as coligações apresentem os seus requerimentos de registros de candidatos.
§3º O recurso de que trata este artigo deverá ser interposto no prazo de 3 (três) dias após o último dia limite fixado para a diplomação e será suspenso no período compreendido entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, a partir do qual retomará seu cômputo."

A ação de investigação judicial eleitoral (Aije) é outro meio de cassação do registro ou do diploma. Nesta ação apura-se o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, nos artigo 19 da Lei Complementar nº 64/90, e, no caso julgada procedente, acarreta a sanção de inelegibilidade, inclusive para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato ou candidata diretamente beneficiado (a).

Conforme o artigo 25 da Lei Complementar nº 64/90, "a arguição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé", constitui crime, cuja pena cominada é de "detenção de seis meses a dois anos, e multa de vinte a cinquenta vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua".

"Artigo 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo corregedor-geral e corregedores regionais eleitorais.
Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Artigo 20. O candidato, partido político ou coligação são parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade; a nenhum servidor público, inclusive de autarquias, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim, sob pena de crime funcional.
Artigo 21. As transgressões a que se refere o art. 19 desta lei complementar serão apuradas mediante procedimento sumaríssimo de investigação judicial, realizada pelo corregedor-geral e corregedores regionais eleitorais, nos termos das leis nºs 1.579, de 18 de março de 1952, 4.410, de 24 de setembro de 1964, com as modificações desta lei complementar.
Artigo 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao corregedor-geral ou regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
(…).
XIV –julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;
(…).
Artigo 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé:
Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa de 20 a 50 vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua."

Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Outro meio de desconstituição do mandato eletivo é a ação de impugnação de mandato eletivo (Aime) prevista no §10 do artigo 14 da Constituição Federal de 1988 (no caso de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude), que poderá ser proposta no prazo de 15 dias após a data da diplomação, tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, caso de propositura da Aime de forma temerária ou de manifesta má-fé.

"§10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.
§11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé."

A Justiça Eleitoral tem julgado procedentes inúmeras Aimes/Aijes com fundamento em fraude à cota de candidaturas femininas prevista no §3º do artigo 10 da Lei nº 9.5.05/97  Leis das eleições , declarando a nulidade de toda a votação do partido político, anulando os diplomas dos candidatos do partido que tenham sido expedidos, e determinando o reprocessamento do resultado da eleição, o que, no mais das vezes, modifica a representação parlamentar na respectiva casa legislativa:

"Artigo 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% do número de lugares a preencher mais um.
(…).
§3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo."

Observa-se que, além das ações eleitorais, os ocupantes de mandatos eletivos podem deles ser apeados em decorrência de suspensão de direitos políticos em ação de improbidade administrativa transitada em julgado, com fundamento no artigo 12, inciso I e II, da Lei nº 8.249/1992.

"Artigo 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I – na hipótese do artigo 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 anos;
II – na hipótese do artigo 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos;
(…)."

Nesse sentido a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:

"1. Extinção de mandato parlamentar em decorrência de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu, por seis anos, os direitos políticos do titular do mandato. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda do mandato, sob alegação de inocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial.
2. Em hipótese de extinção de mandado (sic) parlamentar, a sua declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a determina, cuja realidade ou não o interessado pode induvidosamente submeter ao controle jurisdicional.
3. No caso, comunicada a suspensão dos direitos políticos do litisconsorte passivo por decisão judicial e solicitada a adoção de providências para a execução do julgado, de acordo com determinação do Superior Tribunal de Justiça, não cabia outra conduta à autoridade coatora senão declarar a perda do mandato do parlamentar". (MS 25461, Órgão julgador: Tribunal Pleno (STF), relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 2.6.2006, DJe de 22.9.2006).

Temos a condenação criminal transitada em julgado, que acarreta a suspensão dos direitos políticos, na forma do inciso III do artigo 15 da Constituição, e, por via de consequência, a perda do mandato eletivo, na forma do inciso IV do artigo 55.

Anota-se, de passagem, ainda a possibilidade de perda de mandato por impeachement (impedimento) por crime de responsabilidade e por quebra de decoro parlamentar.

Conclui-se, pois, que o ocupante de mandato eletivo não tem garantia de cumpri-lo até o final, salvo se tiver comportamento escorreito na vida pública e na vida privada, inclusive na vida pregressa, a teor do §10 do artigo 14 da Constituição de 1988.

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