Opinião

Peritos devem seguir o dever de revelação na arbitragem

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13 de julho de 2023, 9h17

O uso da arbitragem para a resolução de conflitos vem conquistando cada vez mais espaço no meio empresarial, sobretudo quando estão em jogo contratos estratégicos e de elevado valor, em que as empresas procuram evitar o Poder Judiciário para, assim, obter uma decisão mais célere e proferida por especialistas no objeto do litígio.

Com o aumento da utilização da arbitragem, questões práticas sobre o procedimento arbitral vão sendo questionadas pelas partes e debatidas por especialistas que desejam aprimorar o procedimento e torná-lo cada vez mais confiável, já que a confiança das partes é o pilar fundamental da arbitragem.

Uma questão bastante polêmica que tem sido discutida é o dever de revelação dos peritos.

Os peritos são profissionais com conhecimento técnico especializado, escolhidos pelos árbitros para realizar a prova pericial e fornecer os subsídios técnicos necessários para que os árbitros possam decidir, sobretudo quando a discussão tem um grau de complexidade que foge de sua área de atuação.

Assim, os peritos exercem a importante função de auxiliar a atividade jurisdicional, e, na análise técnica do caso, podem acabar determinando a procedência ou não de um pedido, estabelecer responsabilidades das partes e até mesmo fixar os valores da condenação.

Por óbvio, os árbitros possuem autonomia e não estão vinculados ao resultado da perícia, mas, em geral, a prova pericial possui um peso relevante no julgamento, pois a perícia se presta justamente para fornecer os elementos técnicos necessários para a decisão, além de que os peritos possuem a confiança dos árbitros, e, portanto, com grande potencial para influir na sua decisão.

Apesar da importância dos peritos no julgamento do litígio, a Lei de Arbitragem, em seu artigo 14, parágrafo 1º, apenas prevê o dever de revelação para os árbitros, determinando que estes devem revelar qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência, restando silente sobre a existência do mesmo dever para os peritos.

O dever de revelação impõe aos árbitros, de forma genérica, informar para as partes qualquer dúvida justificável sobre sua independência e imparcialidade antes de aceitar a função, não havendo uma lista obrigatória do que deve ser revelado ou dos elementos que justificariam a recusa do árbitro para atuação na arbitragem.

De forma a tornar mais transparente o tema, algumas associações e câmaras arbitrais já divulgaram listas dos fatos que devem ser revelados, sob pena de nulidade do procedimento arbitral por ferir o princípio da paridade das partes. Por exemplo, deve-se revelar se o árbitro possui relação familiar íntima ou amizade pessoal com uma das partes, com pessoas das empresas que possuam posição decisória ou mesmo com alguém do escritório de advocacia que representa uma das partes.

Deve, então, ser revelado pelo árbitro qualquer interesse ou relacionamento de natureza negocial, profissional ou pessoal que ele tenha com as partes envolvidas no procedimento arbitral, que possa, de alguma forma, afetar a sua imparcialidade e independência.

A discussão, agora, é se esse dever de revelação deve ser estendido aos peritos, mesmo que não haja um normativo expresso nesse sentido na legislação.

O entendimento que tem prevalecido, de forma acertada, é que os peritos devem seguir o dever de revelação, na medida em que atuam como auxiliares do árbitro e têm papel extremamente relevante nas decisões, de forma que, se não forem isentos, há o comprometimento de seu trabalho técnico, e, consequentemente, da decisão arbitral que nele se basear.

Inclusive, apesar de não estar na legislação, alguns regulamentos arbitrais têm incluído esta obrigação de forma expressa, como o da Camarb (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial  Brasil), que prevê que o perito deve declarar, sob a pena das leis, não estar incurso nas hipóteses de impedimento ou suspeição, devendo informar qualquer circunstância que possa ocasionar dúvida justificável quanto à sua imparcialidade ou independência, em relação às partes ou à controvérsia submetida à sua apreciação.

Ademais, até mesmo no âmbito da jurisdição estatal, regida pelo Código de Processo Civil, existe a previsão expressa de que se aplicam os motivos de impedimento e suspeição aos sujeitos imparciais do processo, como os peritos, de forma que não poderia ser diferente na arbitragem.

É certo que os fatos que devem ser revelados pelos peritos na arbitragem são mais amplos que as causas de impedimento e suspeição, pois deve ser revelada qualquer dúvida justificável sobre a sua independência e imparcialidade, não sendo necessário prova nesse sentido, mas apenas a dúvida de que a sua conduta possa dar um tratamento desigual entre as partes.

A extensão do dever de revelação aos peritos vai ao encontro de diversos princípios da arbitragem, como consensualidade, igualdade das partes, autonomia da vontade, boa-fé, além da garantia ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Portanto, não obstante a flexibilidade do procedimento arbitral e liberdade de escolha das regras que serão aplicadas, não pode haver violação à ordem pública, o que ocorreria se os peritos não fossem obrigados a ser isentos.

Os peritos, assim, devem seguir o dever de revelação na arbitragem, já que as partes têm o direito a um procedimento transparente, que em todas as suas fases seja completamente imparcial, independente e impessoal, o que é uma garantia do próprio Estado democrático de Direito.

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