Opinião

Revisão de crédito rural: é possível reduzir o valor do seu contrato?

Autor

  • Vitória Gabriella Wasques

    é advogada no escritório Pádua Faria Advogados graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca pós-graduanda em Direito Aplicado ao Agronegócio pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC/PR) pós-graduanda em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP).

12 de julho de 2023, 15h20

A Lei nº 4.829/1965 instituiu o crédito rural, determinando que somente o Conselho Monetário Nacional (CMN) tem o poder de fixar os juros para as operações de crédito rural, o que, na prática, é feito quando do lançamento do Plano Safra, anualmente, ou, pontualmente, por meio de uma ou outra resolução específica.

O Plano Safra é um programa que visa apoiar o setor agropecuário, oferecendo linhas de crédito, incentivos e políticas agrícolas para os produtores rurais, desde os agricultores familiares até os mega produtores.

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Um dos benefícios destinados ao setor é a limitação da taxa de juros remuneratórios, de acordo com a linha de crédito (Pronamp, Pronaf, PCA, etc.), o que deve ser respeitado pelos agentes financeiros (instituições bancárias e cooperativas de crédito).

No Plano Safra 2023/2024, por exemplo, as taxas de juros para custeio e comercialização serão de 8% ao ano para os produtores enquadrados no Pronamp e de 12% a.a. para os demais produtores.

Já para investimentos, as taxas de juros vão variar entre 7% a.a. e 12,5% a.a., de acordo com o programa, sendo que o Moderfrota possuirá a taxa de juros mais alta (de até 12,5% a.a.), enquanto que o RenovaAgro e PCA possuirão a menor taxa, com limitação a 7% a.a.

Quando não há essa fixação pelo governo federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem matéria pacífica de que os juros remuneratórios devem ser limitados em 12% a.a., desde que comprovada a onerosidade excessiva, capaz de colocar o contratante em desvantagem exagerada.

No que diz respeito aos juros moratórios, no crédito rural, são limitados em 1% a.a., por força do Decreto Lei nº 167/1967, de maneira que as instituições financeiras não podem cobrar comissão de permanência, taxa CDI ou juros de mora de 1% ao mês.

Nesse sentido é a orientação jurisprudencial da Corte Superior:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. COOPERATIVA EQUIPARADA A ESTABELECIMENTO COMERCIAL E INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. LIMITAÇÃO A 1% AO ANO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI 167/67. ACÓRDÃO RECORRIDO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que as cooperativas de crédito integram o sistema financeiro nacional, estando sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 2. A jurisprudência desta Corte Superior, firmou orientação de que a cédula de produto rural tem a mesma natureza jurídica da cédula de crédito rural, e, portanto, está submetida ao mesmo regramento imposto à cédula de crédito (RMS 10.272/RS, relator ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2001, DJ de 15/10/2001, p. 264). 3. É aplicável à cédula de produto rural o mesmo tratamento conferido à cédula de crédito rural, quanto aos juros de mora, limitados em 1% ao ano, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 167/1967. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 906.114/PR, relator ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 21/10/2016)".

Outrossim, importante ressaltar outra peculiaridade do crédito rural: a capitalização dos juros em periodicidade semestral, igualmente em função do previsto no Decreto Lei nº 167/67. Dessa forma, a capitalização diária é completamente ilegal, sendo que alguns tribunais brasileiros têm aceitado a capitalização mensal, como exceção, desde que expressamente pactuado. Vejamos:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL, INDUSTRIAL E COMERCIAL. POSSIBILIDADE. 1. Nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial é permitida a capitalização mensal dos juros, desde que pactuada, independentemente da data de emissão do título. 2. Há previsão legal específica autorizando a capitalização em periodicidade diversa da semestral nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial (artigo 5º do Decreto-Lei 167/67 e artigo 5º do Decreto-Lei 413/69). Assim, a MP 2.170-36/2001 não interfere na definição da periodicidade do encargo nesses títulos, regulando apenas os contratos bancários que não são regidos por lei específica. 3. Embargos de divergência providos. (EREsp nº 1.134.955/PR, relator ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 24/10/2012, DJe de 29/10/2012)".

Entretanto, todos nós sabemos que referidas instituições firmam contratos de adesão em massa e se aproveitam, por vezes, da urgente necessidade e da falta de conhecimento técnico dos seus consumidores para aplicar juros abusivos.

No âmbito do crédito rural, uma das situações mais recorrentes envolvendo as abusividades dos contratos bancários diz respeito justamente aos juros (remuneratórios, moratórios e capitalização), o que leva o produtor rural a questionar se, diante de um cenário de irregularidade, existiria alguma ferramenta jurídica apta a corrigir esses erros e, consequentemente, reduzir o valor do contrato.

A resposta é sim! É o que denominamos de revisão de crédito rural, a qual possibilita a correção de disparidades de cláusulas contratuais abusivas, como a imposição, ao produtor rural, de taxa de juros acima do limite permitido, capitalização fora da periodicidade correta, dentre outros desvios.

A revisão de crédito é feita por intermédio de processo judicial, que busca adequar as taxas de juros utilizadas no contrato bancário às regras de crédito rural instituídas pelo CMN, com o intuito de conseguir descontos (redução do valor do contrato), ou, em alguns casos, receber quantias pagas a maior.

Caso o produtor rural já tenha sido demando judicialmente, por meio de ação de cobrança ou execução, por exemplo, é possível apresentar defesa nesse sentido, informando o juízo sobre os excessos existentes no contrato, o que pode diminuir o saldo devedor ou demonstrar a inexistência de débito.

Veja-se, portanto, que um dos principais benefícios de uma ação revisional de crédito rural, ou de uma defesa em ação de cobrança/execução, é a redução do custo total do contrato, por meio da limitação das taxas de juros e da adequação da frequência da capitalização, nos termos da legislação vigente, o que, consequentemente, melhora a saúde financeira do produtor rural.

Logo, se você, produtor rural, acredita que seu contrato bancário de crédito rural possui vícios, que acarretam em pagamentos superiores ao efetivamente devido, procure a assessoria jurídica de sua confiança, a fim de que sejam feitas as análises e tomadas as medidas cabíveis para adequação.

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  • é advogada no escritório Pádua Faria Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, pós-graduanda em Direito Aplicado ao Agronegócio pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC/PR), pós-graduanda em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP).

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