Opinião

Vendas pela internet via cartão de crédito: responsabilidade das administradoras

Autores

  • Luiz Carlos Rodrigues Vieira

    é advogado com atuação em Direito Empresarial graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP) pós-graduado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e sócio do escritório de advocacia Eli Alves da Silva Advogados Associados.

  • Eli Alves da Silva

    é advogado com atuação profissional no Brasil e Portugal mestrando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp) e especialista em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie.

17 de julho de 2023, 17h23

É cada vez mais frequente os consumidores adquirirem produtos e serviços através da rede mundial de computadores (internet), com a utilização de cartões de crédito, eis que tal modalidade proporciona praticidade, comodidade, economia de tempo e outras vantagens que impulsionam o chamado e-commerce.

Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apontam que no ano de 2021, sete em cada dez operações bancárias realizadas no Brasil foram realizadas pela internet e/ou pelo celular, sendo que 57% das transações financeiras do Brasil foram realizadas por meios digitais (celular e internet). É inequívoco que as instituições financeiras se beneficiam com uso da tecnologia e das novas formas de transações digitais, reduzindo drasticamente custos com mão de obra.

Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) revelam que de 2012 a 2018 os bancos eliminaram 55mil postos de trabalho no Brasil, ou seja, 10% da categoria bancária, tendência inevitável diante de um cenário de grande avanço tecnológico.

Segundo informações disponibilizadas no setor [1], o comércio eletrônico brasileiro atingiu no ano de 2022 o faturamento de nada menos que R$ 262 bilhões.

Mas nem tudo são flores nesse segmento de mercado, eis que não é raro constatar lojistas e comerciantes efetuarem vendas de seus produtos e serviços através do comércio eletrônico, receberem o código de autorização do sistema para a venda, emitirem nota fiscal, despacharem os produtos, mas dias depois, serem surpreendidos com comunicado da instituição financeira e/ou administradora não financeira emitente de cartão de crédito, informando que a transação foi objeto de contestação de venda, em razão de o titular do cartão não reconhecer o aludido negócio.

Nessa situação, as administradoras de cartão, com base no contrato de adesão celebrado com o lojista, invariavelmente invocam a aplicação de cláusula contratual denominada chargeback (estorno), e deste modo não transfere o valor da transação ao vendedor, ou caso já o tenha feito, estorna o valor contestado sobre outros créditos recebíveis do comerciante.

Diante dessa postura, as administradoras de cartões não assumem risco inerente à sua própria atividade, e o prejuízo da operação fica sempre com o comerciante, pois ainda que tenha realizado o negócio com boa-fé, recebido o código de autorização para a venda, emitido nota fiscal e entregue o produto, acaba não recebendo qualquer valor na operação.

Reprodução
Entretanto, o Poder Judiciário vem enfrentando a referida questão, com diversas decisões a favor dos comerciantes, entendendo que os estornos são abusivos, pois imputam responsabilidade exclusiva ao vendedor quanto às suspeitas de fraude na utilização do cartão de crédito.

Nesse sentido, entende-se que a administradora, ao autorizar o lojista a efetuar a venda pelo cartão de crédito, assume risco inerente à sua própria atividade empresarial, justamente da qual aufere vultosos lucros na prestação desse tipo de serviço, aplicando-se a teoria do risco econômico esculpida no parágrafo único do artigo 927 [2] do Código Civil para a referida responsabilização. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [3], em ação judicial patrocinada pelo escritório Eli Alves da Silva Advogados Associados, cuja ementa restou assim fixada:

"Ação indenizatória – Prestação de serviços – Fornecimento e manutenção de máquinas para processamento de cartão eletrônico de pagamento (débito ou crédito) – Pedido fundamentado na negativa injustificada de repasse de valores correspondentes a vendas realizadas apresentados pela autora – Inexistência de comprovação de fraude – Ausência de comprovação da correção da retenção dos valores – Ônus da prova não atendido – Fato obstativo ao direito do autor não demonstrado – Impossibilidade, ademais, de a fornecedora das máquinas de processamento de cartão eletrônico transferir ao lojista os riscos inerentes à sua atividade – Precedentes da Corte – Danos materiais configurados – Recurso improvido". (TJ-SP, Apelação cível nº 1008371-67.2016.8.26.0068, 16ª Câmara de Direito Privado, j. 7 de agosto de 2018). (destaques nossos).

Outro precedente jurisprudencial:

"APELAÇÃO – Ação indenizatória – Créditos relativos a transações comerciais realizadas de forma online com cartões de crédito por meio do sistema administrado pela operadora Cielo – Valores não repassados à autora sob a alegação de que as transações foram impugnadas pelos titulares dos cartões – Sentença de procedência – Recurso da ré – Dano material – Ocorrência – Abusividade da cláusula contratual que possibilita a retenção de quantias oriundas de transações comerciais após terem sido efetivamente aprovadas pela operadora – Suspeita de fraude – Disposição contratual que viola a probidade e a boa-fé objetiva – Risco que não pode ser repassado ao lojista ou ao consumidor – Teoria do risco profissional – Impossibilidade de a requerida atribuir esse ônus ao seu cliente e se eximir da responsabilidade em relação ao serviço prestado de forma defeituosa, considerando-se que cabe a ela o dever de evitar fraudes e de manter seu sistema seguro e atualizado – Ao autorizar o comerciante a efetuar a venda pelo cartão, a operadora assume o risco inerente a sua atividade empresarial de prestação de serviços, não podendo descurar de seu dever perante o estabelecimento comercial, que aceita o pagamento de suas mercadorias mediante cartão de débito ou crédito, após a devida autorização – Precedentes – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO" (TJ-SP, Apelação Cível nº 1025030-03.2022.8.26.0114, 24ª Câmara de Direito Privado, julgado aos 22/5/2023).

O comerciante, todavia, deve ficar atento e adotar as cautelas necessárias para a realização das operações, conferindo os dados informados, a fim de comprovar sua boa fé na venda, afastando qualquer ilação por parte da administradora do cartão que tenha por objetivo fugir de sua responsabilidade e atribuir suposta conduta negligente ao vendedor em operação supostamente eivada de fraude.

Da mesma forma, importante ressaltar que na modalidade de vendas não presenciais mediante uso do cartão de crédito por telefone, o lojista deve redobrar os cuidados, pois nesse tipo de venda, o comerciante deve exigir uma série de documentos do comprador, citando-se, por exemplo, no caso de comprador pessoa física: cédula de identidade com assinatura legível do comprador, cartão de CPF, comprovante de endereço, foto do cartão a ser utilizado, cópia da fatura do cartão, autorização assinada pelo comprador para uso do cartão na transação especificada, etc, pois é inegável que o risco em tal modalidade é maior, o que exige do vendedor redobrada cautela.

Por fim, importante destacar que o lojista prejudicado possui prazo de três anos para ingressar com a ação judicial para reaver os valores que lhe foram estornados, sob pena de prescrição [4].

Diante do exposto, não resta qualquer dúvida que os lojistas e comerciantes de boa-fé têm o direito de contestar e requerer judicialmente a devolução dos estornos e retenções indevidamente realizados pelas administradoras de cartão de crédito com base na cláusula chargeback, uma vez que o Poder Judiciário, felizmente, tem reconhecido a nulidade da referida cláusula contratual determinando a devolução dos valores ilegalmente estornados dos comerciantes, devidamente acrescidos de juros de mora e correção monetária.

 


[1] "E-commerce fatura R$262 bilhões em 2022". E-commercebrasil, 2023. Disponível em <www.ecommercebrasil.com.br/noticias/e-commerce-fatura-r-262-bilhoes-em-2022>, Acesso em 28/04/2023.

[2] Código Civil. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[3] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível nº 1025030-03.2022.8.26.0114, 24ª Câmara de Direito Privado, j. 22.05.2023.

[4] TJ-SP, Apelação nº 1070091-36.2016.8.26.0100, 21ª Câmara de Direito Privado, j. 08.02.2018.

Autores

  • é advogado com atuação em Direito Empresarial, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP), pós-graduado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e sócio do escritório de advocacia Eli Alves da Silva Advogados Associados.

  • é advogado especialista em Direito Empresarial, conselheiro e presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP, além de ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.

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