Opinião

Novas ferramentas jurídicas e financeiras para o agronegócio de baixo carbono

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6 de julho de 2023, 7h16

Os níveis de recursos financeiros disponíveis para o Plano ABC ficaram comprometidos entre agosto de 2022 e fevereiro de 2023, período no qual o BNDES suspendeu novos pedidos de operações de crédito do Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura, regulado desde a Resolução nº 3896/2010 do Banco Central, o qual tem sido a principal fonte de financiamento para, por exemplo, a recuperação de áreas de preservação permanente e de reserva legal degradadas.

De fato, essa foi uma má notícia para o agronegócio de baixo carbono que tem dependido diretamente do Plano ABC desde 2011, em especial num contexto tão desafiador como é o brasileiro, que vem mantendo as metas de redução de emissões causadas pela agropecuária (estimadas em 730 milhões de tonCO2eq) e precisa recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, conforme determina o Decreto Federal nº 9578/2018.

No entanto, e apesar dessa escassez inicial de recursos, o Governo Federal lançou agora em junho o Plano Safra 2023/2024, anunciando cerca de 12 bilhões de reais para financiar o custeio, estabelecendo ainda uma taxa de juros menor para os produtores que tiverem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) analisado e adotarem técnicas sustentáveis de produção. O Plano ABC mudou de nove e passou se chamar RenovAgro, que oferecerá recursos com juros ainda menores.

Ao mesmo tempo, o Conselho Monetário Nacional emitiu a Resolução nº 5.081/2023 proibindo expressamente a concessão de crédito rural para empreendimentos situados em imóveis rurais que não estejam inscritos no CAR ou cuja inscrição se encontre cancelada ou suspensa e, ainda que estejam embargados, ou situados em Unidades de Conservação, ou ainda em terras indígenas.

Em paralelo, avançam também as iniciativas do agronegócio para definir modais de produção de baixo carbono e seus respectivos métodos de certificação, como é o caso do Programa Soja Baixo Carbono (PSBC), de iniciativa da Embrapa em conjunto com grandes empresas do setor, como a Bayer. Por sua vez, a Amaggi lançou um programa de agricultura regenerativa, em parceria com a reNature e que também tem o objetivo de fixar cabono no solo.

Em outras palavras, essa conjuntura mostra que o mercado financeiro e o agronegócio estão se posicionando de modo encontrar novas maneiras de garantir os recursos financeiros necessários para uma transição de baixo carbono. É neste contexto então que a Cédula de Produto Rural (CPR), inclusive na modalidade Verde, regulada pelo Decreto Federal nº 10.828/2021, pode realmente se mostrar uma excelente alternativa.

Com a CPR Verde, o produtor rural assume o compromisso de manter preservadas áreas florestais, bem como a investir na promoção da recuperação da vegetação nativa. São ações que geram benefícios no sentido de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e estimular a preservação de ativos ambientais.

A CPR Verde pode ser emitida por produtores rurais e cooperativas. De adoção rápida, é uma alternativa de mercado, capaz de instrumentalizar o pagamento por serviços ambientais. Pode ser usada pelo produtor rural e demais agentes da cadeia do agronegócio para captar recursos.

E, de fato, o mercado vem estruturando operações com CPR’s que remuneram as externalidades ambientais positivas do agronegócio desde pelo menos 2021. Por exemplo, a operação CPR Reserva Legal+ do Itaú BBA que oferece juros menores para operações de crédito de projetos que mantenham cobertura florestal em propriedades rurais maior do que o mínimo exigido a título de reserva legal durante o período de vigência da CPR.

Já o Banco do Brasil lançou em abril de 2022 a CPR-Preservação, cujo objetivo é geração de recursos sobre as áreas de vegetação nativa das propriedades rurais, como reserva legal, as áreas de preservação permanente e áreas excedentes ao mínimo legalmente exigido, mediante certificação externa de terceira parte da Global Certification System, a partir de Relatório de Auditoria de Sustentabilidade emitido pela CS Ambiental.

Por sua vez, a operação de aquisição pelo BV de CPR Verde, emitida com o suporte técnico da Global Forest Bond a partir da conservação de áreas de Mata Atlântica, para que os seus adquirentes possam neutralizar suas próprias emissões é um outro exemplo.

É interessante notar que, apesar de semelhantes, cada operação contou propósitos e métodos distintos, mas todas foram firmemente amparadas por critérios técnicos e capazes de demonstrar seus resultados. Ou melhor, em alguns dos casos, a externalidade ambiental positiva vem "embutida" nos produtos tradicionais do agronegócio (madeira, gado, soja, milho etc.), que garantem as operações e cuja pega de carbono é menor. E, em outros, o emissor do título recebe um pagamento direto pelos serviços ambientais que oferece, sem necessariamente oferecer um produto agrícola junto como garantia. Mas em todos os casos os títulos parecem cumprir os novos requisitos regulatórios, recentemente normatizados pela CVM em 2022 por meio das Resoluções nº 160 e 175.

A propósito, a Resolução nº 160 regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários e exige que, se o título ofertado for qualificado pelo emissor como "verde", "social", "sustentável", dentre outras denominações correlatas, deve informar quais metodologias, princípios ou diretrizes amplamente reconhecidos que foram seguidos para qualificação da oferta; qual a entidade independente responsável pela avaliação e; como serão verificados e relatados os resultados alcançados.

Por sua vez, as exigências da Resolução nº 175 da CVM são as de que os regulamentos dos fundos que se apresentam como "ESG", "ASG", "ambiental", "verde", "social" ou "sustentável" revelem informações confiáveis a respeito de quais os benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados e como a política de investimento busca originá-los; quais metodologias, princípios ou diretrizes que são seguidas e; qual a entidade independente responsável por verificar os resultados alcançados e divulgados. Além disso, a norma define que créditos de carbono são os que dependem de "autorização de autoridade governamental", o que foi melhor explicado recentemente pelo Ofício Circular 2/2023, que esmiuçou o conceito de crédito de carbono que a CVM utilizou e reflete a preocupação de que esse ativo financeiro observe parâmetros técnicos estabelecidos por autoridade nacional, internacional ou multilateral reconhecidos nessa temática, a exemplo do que está exigindo tanto para os fundos, quanto para os próprios emissores de títulos.

Em outras palavras, não é uma exigência restritiva, que visa dificultar o investimento em títulos verdes (inclusive os CRAs  Certificados de Recebíveis do Agronegócio lastreados nas CPRs), mas sim uma sinalização de que o ativo lastreado em carbono venha a ser ou possa ser reconhecido não só pelo mercado, mas também pelo órgão que vier a substituir o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare, que havia sido criado pelo Decreto Federal nº 11.075/2022, mas que foi extinto pelo Decreto Federal nº 11550/2023) ou outros mecanismos similares.

E, neste quesito, tanto a CPR de produtos com emissões evitadas embutidas, quanto a CPR Verde propriamente dita podem cumprir esses requisitos regulatórios.

Assim sendo, os FIFs (fundos de investimento financeiro, os quais abrangem os fundos de Investimento em ações, os fundos de investimento cambial, os fundos de investimento multimercado e os fundos de investimento em renda fixa) podem ter uma exposição de até 10% do seu patrimônio líquido em títulos verdes lastreados em carbono evitado (tanto as CPRs, quanto os CRAs lastreados nelas).

Na prática, isso significa uma margem enorme de crescimento no volume de investimentos em títulos verdes, na medida em que a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) estima que já havia mais de sete trilhões de reais de patrimônio investido em fundos no Brasil em 2022. A propósito, quando do lançamento da CPR Verde em outubro de 2021, o governo federal e as entidades do mercado de capitais estimaram uma possibilidade de movimentação de cerca de R$ 30 bilhões nos quatro anos seguintes.

Em outras palavras, esses avanços regulatórios recentes fazem parte de um conjunto de iniciativas e políticas públicas que trazem mais segurança jurídica para a captação privada de recursos financeiros para o agronegócio, em paralelo à disponibilidade de recursos nos programas oficiais. Mas, por outro lado, é certo que o governo federal tem sinalizado que deve submeter em breve ao Congresso Nacional uma nova proposta de legislação que estabeleça um marco regulatório para o mercado de carbono, de modo a trazer ainda mais segurança jurídica para os investimentos privados.

Cabe então ao agronegócio se preparar técnica e juridicamente para se aproximar cada vez mais do mercado financeiro, pois ambos estão nitidamente sintonizados com a necessidade de caminhar no sentido de uma economia de baixo carbono.

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