Opinião

A contabilização da isenção do ICMS e o artigo 30 da Lei nº 12.973

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8 de julho de 2023, 11h28

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), em sede de recursos repetitivos (Tema 1.182), proferiu uma importante decisão acerca do tratamento tributário aplicável aos incentivos e benefícios fiscais ou financeiros-fiscais do ICMS, previsto no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, dissipando parte das controvérsias existentes.

Contudo, a matéria tem suscitado questões relacionadas à contabilidade, especialmente, quanto à aplicação do Pronunciamento Técnico CPC 07 – Subvenção e Assistência Governamentais. O fato é que remanescem imprecisões nessa aplicação e é sobre algumas delas que o presente artigo pretende discutir, especificamente, no que se refere à isenção do ICMS.

De início, uma questão preliminar se refere à finalidade do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Ao nosso ver, tal dispositivo busca afastar a tributação do IRPJ (e da CSLL, nos termos do artigo 50 da mesma lei) sobre os acréscimos patrimoniais decorrentes das subvenções para investimento, acréscimos estes refletidos no lucro contábil. E é essa parcela presente no lucro que poderá ser excluída na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que seja destinada para a reserva de incentivos fiscais. Assim, se não houver acréscimo patrimonial, não haverá incremento no lucro contábil, porquanto, não haverá o que excluir, muito menos o que destinar para a reserva.

Outro aspecto relevante é o fato de que a subvenção para investimento tratada na legislação tributária, necessariamente, não se confunde com a subvenção governamental definida no CPC 07, de modo que não se pode admitir, como pressuposto, que toda subvenção para investimento (tributária) seja considerada uma subvenção governamental (contábil), bem como que toda subvenção governamental (contábil) seja considerada uma subvenção para investimento (tributária).

Nesse sentido, é importante salientar que os requisitos contábeis previstos no CPC 07 possuem pouca relevância para a aplicação do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, uma vez que, naturalmente, não são capazes de definir o tratamento tributário correspondente, tampouco, por si sós, repercutir efeitos tributários. Quando muito, tais requisitos podem ser subsidiários em alguns casos.

Outrossim, vale salientar que a interpretação do CPC 07 deve ser sistemática, à luz do objetivo do relatório contábil-financeiro, respeitando as definições dos elementos patrimoniais e de desempenho, de modo que as informações a serem geradas sejam relevantes e representem fidedignamente a realidade econômica das entidades.

Em síntese, as regras do CPC 07 estabelecem que ingressos de benefícios econômicos decorrentes de subvenções e demais assistências governamentais sejam reconhecidos, mensurados e divulgados de maneira especial, de modo a não se confundirem com o desempenho decorrente das atividades próprias da entidade, naturalmente, sempre seguindo a essência econômica. Isso é necessário para que os usuários das demonstrações contábeis disponham de informações que lhes permitam avaliar, comparativamente entre períodos e entre entidades, a efetividade daquele desempenho.

Feitos esses comentários iniciais, eis um fato (contábil): o ICMS não é uma despesa! Aliás, via de regra, nenhum tributo indireto é. Sob a ótica contábil, "despesas são reduções nos ativos, ou aumentos nos passivos, que resultam em reduções no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a distribuições aos detentores de direitos sobre o patrimônio", conforme o item 4.68 do CPC 00 — Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro.

O ICMS é cobrado do cliente e repassado para o Estado. Tal fato requer o reconhecimento de um ativo e, concomitantemente, de um passivo. Há efeito financeiro, porém, quantitativamente, o efeito patrimonial é nulo, portanto, não há que se falar em redução do patrimônio líquido. A entidade, neste caso, figura como mero agente. Também, é importante salientar que o ICMS não integra o preço de transação, valor este pelo qual a receita contábil é mensurada nos termos do CPC 47 — Receita de Contrato com Cliente.

A contabilização do ICMS como dedução da receita bruta e o fato dele integrar a própria receita bruta decorrem da aplicação do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977. Em regra, somente haverá o reconhecimento da dedução da receita bruta se no preço praticado houver alguma cobrança do ICMS, a qual será mensurada pelo valor correspondente, sendo este, em princípio, caracterizado pelo destaque do ICMS na nota fiscal.

Como exemplo, admita uma venda no valor de R$ 100 mil (à vista), com incidência de 18% de ICMS. Assim, teríamos um preço de transação no valor de R$ 82 mil. Admitindo apenas essas informações, vejamos o lançamento contábil, exclusivamente, à luz dos requisitos do CPC 47:

 

Débito

Crédito

Banco c/movimento

100 mil

 

ICMS a recolher (passivo)

 

18 mil

Receita de Contrato com Cliente

 

82 mil

Já considerando as exigências da legislação tributária, teríamos os seguintes lançamentos:

 

Débito

Crédito

Banco c/movimento

100 mil

 

Receita Bruta

 

100 mil

 

 

 

ICMS s/Vendas (dedução da receita bruta)

18 mil

 

ICMS a recolher (passivo)

 

18 mil

O ICMS incidente na operação teria integrado a receita bruta, no entanto teria sido registrado como dedução desta, de modo que, ao final, a receita líquida corresponderia à receita contábil (CPC 47). Trata-se de um recurso meramente escritural. Outrossim, só haveria o reconhecimento do passivo porque existiria a obrigação presente de realizar o repasse, para o Estado, do ICMS cobrado pela entidade.

Havendo isenção do ICMS (geral e incondicional), teremos, objetivamente, duas possíveis situações, admitindo a operação ocorrida no final da cadeia. A primeira delas, a que consideramos que deveria ser a mais comum, refere-se à hipótese em que a isenção é repassada para o consumidor, ou seja, não há a cobrança do ICMS, resultando, portanto, na redução do preço praticado.

Considerando o exemplo alhures, nessa primeira hipótese, o preço praticado seria R$ 82 mil, sem qualquer destaque de ICMS em nota fiscal. A receita bruta seria igual à receita contábil e não haveria qualquer contabilização de ICMS. Eis o lançamento:

 

Débito

Crédito

Banco c/movimento

82 mil

 

Receita Bruta

 

82 mil

Outrossim, não caberia a aplicação do CPC 07, uma vez que não haveria qualquer subvenção governamental. Não se poderia aplicar, por exemplo, o item 38E desse pronunciamento, de modo a reconhecer, inapropriadamente, uma despesa correspondente ao valor do ICMS que seria devido caso houvesse a cobrança, em contrapartida à receita de subvenção equivalente. Aplicar tal procedimento violaria a estrutura conceitual (CPC 00). Em verdade, o item 38E se refere à contabilização dos efeitos da isenção ou da redução do imposto de renda.

Nessa situação, também não haveria que se cogitar a aplicação do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, uma vez que a entidade não teria experimentado qualquer acréscimo patrimonial. Porém, não obstante ser um procedimento inapropriado, caso a entidade reconhecesse a "despesa" e a "receita", tal atecnia não poderia refletir efeitos tributários, portanto, não haveria que se falar na tributação da "receita de subvenção", tampouco na dedutibilidade da "despesa com ICMS"

A receita não existe. Não possui substância econômica. Surge como mera contrapartida escritural para justificar o reconhecimento da despesa (ou vice-versa). No que compete à despesa, como ela não existiria; tributariamente, não poderia ser considerada incorrida, muito menos paga, de modo que não atenderia aos requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 47 da Lei nº 4.506/1964, por isso a sua necessária adição.

A bem da verdade, em termos práticos, o reconhecimento desses elementos no plano contábil não repercute efeitos no lucro, anulam-se, de modo que nenhum ajuste deveria ser realizado no âmbito da apuração do IRPJ e da CSLL.

Ademais, se admitirmos a aplicação inapropriada do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, também teremos efeitos societários, pois, como a receita só existiria no plano escritural, a entidade destinaria uma parcela inexistente do lucro para a reserva de incentivos fiscais, com isso, o lucro disponível para distribuição, por exemplo, seria indevidamente reduzido pela despesa inexistente reconhecida.

Pois bem, seja qual for a alternativa adotada, ainda que ao arrepio das normas contábeis, entendemos que a tributação deverá se manter neutra. Vejamos:

 

Situação 1

Referência

Situação 2

Em respeito às normas contábeis e tributárias

Situação 3

Contabilização inapropriada da receita e da dedução/despesa

Receita Bruta

100 mil

82 mil

82 mil

82 mil

82 mil

(-) ICMS s/Vendas

(18 mil)

 

(18 mil)

 

 

Receita Líquida

82 mil

82 mil

64 mil

82 mil

82 mil

Receita de Subvenção (ICMS)

 

 

18 mil

18 mil

18 mil

(-) Despesa ICMS

 

 

 

(18 mil)

(18 mil)

(-) Despesas

(30 mil)

(30 mil)

(30 mil)

(30 mil)

(30 mil)

Lucro antes da Tributação

52 mil

52 mil

52 mil

52 mil

52 mil

 

 

 

 

 

 

(+) Adição

 

 

18 mil

18 mil

 

(-) Exclusão

 

 

(18 mil)

(18 mil)

 

Lucro Real / BC CSLL

52 mil

52 mil

52 mil

52 mil

52 mil

Em relação à "Situação 3", caso fosse realizada a exclusão da receita, sem que a adição da "despesa"/dedução do ICMS também o fosse, a base tributável seria de R$ 34 mil Bem, se tal situação for admitida, ao nosso ver, estar-se-ia permitindo que um benefício estadual poderia reduzir a base tributável do IRPJ e da CSLL, o que poderia representar, talvez, a instituição de uma isenção heterônoma e a consequente violação ao pacto federativo. Parece-nos que essa permissão não foi introduzida pela Lei Complementar nº 160/2017, com a inclusão dos §§ 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, tampouco possuiria respaldo nas decisões judiciais proferidas até o momento.

Em síntese, temos que o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 visa afastar a tributação sobre o acréscimo patrimonial decorrente da subvenção para investimento. Sendo assim, na hipótese em que a isenção é repassada para o cliente, implicando na redução do preço praticado, não se verifica tal acréscimo, portanto, não caberá a aplicação daquele dispositivo legal. Contudo, havendo, ainda que inapropriadamente, o registro da receita de subvenção e da dedução/despesa correspondentes ao ICMS, tais elementos não poderão repercutir efeitos tributários.

Admitindo, agora, a segunda hipótese, sob a qual a entidade não repassasse a isenção para o cliente, mantendo o mesmo preço de venda praticado quando da cobrança do ICMS, teríamos a apropriação do valor correspondente à isenção, ou seja, haveria a cobrança e recebimento do tributo pago pelo cliente, porém, não haveria a obrigação de repassá-lo para o Estado.

Nessa situação, na receita auferida haveria uma parcela que corresponderia ao benefício do ICMS e seria esta parcela que representaria a subvenção para investimento nos termos do § 4º do artigo 30 da Lei nº 12.73/2014. Sendo assim, teríamos um acréscimo patrimonial que, em princípio, poderia ser reconhecido contabilmente como uma receita de subvenção, mas, naturalmente, sem qualquer reconhecimento de dedução/despesa do ICMS.

Efetuando a escrituração de modo a atender tanto a legislação tributária quanto à societária, admitindo uma possível aplicação do CPC 07, teríamos:

 

Débito

Crédito

Banco c/movimento

100 mil

 

Receita Bruta

 

100 mil

 

 

 

Ajuste da Receita Bruta

18 mil

 

Receita de Subvenções

 

18 mil

A utilização do ajuste da receita bruta visaria apenas conciliar a diferença entre a receita bruta e a receita contábil, conforme exigido pelo artigo 26 da IN RFB nº 1.700/2017. Não se trataria de despesa, pois, como dito, esta não existiria. Também não se referiria à dedução da receita bruta ("ICMS s/vendas"), uma vez que não se trataria do tributo. O ajuste da receita bruta seria mero recurso escritural que permitiria a reclassificação do benefício contido na receita bruta para a receita de subvenções, bem como a correspondência com a receita contábil.

Ao final, admitindo que a entidade atendesse aos requisitos legais previstos no art. 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e o artigo 30 da Lei nº 12.973/2017, seria possível excluir o montante de R$ 18 mil correspondente ao acréscimo patrimonial decorrente da isenção do ICMS. E esse valor, reconhecido como receita de subvenções, deveria ser destinado para a reserva de incentivos fiscais, o que seria possível, pois ele integraria o lucro contábil. Com isso, o acréscimo patrimonial gerado pela isenção do ICMS não seria tributado.

 

Situação 1

Referência

(repetindo)

Situação 4

Em respeito às normas contábeis e tributárias

Situação 5

Sem o reconhecimento da receita de subvenções

Receita Bruta

100 mil

100 mil

100 mil

(-) ICMS s/Vendas

(18 mil)

 

 

(-) Ajuste da Receita Bruta

 

(18 mil)

 

Receita Líquida

82 mil

82 mil

100 mil

Receita de Subvenção (ICMS)

 

18 mil

 

(-) Despesas

(30 mil)

(30 mil)

(30 mil)

Lucro antes da Tributação

52 mil

70 mil

70 mil

 

 

 

 

(+) Adição

 

 

 

(-) Exclusão

 

(18 mil)

(18 mil)

Lucro Real / BC CSLL

52 mil

52 mil

52 mil

Na hipótese sob análise, o valor da subvenção para investimento decorrente da isenção do ICMS estaria contido na receita bruta, portanto, o tratamento tributário aplicável consistiria na exclusão da parcela correspondente, ajuste que poderia ser realizado ainda que o CPC 07 não fosse aplicado e, portanto, nenhuma receita de subvenção tivesse sido reconhecida ("Situação 5").

Outrossim, quanto ao ajuste da receita bruta, ele deveria ser adicionado, por outro lado, devido à sua "realização" como receita de subvenção já no próprio período, poderia ser excluído (outra exclusão que não se confundiria com à correspondente à subvenção). Como teríamos uma adição e uma exclusão de mesmo valor, entendemos ser desnecessário, para fins didáticos, realizar tais ajustes neste exemplo.

Já se a entidade reconhecesse, indevidamente, o ICMS como dedução da receita bruta ou, até mesmo, como despesa, em contrapartida à receita de subvenção, isso seria indiferente neste caso. Teríamos o mesmo resultado contábil, R$ 70 mil, e também seria admitida a exclusão de R$ 18 mil, valor que deveria ser destinado para a reserva de incentivos fiscais. Aqui, não seria necessário adicionar a dedução da receita bruta ou a "despesa", sob pena de tributar o acréscimo patrimonial decorrente da isenção. Isso ocorre porque tal dedução ou "despesa" desempenharia a função do ajuste da receita bruta e também representaria um recurso meramente escritural, sem qualquer substância econômica.

Finalizando, é importante salientar que os aspectos de interesse acerca da isenção do ICMS não se resumem aos aqui apresentados, uma vez que tal benefício pode ser concedido sob variadas configurações. Naturalmente, não foi a nossa intenção exaurir o tema. Contudo, o que foi brevemente discutido se mostra fundamental para a correta aplicação tanto das normas contábeis quanto do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Não se trata de divergência entre a contabilidade e a tributação, muito pelo contrário, trata-se da necessária e adequada convivência entre essas áreas de conhecimento.

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