Opinião

Emoji e formação de contratos a distância

Autor

  • Nikolai Sosa Rebelo

    é advogado especialista em direito empresarial com experiência em fusões & aquisições e contratos empresariais mestre em direito na Univesity of California — Berkeley School of Law (EUA) consultor do escritório Norte Rebelo Advogados Associados de Porto Alegre.

30 de julho de 2023, 6h32

A revolução digital vivida na última década tem tido papel importante no desenvolvimento do direito em diferentes áreas. O direito contratual foi uma das áreas que foi bastante impactada, criando novas formas de realizar negócios e de forma mais eficiente.

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Uma das grandes evoluções foi o surgimento das assinaturas digitais que possibilitaram firmar negócios jurídicos à distância e dispensando o envio físico dos instrumentos contratuais e, até mesmo, o reconhecimento de firma, quando a assinatura for pelo uso de chaves do ICP-Brasil (entidade reguladora).

A MP 2.200-2/2001 reconhece também a possiblidade de assinaturas eletrônicas sem ser pelo sistema ICP-Brasil, mas, neste caso, não teria a mesma força de presunção de veracidade.

Agora, poderia um simples emoji "joinha" enviado por telefone celular identificado equivaler a uma forma de assinatura digital?

Pois bem, foi isso que foi aceito por uma Corte provincial no Canada, no caso South West Terminal Ltd. v Achter Land, 2023 SKKB 116[1] . O teste jurídico para decidir se havia contrato entre duas partes foi com base no que um terceiro observador dotado de razoabilidade entenderia de forma objetiva da manifestação de vontade das partes[2].

Vale destacar, entretanto, que existem peculiaridades fáticas para a Corte ter chegado a esta conclusão, conforme passamos a destacar.

A ré defendia que o emoji era mera confirmação de recebimento do contrato, enquanto a Autora defendia que era o aceite. A questão central, portanto, era: houve aceitação do contrato por meio do envio do "joinha"? Há contrato formado entre as partes?

Os fatos do caso provaram, na visão dos julgadores, que a autora South West Terminal Ltd. e a ré Achter Land & Cattel Ltd. possuíam uma relação continuada de fornecimento, pela qual a Ré fornecia alguns tipos de comodities à autora. Assim, as partes tinham um costume negocial na hora de formalizar seus contratos. Primeiro, as partes conversavam ao telefone para ajustar algumas condições básicas do acordo. Segundo, a autora enviava uma cópia/foto do contrato via mensagem de texto. terceiro, a ré respondia se aceitava ou não o contrato.

A Corte notou que as respostas de aceitação da Ré eram, normalmente, curtas confirmações. Em uma oportunidade a resposta foi looks good ("me parece ok"), em outra foi "ok" e, ainda em outra, um simples yup (gíria que equivale a yes — sim em inglês). Em todas as oportunidades, a ré respondeu desta forma e, na sequência, deu cumprimento ao contrato sem nunca discutir.

Diante do contexto fático acima, a Corte chegou à conclusão que o emoji "joinha" foi uma manifestação de aceitação aos termos do contrato, condenando a ré à indenização por descumprimento contratual.

Os julgadores chegaram a ir além para dizer que o emoji, nesse caso, poderia ser considerado uma assinatura eletrônica, tal como reconhecido para o caso de mensagens de concordância enviada por e-mail em outros precedentes. Além disso, não havia dúvidas da legitimidade de quem enviou o emoji, tendo saído do número de celular do representante legal da ré, atendendo assim, o elemento de identificação que uma assinatura deve ter nos termos do direito canadense.

Poderia essa ser a conclusão em um caso julgado sob o direito brasileiro? Parece-nos que a questão de tornar um emoji equivalente à uma assinatura eletrônica poderia ser defendida com base no nosso ordenamento jurídico.

A assinatura é uma forma de manifestação de vontade e, segundo o Código Civil, "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigira" (artigo 104).

Já a legislação que regula as assinaturas eletrônicas, o grande marco é a MP 2.200-2/2001. Vale diferenciar o termo assinatura eletrônica do termo assinatura digital. A assinatura digital tem um significado específico que é o dado pelo artigo 10, §1º da MP 2.200-2/2001:

§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil.

Vale dizer, a assinatura digital é a que se vale do sistema do ICP-Brasil que tem força equivalente ao de reconhecimento de firma, em razão da expressão do texto legal acima que fala que este tipo de assinatura tem presunção de veracidade em relação aos signatários.

De outro lado, temos a assinatura eletrônica sem ser a do certificado digital via ICP-Brasil, prevista no parágrafo 2º do artigo supracitado:

§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Temos também a edição recente de outras leis relevantes, principalmente a Lei da Liberdade Econômica, que reforça a política pública de reconhecimento da interpretação "em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas" (artigo 1º, §2º).

De outro lado, alguém poderia não se convencer de que um simples "emoji" possa ser enquadrado no conceito de assinatura eletrônica, talvez pela falta das tecnologias de segurança de autenticidade que são propiciados por softwares próprios para este fim. Ainda que não seja considerado assinatura, o emoji pode ser suficiente para confirmar o aceite de um contrato.

A manifestação de vontade, como já destacado acima, não precisa seguir nenhuma forma prescrita, ou seja, não precisa ser por assinatura. Da mesma forma, o contrato para ser válido também não tem uma forma específica, exceto quando exigido em lei, tendo que atender os elementos do artigo 104 do Código Civil.

E quanto ao teste aplicado pela Corte provincial canadense? Teria lógica no direito brasileiro?

Também nos parece que sim. Aqui, chamamos de boa-fé objetiva. A interpretação dos negócios jurídicos se dá com base na manifestação externada pelas partes de forma objetiva, tendo menor relevância o ânimo subjetivo da parte. Sabemos que a discussão, na verdade, está em momento anterior à interpretação do contrato, ou seja, o caso trata de formação do contrato. Seria possível considerar que houve uma aceitação à oferta, à luz do direito brasileiro? Acreditamos que sim.

O princípio da confiança permeia todas as fases da formação contratual e, novamente, precisa dar interpretação à manifestação de vontade expressada de forma objetiva. Podemos ver que tal princípio está incorporado em certa medida ao tratar da aceitação da proposta na forma do artigo 432 do Código Civil:

Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.

Enfim, estas são apenas algumas linhas sobre o caso ocorrido no estrangeiro, mas que com certeza não está distante da realidade brasileira. O tema, com certeza, pode ainda ser bastante aprofundado, pois a rápida evolução tecnológica trouxe novas formas de se negociar e contratar e que exigiram atenção dos juristas em relação às suas consequências jurídicas.

 


[1] Disponível em https://canlii.ca/t/jxq15, acessado em 19 de julho de 2023

[2] O direito provincial em questão é baseado na common law que se vale dos testes criados pela jurisprudência para chegar as suas conclusões.

Autores

  • é advogado, mestre em Direito pela University of California Berkeley (EUA) e especialista em Direito Societário e fusões e aquisições, contratos empresariais nacionais e internacionais e resolução de disputas em arbitragem em Direito Empresarial.

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