Opinião

Corrupção no procedimento arbitral em contratos internacionais

Autor

19 de julho de 2023, 6h09

Setores da economia que possuem histórico de corrupção e lavagem de dinheiro, como infraestrutura, indústria armamentista e empresas terceirizadas, entre outros, mantêm uma relação promíscua entre o setor público e as empresas privadas. Esses setores estão recorrendo à arbitragem para resolver suas disputas com outras empresas ou até mesmo com intermediários em países onde essas corporações têm ou buscam negócios. Ao longo do tempo, o uso do procedimento arbitral para cometer ilícitos administrativos e crimes tem levantado dúvidas entre alguns operadores do direito.

Ao analisar a arbitragem e a ocorrência de ilícitos, podemos imaginar pelo menos três formas em que isso pode ocorrer.

A primeira: É quando uma empresa alega atos de corrupção durante o procedimento arbitral. Por exemplo, uma das partes apresenta a informação de que o pagamento não foi efetuado porque descobriram que o valor não se destinava a cobrir gastos do procedimento, mas sim a pagar a um funcionário público para obter a licença ambiental.

A segunda: ocorre quando, durante a arbitragem, os árbitros percebem situações atípicas que podem sugerir a ocorrência de um ilícito. Assim, o procedimento estaria sendo utilizado para efetuar o crime, seja para pagar subornos ou até mesmo para lavagem de dinheiro.

A terceira: ocorre quando o crime é cometido durante o procedimento. Por exemplo, um dos árbitros recebe uma proposta de pagamento em troca de quebrar a imparcialidade.

O objetivo deste trabalho é analisar a segunda situação, quais parâmetros e como proceder quando percebemos que ambas as partes estão em conluio, cometendo delitos de corrupção.

A AC Competence Center Arbitration and Crime, em parceria com o Basel Institute on Governance, produziu um e-book com ferramentas para casos de suspeita de corrupção na arbitragem, indicando situações de alerta vermelho quando há elementos que devem chamar a atenção do árbitro.

Fazendo um rol exemplificativo de condutas que devem ser observadas com mais detalhes pelo árbitro.

1. O intermediário não possui sede ou não está localizado no país onde seus serviços são prestados.

2. A comissão paga ao intermediário não é proporcional ao trabalho realizado e/ou as despesas alegadas pelo intermediário não estão relacionadas a quaisquer despesas reais incorridas.

3. Não há produto de trabalho tangível do intermediário e este não consegue fornecer documentação para os serviços executados, que também não são especificados em detalhes.

4. As qualificações do intermediário para realizar o trabalho para o qual foi contratado são duvidosas.

5. O tempo de intervenção do agente é muito curto.

6. O intermediário exige pagamento em contas offshore e/ou por meio de terceiros, ou utiliza acordos de pagamento incomuns que levantam questões legais locais.

7. Remuneração baseada em porcentagem.

8. Demonstrativos financeiros imprecisos ou incompletos.

9. O intermediário exige o pagamento de uma comissão ou parte significativa antes da conclusão do contrato.

10. O intermediário não possui uma estrutura transparente, apresenta uma organização financeira obscura e conta com poucos funcionários (no caso de ser uma empresa).

11. O intermediário se envolve pouco antes da conclusão bem-sucedida de um contrato e/ou após negociações malsucedidas por parte da empresa.

12. O intermediário não está vinculado a um código de conduta.

13. Recusa em fornecer documentos específicos, como registros bancários ou comprovantes de pagamentos a terceiros.

14. O intermediário alega que apenas ele pode garantir o contrato, pois conhece as pessoas certas.

15. O intermediário possui conexões pessoais com tomadores de decisão do estado estrangeiro.

16. Ausência de documentação usual que comprove uma relação comercial normal, como estudos e pesquisas técnicas, negociações, minutas de contratos, cartas e e-mails.

17. A escolha do intermediário não pode ser explicada; não há indicador de que o intermediário seria tão eficiente quanto os concorrentes, o que prova que a escolha não foi baseada em critérios de negócio.

18. O contrato está mal redigido ou carece de indicações específicas.

Compete à câmara arbitral julgar a legalidade daquele procedimento, inclusive recusando-se a realizar atos que pareçam ilícitos, a fim de evitar se tornar um meio estratégico utilizado por criminosos para ocultar a origem ilícita dos recursos provenientes de crimes anteriores. Em outras palavras, o árbitro deve garantir que não se torne um instrumento para a conclusão da última etapa do crime de lavagem de dinheiro.

Outra questão de suma importância relacionada a esse tema é: uma vez que haja suspeitas, qual atitude deve ser tomada pela câmara arbitral? Dentre as inúmeras questões passíveis de discussão em relação aos procedimentos arbitrais, uma que tem gerado enorme controvérsia diz respeito à previsão estabelecida no artigo 40 do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte:

"Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia".

A maior dúvida diz respeito à obrigatoriedade de cumprimento integral da norma pelos árbitros e tribunais arbitrais. É importante lembrar que, para fins penais, os árbitros são considerados funcionários públicos. Portanto, há quem defenda a ideia de que, se o tribunal arbitral não encaminhar indícios sobre a possível prática de um crime de ação pública, poderá ser responsabilizado pelo crime de prevaricação. Acredito que a confusão possa surgir da utilização de um termo não técnico — "tribunais" — uma vez que o Poder Judiciário não detém o monopólio dessa nomenclatura. Temos, por exemplo, Tribunais Desportivos, Tarf (Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais) e, entre outros, os tribunais arbitrais, que não têm relação com o Poder Judiciário.

Essa falta de precisão terminológica pode levar a equívocos por parte de vários profissionais do Direito. Com efeito, acreditar que a norma processual repressora, ao prever que cabe aos juízes ou tribunais remeter informações relevantes ao Ministério Público, esteja incluindo também os tribunais independentes do Poder Judiciário seria equivalente a uma aplicação de analogia "in malam partem", prática proibida no direito criminal. Além disso, é necessário ressaltar que, quando essa norma processual foi estabelecida, ainda não tínhamos uma cultura de arbitragem consolidada no cenário brasileiro.

No entanto, considerando uma hipótese fictícia, suponhamos que o árbitro, assim como os tribunais arbitrais, fossem obrigados a comunicar ao Ministério Público informações relacionadas à descoberta de um crime de ação pública durante o procedimento arbitral. Nesse caso, devemos lembrar que o artigo mencionado do Código de Processo Penal exige a "verificação da existência de crime de ação pública". Isso significa que meros indícios ou suposições não são suficientes para justificar a obrigação de encaminhar os documentos ao Ministério Público.

Dessa forma, o árbitro deve ter em sua posse todos os elementos necessários para comprovar a existência do delito. Ou seja, ele deve ter todas as informações necessárias para o adequado oferecimento e recebimento da denúncia.

No Estado Democrático de Direito, é incompatível com as garantias constitucionais a aplicação de uma norma processual de maneira diferente daquela prevista em lei, prejudicando assim os direitos do cidadão. O princípio da reserva legal deve ser respeitado, e o sigilo no procedimento arbitral não configura crime de prevaricação para o árbitro que não informa ao Ministério Público possíveis suspeitas que possa ter durante a arbitragem.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!