Opinião

Prevenção e gestão de conflitos: valor e sustentabilidade para o agronegócio 

Autor

  • Lizandra Colossi

    é advogada mediadora privada e de câmaras de mediação e arbitragem sócia do Colossi Oliveira Advogados Associados presidente da Comissão de Mediação Arbitragem e Práticas Colaborativas da OAB/L. de Freitas e mestra em Direito.

6 de julho de 2023, 11h16

O agronegócio é um "ramo originário do saber econômico", desenvolvido, a partir de 1950, por economistas franceses, consagrado a partir dos trabalhos de John Davis e Ray Goldberg, que engloba, correlaciona e amplia os setores econômicos já conhecidos separadamente: agricultura, pecuária, extrativismo, indústria e comércio de bens oriundos do campo, e que integra, ainda, ao conceito, o financiamento à produção e as políticas públicas destinadas ao setor (SOUZA; FAULIN, 2023).

Por agronegócio entende-se, portanto, a cadeia produtiva que integra "o antes, o durante e o depois" da porteira, visto incluir, como "antes" a prancheta de um cientista, que cria novas variedades mais produtivas e resistentes a pragas e doenças; o segmento dos insumos, com corretivos, fertilizantes, sementes, defensivos, máquinas e implementos; os serviços, sendo eles o crédito, o seguro, o planejamento, e a assistência técnica; como "durante" a produção propriamente dita, que vai do plantio à colheita, incluído o preparo do solo e os tratos cultivares; e o "depois da porteira", qual seja, "o transporte, a armazenagem, a industrialização, a embalagem, a distribuição, a exportação etc" (SCHOUCHANA, et all, 2013, p.07-08).

Na esteira do entendimento sobre a "cadeia ampla do agronegócio" [1], que impacta no valor agregado e final ao consumidor, a prevenção e gestão de conflitos é um dos elos dessa cadeia, ingressando no rol dos serviços para que o agronegócio se desenvolva de forma sustentável. Assim, se uma das palavras de ordem no Agronegócio brasileiro, hoje, é sustentabilidade, a prevenção e gestão de conflitos precisa e deve ser considerada como um valor, e pré-requisito à sua realização.

Segundo dados oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050 a estimativa do número de pessoas sobre a face da Terra é de 9,7 bilhões; diante disso, o Agro precisaria crescer, em termos mundiais, em 60% [2]. Mas o crescimento precisa ser responsável, não só pela questão ambiental que precisa ser equacionada, mas pelo fator humano envolvido: o Agronegócio pode gerar riqueza para muitas pessoas, empregando homens e mulheres de maior e menor escolaridade em funções distintas, e contribuindo não só para a sobrevivência de todas elas, mas para uma vida digna, com o bem-estar social tão almejado pela nossa Constituição Cidadã sendo realizado na prática.

No Brasil, a agricultura familiar é a responsável pela maior parcela dos empregos gerados no campo e representa a maior parte das propriedades agropecuárias brasileiras, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Contudo, para ser longeva, eficiente e de qualidade, a empresa familiar rural, assim como a agroindústria, requerem gestão, incluída a prevenção e gestão de conflitos no campo. Sob a perspectiva dos meios extrajudiciais de prevenção e solução de conflitos é que se desenvolve este artigo.

Conflitos no agronegócio, e das possíveis soluções: um ensaio não exaustivo
Conhecimento é poder, e hoje, oito anos após a promulgação da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015), e do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), tão inovador nos seus negócios processuais, na previsão de mediação judicial, dentre outras conquistas e avanços, ainda há colegas advogados, e clientes que optam pelo litígio pelo simples fato de não conhecerem os meios extrajudiciais de solução. Se é verdade que o agronegócio é abundante, não menos verdade é que conflitos mal geridos podem colocar a perder toda a produção agropecuária, ameaçando essa abundância.

O mapeamento que, a seguir, se faz, é panorâmico, e em rol não exaustivo, mas exemplificativo do potencial das soluções alternativas ao Judiciário no Agronegócio brasileiro. Nas palavras de Reinaldo Pettengil Filho e Asdrubal Nascimento Filho Júnior (2021, p.108), dada a grandeza do agronegócio nacional, e a infinidade de relações negociais dele decorrentes, aliadas à necessidade de soluções mais adequadas e ágeis tornam o cenário propício à utilização de métodos adequados de resolução e prevenção de conflitos.

Inicialmente, cumpre informar que o agronegócio no país, apesar de pujante, começa a formalizar as suas relações contratuais há pouco tempo. De fato, o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), promulgado numa época em que a palavra dada valia tanto ou mais do que a escrita, prevê a modalidade tácita para os dois contratos típicos de uso da terra rural para produção agropecuária, ou extrativa: arrendamento e parceria rural (artigo 92). E, ainda hoje, passados mais de meio século, é comum encontrar no campo pessoas que se relacionam, apenas, por meio da palavra dada e do compromisso assumido  no que se vê muita pertinência com os meios consensuais de solução de conflitos, que têm por base a palavra como veículo construtor da solução, e a confiança como norte a ser reconquistado, após a desagregação que o conflito naturalmente causa.

Assim é que o proprietário da área rural possui áreas em arrendamento, e em parceria, negociadas de forma verbal com seus arrendatários e parceiros, pessoas físicas ou jurídicas que, não raras vezes, são vizinhos, concidadãos e donos de pequenas e médias indústrias produtoras rurais. Porém, a ausência de um documento formal, que reduz a escrito as intenções de quem cede e de quem usa a terra para produzir, pode acarretar a dificuldade em se sanar divergências entre eles, quando essas surgirem – e, muito provavelmente, elas aparecerão, porque inerentes às relações jurídicas.

Neste contrato de arrendamento ou parceria rural, o dono da área e o produtor podem estabelecer que, em havendo dissonâncias entre si, buscarão resolver pela mediação de conflitos, pelas práticas colaborativas, pela arbitragem, para, somente depois, haver a possibilidade de ajuizamento de demanda: são as chamadas cláusulas escalonadas, que, como o próprio nome diz, escalonam o tratamento da questão, deixando o judiciário como ultima ratio. Como entende Thiago Marinho Nunes (2022, p.265), para a resolução de disputas no agronegócio diversos são os mecanismos à disposição dos usuários, sendo a arbitragem comercial, regulada pela Lei nº 9.307/1996, um mecanismo muito eficiente.

Os conflitos são geridos de forma mais célere pelos mecanismos extrajudiciais de resolução de disputas — o que, em termos de produção agropecuária, em que o tempo é o da natureza, e não aguarda a decisão interlocutória ou a sentença, é uma necessidade premente, e uma vantagem competitiva frente a outros produtores ou donos da agroindústria que não conhecem ou não se utilizam desses métodos. Formalizar um contrato de arrendamento, de parceria rural, ou de integração, definindo, por meio das cláusulas escalonadas, como se dará a gestão de conflitos, é medida que permite o desenvolvimento dos negócios sem maiores sustos, protegendo tanto a produção, quanto o produtor do agronegócio.

Num outro cenário conflituoso, o produtor rural não recebeu as sementes a tempo, e o plantio não se realizou na época adequada, gerando um declínio na produção. Só para citar um exemplo, o plantio do café deve ser feito de outubro a março [3] e, se for realizado período distinto, a produtividade cai bastante, o que impacta no contrato com a empresa que processaria o grão, e o comercializaria. Ou seja: há um efeito em cascata de problemas, causado pela demora na entrega das sementes. Evidentemente que tal situação pode ser judicializada, mas, e se, ao invés disso, as partes se sentassem para uma conversa mediada, buscando uma solução mais célere, e frutífera para todos, no melhor estilo ganha-ganha? E se, na presença do mediador, terceiro neutro sem interesse no caso, ajudando na comunicação, e com os advogados presentes, fossem criadas soluções, alternativas financeiras viáveis para todos? Quem sabe se o produtor de sementes não pode, também, oferecer fertilizantes para uma área improdutiva da fazenda e fazer esse produtor lucrar mais do que se tivesse as recebido? Essa visão ampliada, que nasce de uma negociação ou conversa mediada, dificilmente se daria num processo judicial, engessado entre petição inicial, contestação e réplica.

No Brasil, como dito alhures, a família empresária rural é uma das grandes responsáveis pelo agronegócio brasileiro. Naturalmente os problemas que brotam no interior do seio familiar podem se espraiar sobre o negócio da família, notadamente quando há competição pelo controle, após o falecimento do patriarca, ou da matriarca. A primogenitura pode não ser decisiva para a definição do mais apto na condução da empresa familiar rural, e é aí que uma mediação de conflitos pode fazer toda a diferença. Explorar as potencialidades dessa família, sua visão de negócio a curto, médio e longo prazo, acolher e ouvir todos os herdeiros, e permitir um espaço seguro de conversa, confidencial, possibilita trazer à lume as melhores qualidades de todos e, quiçá, a solução da controvérsia pela sucessão nos negócios.

A gestão dos funcionários também pode ser melhorada com técnicas ligadas à mediação de conflitos, como círculos de paz, escuta ativa e mediação intraorganizacional propriamente dita. Escutar e validar os sentimentos e emoções de funcionários que, às vezes, trabalham anos a fio para a mesma família empresária rural ou para o dono da agroindústria local, procurar melhorar a comunicação, entender as expectativas de todos, e buscar atender o que faz sentido com o projeto de negócio traz transparência, e impacta positivamente na produtividade de todos, que se sentem vistos, ouvidos e atendidos. O resultado, além de financeiro, é a empresa rural ou a agroindústria com imagem interna e externa de admiração e respeito.

O produtor rural, que pode ser ou não o dono da fazenda, em determinada situação, pode ter desrespeitado uma área de proteção ambiental (APA) dentro do imóvel rural e, com isso, ter atraído a atenção da administração pública local, e, não raras vezes, a incidência de multa, e, quiçá, de processo administrativo contra si. A Lei de Mediação prevê a participação de órgãos da administração pública na sessão de mediação, a fim de compor interesses, respeitando o erário, e o interesse público. Então, para além da defesa administrativa, ou mesmo do pagamento da multa, é possível convidar o órgão da administração, notadamente por meio de uma Câmara de Mediação, para uma conversa mediada com o produtor rural e sanar não só esse conflito, mas se precaver de novos.

Conclusão
A fim de se contribuir com o desenvolvimento pleno e contínuo das atividades agropastoris e extrativas no Brasil, com bem-estar social e com o equilíbrio econômico-financeiro do País, é que se trazem ao do setor do Agronegócio as técnicas de prevenção e solução de conflitos, oferecendo, por meio delas, ferramentas que lhe possibilitem o crescimento mais sólido, longevo e rentável possível: numa palavra, sustentabilidade.

Apostar em meios adequados de solução e prevenção de controvérsias é ter visão de negócio, e proporcionar crescimento sustentável; é como deixar preparada a terra para o plantio, na hora certa, sem sobressaltos, e com assertividade nas soluções.

 


Referências
EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Agricultura Familiar  Cenário. Disponível em https://www.embrapa.br/tema-agricultura-familiar/sobre-o-tema . Acesso em 30 junho 2023.

BURANELLO, Renato. Direito do Agronegócio – Mercado, Regulação, Tributação e Meio Ambiente. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

PETTENGIL FILHO, Reinaldo; LIMA JÚNIOR, Asdrubal Nascimento. As Cláusulas Compromissórias Híbridas. In: GALLI, Francisco; FAVACHO, Frederico; HOKUMURA, Marcos (Coordenadores). Gestão de Conflitos no Agronegócio. Londrina, PR: Thoth, 2021.

NUNES, Thiago Marinho. A Nova Lei do Agronegócio, Resolução de Disputas e o uso da Arbitragem Comercial. In: NUNES, Thiago Marinho; TOLENTINO; Augusto (Coordenadores). O Novo Agronegócio e Resolução de disputas. São Paulo: Almedina, 2022.

ONU. Organização das Nações Unidas. População mundial chegará em 8 bilhões em novembro de 2022. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/189756-popula%C3%A7%C3%A3o-mundial-chegar%C3%A1-8-bilh%C3%B5es-em-novembro-de-2022. Acesso em 28 junho 2023.

SCHOUCHANA, Félix; SHENG, Hsia Hua; DECOTELLI, Carlos Alberto. Gestão de riscos no agronegócio. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

SOUZA, André Ricardo Passos; FAULIN, Evandro Jacóia. Aspectos jurídicos do agronegócio. Rio de Janeiro: FGV, 2023.

THE MOSAIC COMPANY. Nutrição de Safras. Disponível em https://nutricaodesafras.com.br/. Acesso em 30 junho 2023.

 


[1] Expressão utilizada na obra Direito do Agronegócio: Mercado, Regulação, Tributação e Meio Ambiente, coordenada por Renato Buranello e outros.

[2] "Estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) que datam do início deste século XXI dão conta de que em 2050 a população do planeta Terra seria da ordem de R$ 9,5 bilhões de seres humanos, o que na prática implicaria um aumento da ordem de 60% da produção mundial de alimentos, sem falar de energia limpa e da necessidade de cuidado, proteção de mananciais, do meio ambiente, bem como da produção em larga escala de água doce potável disponível (…)" (SOUZA; FAULIN, 2023, p.03).

[3] Segundo dados da Mosaic Fertilizantes, encontráveis no site: https://nutricaodesafras.com.br/

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  • é advogada, mediadora privada e de câmaras de mediação e arbitragem, sócia do Colossi Oliveira Advogados Associados, presidente da Comissão de Mediação, Arbitragem e Práticas Colaborativas da OAB/L. de Freitas e mestra em Direito.

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