Opinião

Dever de revelação do árbitro e ADPF 1.050

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12 de julho de 2023, 19h33

Diversos são os métodos que podem ser utilizados para a solução de disputas devendo as partes analisarem qual deles será mais eficiente e permitirá a melhor solução do conflito.

A possibilidade de utilização desses métodos diversos decorre do chamado sistema multiportas de solução de disputas, o qual permite às partes a escolha do método mais adequado para a solução de sua disputa, seja a mediação, a conciliação, a arbitragem, o próprio Poder Judiciário, dentre outros.

Diversas são as vantagens existentes em cada um desses métodos, o que deve ser avaliado pelas partes no momento de sua escolha.

Tratando especificamente da arbitragem, temos que, esse método de solução de disputas tem, como uma de suas principais características, a atenção à autonomia da vontade das partes, permitindo-lhes transacionar sobre as regras aplicáveis ao procedimento arbitral.

Nesse sentido, o uso da arbitragem pressupõe a possibilidade de as partes terem sua demanda julgada por árbitros que detenham conhecimento técnico específico sobre a matéria objeto da disputa, sendo eles indicados pelas próprias partes, à medida que são elas as responsáveis pela elaboração da convenção de arbitragem.

As partes devem, então, confiar plenamente no árbitro, que, a despeito de ser por elas indicado, deve ser um sujeito imparcial e independente, a fim de que a solução da disputa seja justa e imparcial.

Embora a Lei de Arbitragem apenas faça referência à imparcialidade dos árbitros (artigo 13, §6º; artigo 14; e, artigo 21, §2º), sem apresentar quais seriam os critérios adotados para aferição dessa imparcialidade, outros mecanismos são utilizados para sua aferição.

Assim, para assegurar a imparcialidade e independência do árbitro, a Lei de Arbitragem impõe a ele um dever de revelação, o qual corresponde à necessidade de o árbitro indicado levar ao conhecimento das partes qualquer informação que possa influenciar na análise de sua imparcialidade e independência.

Essa obrigação está disposta no §1º, do artigo 14, da Lei nº 9.307/96, o qual dispõe que, antes da aceitação da função, a pessoa indicada para funcionar como árbitro deve revelar qualquer fato que aponte dúvida justificada quanto à sua independência e imparcialidade.

O dever de revelação, então, não está adstrito apenas a uma análise subjetiva do árbitro, mas à necessidade de apontamento de situações que detenham a potencialidade de gerar dúvidas sobre sua imparcialidade ou independência, o que abalaria a confiança das partes.

O dever de revelação é, portanto, uma obrigação legalmente imposta ao árbitro e que deve ser observada com o máximo de cautela possível.

Cahali [1] destaca que o dever de revelação vai além das causas de impedimento e suspeição, previstas no Código de Processo Civil, pois devem ser indicados os acontecimentos que possam gerar alguma dúvida quanto à imparcialidade e independência do árbitro, sejam de ordem pessoal ou profissional.

Há muitas críticas quanto à abrangência do termo "dúvida justificada" inserto no aludido dispositivo legal, mas é certo que o objetivo desse dever é assegurar a confiança que as partes terão com relação àquele que será eleito para o julgamento da disputa, garantindo-lhes a segurança necessária quanto à imparcialidade e independência do árbitro, para que seja realizado um julgamento justo.

Recentemente, a União Brasil questionou, ao Supremo Tribunal Federal, a extensão do dever de revelação, na busca de estabelecimento de critérios para o exercício desse dever, ajuizando a ADPF 1.050, que foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes e recebida como Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Um grande debate, decerto, será travado nessa ação, afinal, a uma primeira vista, nos parece que o requerido pela União Brasil poderá trazer, em verdade, um engessamento do dever de revelação, o que pode ocasionar, consequentemente, prejuízos para a arbitragem.

Inclusive, até o momento, diversos foram os pedidos de habilitação apresentados para atuação como amicus curiae na referida ação, a exemplo da solicitação apresentada pelo Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), da Câmara Americana de Comércio para o Brasil – São Paulo (Amcham) e do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

Atualmente, o dever de revelação dos árbitros é orientado por diversos códigos de conduta dos árbitros, além de que algumas instituições possuem formulários próprios que buscam nortear a avaliação de quais condutas poderiam interferir na imparcialidade e independência do árbitro, a exemplo dos artigos 9º e 11.3 do Regulamento do CAM-CCBC, o qual prevê que os árbitros indicados preencherão o "Questionário de Conflitos de Interesse e Disponibilidade", e do item 7.6 do Regulamento da CMA Ciesp/Fiesp, o qual também faz referência ao dever de os árbitros responderem questionário encaminhado pela Secretaria da Câmara.

Registre-se, ainda, que o dever de revelação não está adstrito apenas a esse momento inicial, relativo à nomeação e aceitação do árbitro, uma vez que ele é aplicável ao longo de todo o procedimento arbitral, o que faz com que seja, então, dinâmico.

Além disso, importante registrar que, quando o assunto é a imparcialidade dos árbitros, são aplicadas também as diretrizes das IBA Guidelines, que possuem natureza de soft law e são detalhistas quanto à imparcialidade, apesar de não possuírem eficácia vinculante no ordenamento jurídico brasileiro [2].

O Grupo de Trabalho dotou as IBA Guidelines com um rol exemplificativo, com circunstâncias concretas que foram divididas em três listas, nas cores verde, laranja e vermelha, as quais, respectivamente, apontam situações nas quais:

"'Não existe conflito de interesses verdadeiro nem aparência a esse respeito que sejam relevantes do ponto de vista objetivo ou subjetivo'; 'circunstâncias que podem levar a questionamentos sobre imparcialidade aos olhos das partes e que, portanto, devem ser objeto de revelação'; e, 'situações que podem redundar em dúvidas justificadas a respeito da imparcialidade ou independência do árbitro', devendo ser reveladas, sendo algumas dessas situações irrenunciáveis, de modo que, diante de sua ocorrência, deve o árbitro recusar sua nomeação." [3]

Assim, é possível concluir que as discussões acerca dos parâmetros que devem ser utilizados pelos árbitros para aferição do que deve ser revelado às partes, ou não, será intensificada no futuro próximo, o que não significa dizer, no nosso sentir, que esse dever não seja atendido na atualidade, ao passo que diversos são os critérios utilizados pelos árbitros, com os códigos de conduta e formulários acima citados.

 


[1] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem [livro eletrônico]: mediação: conciliação: tribunal multiportas. 6ª ed. em e-book baseada na 7ª ed. Impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais: Thomson Reuters Brasil, 2018.

[2] ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. Imparcialidade dos Árbitros. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2014, p. 55-56.

[3] ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. Imparcialidade dos Árbitros. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2014, p. 55-56.

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