Leis polêmicas

Direitos dos transgêneros é a nova frente de batalhas judiciais nos EUA

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31 de julho de 2023, 10h47

Ao que tudo indica, a Suprema Corte dos EUA terá uma nova questão polêmica para resolver no próximo ano judicial, que começa em outubro: o direito de transgêneros menores de idade a tratamento de afirmação de gênero (gender-affirming).

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Tal tratamento inclui atendimento médico multidisciplinar, envolvendo, entre outras coisas, terapias hormonais, bloqueadores de puberdade, tratamento de disforia de gênero (uma percepção de incompatibilidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero), tratamento da saúde mental e — o que é o caso mais complexo — a cirurgia para mudança de sexo.

As instituições de saúde também oferecem tratamentos para transições sociais (algumas delas com repercussões jurídicas), que incluem mudanças de nome, pronomes, títulos, cabelos, roupas, comportamento, uso de banheiros públicos, vestuários nas escolas e participação em competições femininas.

O assunto sobre os direitos dos transgêneros e suas famílias já é tão polêmico no país como foi a questão do aborto. E vem resultando em batalhas judiciais em múltiplas frentes — no fundo, todas resultantes de batalhas políticas. Por enquanto, o panorama está assim:

Na política

  • 20 estados aprovaram leis que banem tratamento médico e cirurgia para transgêneros menores de idade, embora em alguns a lei ainda não entrou em efeito (todos eles são republicanos e, portanto, conservadores);
  • Leis de cinco desses estados criminalizam o tratamento médico e cirurgia para transgêneros menores; médicos e até mesmo os pais podem responder a processo criminal;
  • Um estado aprovou uma lei que permite tratamento médico, mas proíbe a cirurgia.
  • 29 estados, mais o Distrito de Colúmbia e cinco territórios, não banem qualquer tipo de tratamento médico para transgêneros menores.
  • Desses, 14 estados, mais o Distrito de Colúmbia, aprovaram leis que protegem o acesso de transgêneros a todo tipo de assistência médica (todos eles são democratas e, portanto, liberais);
  • Pelo menos 30 organizações profissionais, entre as quais a American Psychological Association e a American Medical Association, entraram na discussão: divulgaram declarações de apoio ao tratamento de afirmação de gênero por profissionais de múltiplas especialidades, por ser necessário e ético.

Na justiça

  • Presumivelmente, todas as leis aprovadas pelos 20 estados serão contestadas na justiça;
  • Por enquanto, juízes bloquearam as leis que banem tratamento médico a transgêneros em sete estados (Alabama, Arkansas, Flórida, Indiana, Kentucky, Tennessee e Oklahoma),  a maioria temporariamente – ou até que a justiça tome uma decisão final –  por considerá-las inconstitucionais;
  • Em Arkansas, um juiz de primeiro grau invalidou a lei permanentemente – o que não impede a parte descontente de recorrer;
  • A lei de Missouri também foi bloqueada por um juiz de primeiro grau, antes de ser completamente retirada; em Oklahoma, as partes concordaram em colocar a lei de lado, até que o caso seja decidido pela justiça; em Montana e Geórgia, a disputa ainda não foi julgada;
  • Decisão a favor da lei: em Tennessee, o Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região decidiu que a lei estadual que bane tratamentos de afirmação de gênero pode entrar em vigor, temporariamente; a decisão levou um juiz de primeiro grau a fazer a mesma coisa em Kentucky.

Interpretações judiciais
Um dos argumentos desse tribunal de recursos é de que as cortes devem evitar interferência nas decisões dos legislativos estaduais: "As cortes devem ser extremamente hesitantes em criar novos direitos constitucionais, que bloqueiem as iniciativas dos estados de experimentar com medidas legislativas."

O argumento principal dos juízes que têm bloqueado as leis é o de que elas são "possivelmente inconstitucionais" — isto é, a palavra final caberá à Suprema Corte.

Para esses juízes, tais leis violam a 14ª Emenda da Constituição, que contém os dispositivos que proíbem os estados de privar os cidadãos da liberdade sem o devido processo e garantem às pessoas proteção igual perante a lei.

Outra questão se refere a uma possível discriminação contra jovens transgêneros. Uma das partes (crianças, adolescentes e seus pais) alega que banir o tratamento de afirmação de gênero é uma discriminação contra os transgêneros.

O tribunal da 6ª região nega que tais banimentos discriminam ilegalmente os jovens transgêneros. Mas os tribunais que bloquearam as leis decidem o contrário, exatamente por negar aos transgêneros a proteção de igualdade perante a lei.

Alguns juízes aceitam o argumento de que crianças e adolescentes podem se arrepender, tarde demais, das alterações em seus corpos. Outros aceitam o argumento de que os profissionais de saúde tomam os cuidados necessários para que isso não aconteça.

Esses juízes argumentam ainda que o tratamento médico em questão não é inseguro ou ineficaz ou fruto de medicina de charlatões. Os pais têm todo o direito de buscar, para seus filhos, tratamento para disforia de gênero. Assim, leis que interferem nos direitos dos pais de fazer essa escolha pelo bem de seus filhos é inconstitucional.

"De qualquer forma, leis sobre o tratamento de afirmação de gênero nunca foram julgadas pelas cortes antes. Alguns juízes se sentem em uma areia movediça. Por isso e porque as cortes têm tomado decisões contrárias, o destino final delas é a Suprema Corte", disse aos jornais da codiretora do Center for Health Law and Policy, da Cleveland State University, Abigail Moncrieff.

Com informações da National Public Radio (NPR), Reuters, WUSF Public Media, Lambda Legal e CBS News.

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