Opinião

Representação comercial: caracterização e proteção contratual

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17 de julho de 2023, 20h39

Em consonância com os avanços da sociedade, as atividades econômicas têm evoluído, demandando reformulação ou refinamento de institutos jurídicos, a fim de suprir as novas particularidades evidenciadas no plano prático. É o caso da representação comercial, que é regulamentada pela Lei nº 4.886/65, sendo comumente utilizada nas práticas empresariais, consistindo na intermediação dos negócios de uma empresa por um representante comercial, que pode ser tanto pessoa física quanto pessoa jurídica.

Tal definição é apresentada pela referida lei, também conhecida como Lei da Representação Comercial, que conceitua a figura do representante comercial bem como a atividade exercida por este, em seu artigo 1º.

Dessa forma, trata-se de um contrato típico caracterizado por uma representação comercial autônoma desempenhada em caráter não eventual, sem vínculo empregatício, para a mediação de negócios mercantis.

Caracterização da representação comercial
Com base na redação expressa pelo artigo 1º, é possível elencar os elementos necessários para que a representação comercial seja caracterizada:

a) Figura do Representante: o representante poderá ser tanto pessoa física ou jurídica, sendo certo que, independentemente de qual for, será obrigatório o registro destas nos Conselhos Regionais para que seja possível o exercício da representação comercial autônoma (art. 2º, Lei nº 4.886 de 9/12/1965);

b) Ausência do vínculo empregatício: a representação comercial é negócio jurídico tipificado e regulado pela Lei nº 4.886/65, não sendo cabível que a sua atividade seja disciplinada de forma conjunta com a Consolidação das Leis do Trabalho. Deste modo, o legislador afastou a relação de emprego ao determinar o caráter empresarial do negócio jurídico;

c) Habitualidade: ao decretar expressamente que a atividade disciplinada no artigo deverá ser desempenhada "em caráter não eventual", o legislador afastou da caracterização da representação comercial aqueles atos esporádicos e/ou isolados de intermediação de negócios.

Neste sentido, julgados indicam que atos de intermediação ocasionais, esporádicos, sem habitual repetição, descaracterizam a relação jurídica, tal como observado por Ricardo Nacim Saad em seu livro "Representação Comercial":

"De outra sorte, destaque-se que a representação deverá ser exercida em caráter não eventual, ou seja, com habitualidade. Quando o ato de mediação de negócio mercantil for isolado, não se poderá falar em representante comercial. […] Quem pratica ato isolado ou esporádico de representação comercial pode ser considerado, quando muito, simples corretor de mercadorias, mas não representante comercial. Não faz jus, portanto, à proteção da Lei 4.886/65 na cobrança do seu eventual crédito" [1].

d) Registro no Conselho Regional: embora não expresso no texto legal do artigo 1º da Lei nº 4.886/65, tal como os demais acima, é obrigatório o registro nos Conselhos Regionais (Core) por aqueles que quiserem a praticar a atividade de representação comercial autônoma, independentemente do representante ser pessoa física ou jurídica.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, através do Agravo em Recurso Especial nº 1.547.195 [2], de 2 de setembro de 2022, consolidou o novo entendimento da corte de que a ausência de registro no respectivo Conselho Regional afasta a aplicabilidade da Lei nº 4.886/1965, incluindo a indenização prevista no artigo 27, "j", descaracterizando a representação comercial e constituindo mera prestação de serviços amparada pelo Código Civil.

Possíveis riscos incorridos pela empresa
Embora a representação comercial encontre regulamentação legal, é crucial a instrumentalização de um contrato prevendo os direitos e as obrigações do representante e do representado, a fim de mitigar eventuais riscos que possam ser desfavoráveis ao negócio jurídico celebrado pela empresa.

Nestes casos, o contrato deve ser negociado, redigido e elaborado como uma ferramenta de defesa das partes para sanar eventuais conflitos que possam vir a ocorrer posteriormente, seja em virtude da execução das atividades representativas ou por lacunas na interpretação do texto legal. De forma exemplificativa, os riscos incorridos pela empresa envolvem, sem limitação, os seguintes:

a) Liberalidade do representante: não obstante o disposto no artigo 29 da Lei nº 4.886/65, a fim de evitar que, numa tentativa de fechar um negócio, o representante comercial ofereça ao cliente descontos nos preços ou ajustes nas condições de pagamento, é altamente recomendável a existência de um contrato manifestando expressamente pela vedação de autonomia do representante comercial em ofertar abatimentos ou condições de forma unilateral;

b) Exclusividade territorial: nos termos da Lei nº 4.886/65, presume-se a existência de exclusividade territorial aos representantes, exceto quando o contrato manifestar o contrário de forma expressa. O principal risco é que, uma vez reconhecida a exclusividade territorial do representante, este terá direito a receber comissões sobre todas as vendas feitas naquele território, seja pela empresa ou por terceiros, e não apenas aquelas que efetivamente intermediou. Portanto, torna-se indispensável delimitar no próprio contrato a existência, ou não, de qualquer exclusividade;

c) Caracterização de vínculo empregatício: não obstante a existência de um contrato escrito, o representante comercial pode vir a ser caracterizado como empregado da empresa representada, desde que estejam preenchidos os requisitos elencados no artigo 3º da CLT: pessoalidade; subordinação; onerosidade; e habitualidade. Vale ressaltar que o representante comercial é trabalhador autônomo, sem vínculo empregatício, que intermedeia a realização de negócios mercantis sem nenhuma subordinação jurídica. Deste modo, a fim de evitar confusões entre os institutos, a redação contratual tem o papel de buscar termos e disposições que afastem a identificação cumulativa de tais elementos, ficando claro que o acompanhamento da fiscalização das atividades do representante comercial pela empresa representada não resulta nos requisitos de caracterização de vínculo trabalhista na prática;

d) Indenização em caso de rescisão antecipada: nos termos do artigo 34 da Lei nº 4.886/65, qualquer contrato de representação comercial por prazo indeterminado que tenha vigorado por mais de seis meses poderá ser rescindido imotivadamente pelo representado mediante aviso prévio de 30 dias ou, caso o aviso prévio não seja cumprido, poderá ser rescindido imediatamente, mediante o pagamento do valor correspondente a 1/3 das comissões recebidas pelo representante comercial nos três meses anteriores. Ainda, se o contrato for rescindido sem causa pela empresa ou por culpa desta, ela será responsável pelo pagamento de uma indenização equivalente a 1/12 do valor total das comissões auferidas pelo representante durante todo o tempo que exerceu a representação.

Caso o contrato de representação comercial tenha sido assinado por prazo determinado e seja rescindido de forma imotivada pelo representado, o representante comercial terá direito a uma indenização equivalente à média mensal das comissões recebidas, multiplicada pela metade dos meses restantes do contrato. Importante ressaltar que um contrato por tempo determinado que seja sucedido por outro, seja por tempo determinado ou indeterminado, nos 6 (seis) meses seguintes ao seu término, será sempre considerado por prazo indeterminado; e

e) Diminuição de resultados: a Lei nº 4.886/65 garante alguns mecanismos de proteção aos representantes comerciais, por exemplo, nos termos do artigo 32, §7º, é vedada a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência contratual.

Em síntese, o contrato de representação comercial é uma ferramenta importante para empresas que buscam ampliar seus negócios e atingir novos mercados. No entanto, é fundamental que esse contrato seja elaborado de maneira cuidadosa e rigorosa, levando em conta todas as particularidades e nuances do mercado em questão. Dessa forma, é possível garantir que todos os aspectos relevantes sejam abordados e que os riscos envolvidos sejam mitigados de forma adequada.

 


[1] SAAD, R. N. Representação Comercial. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, E-Book

[2] STJ – AREsp: 1547195 SC 2019/0212321-8, relator: ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, data de publicação: DJ 2/9/2022.

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