Opinião

Negociação sindical prévia nas dispensas coletivas: solução ou agravamento?

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4 de julho de 2023, 7h07

Desde o último semestre do ano passado, multiplicam-se as notícias sobre dispensas coletivas praticadas em diferentes países, atingindo milhares de empresas e trabalhadores. Grande parte destas dispensas decorre de uma combinação entre mau planejamento e perda de receitas decorrentes de um período de grande instabilidade econômica, resultado de um desafiador período pós-pandemia e de tensões políticas e militares. O Brasil não está imune a esta lamentável realidade.      

A Constituição  reconhece que a ordem social nasce do trabalho humano. É a partir dele que se produzem as riquezas e os bens necessários para o desenvolvimento social e econômico. É também o ponto de partida para o bem-estar social, tratando-se o princípio da continuidade da relação de emprego, uma das bases do Direito do Trabalho.

De outro lado, em razão dos riscos do negócio que explora, o empregador tem a prerrogativa de extinguir os contratos de trabalho de forma unilateral, devendo pagar ao empregado dispensado as verbas contratuais e rescisórias correspondentes, a depender da modalidade da dispensa.

O artigo 477-A, inserido recentemente à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela reforma trabalhista, prevê que "as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação".

O conceito de "dispensa coletiva", por sua vez, não é dado pela lei. A doutrina classifica a dispensa coletiva como algo extraordinário, visto que geralmente ocorre por motivos econômicos não previstos, como aqueles atualmente observados e que provocam impactos em toda a sociedade.      

A Convenção nº 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), embora não conceitue especificamente a dispensa coletiva, tampouco fixe critérios correspondentes, indica que a medida pode ocorrer por motivos de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou análoga.

Na dispensa coletiva verificam-se as seguintes características: simultaneidade; unicidade de causa; multiplicidade e ausência de substituição de pessoal.

Neste contexto, recentemente, surgiu uma grande discussão sobre a necessidade de intervenção sindical para efetivação do processo de dispensa coletiva, partindo-se da premissa de que um efetivo mecanismo de solução de conflitos coletivos poderia ser encontrado na negociação coletiva, constitucionalmente assegurada.

O Supremo Tribunal Federal (STF) posicionou-se no julgamento do Tema de Repercussão Geral 638 no sentido de que "a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa coletiva de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

Este entendimento impõe, portanto, a intervenção sindical prévia com o objetivo de prestigiar os sindicatos laborais na defesa dos interesses de seus representados. Porém, exclui a necessidade de negociação coletiva ou mesmo de assinatura de acordo coletivo, conforme pretendia a corrente que defendia a participação sindical como imprescindível para validar um processo de dispensa coletiva.

Nos parece que o posicionamento e a diferenciação entre "intervenção" e "autorização prévia" é tecnicamente justificada pelas disposições presentes do artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal, que diz ser "obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho" — incluindo, por óbvio, a resolução de conflitos de ordem coletiva.

Desta forma, o STF manteve ilesas as disposições constitucionais atinentes à atuação dos sindicatos laborais, garantindo a possibilidade de fixação de diretrizes para enfrentamento da situação e a redução do impacto da dispensa coletiva à sociedade. Contudo, também é possível concluir a partir da decisão do Supremo que, caso não exista solução a ser construída, mesmo após as negociações, poderá o empregador seguir pela via da dispensa coletiva com base em seu poder diretivo.

Apesar desta interpretação direta, é importante que as empresas tenham ciência de que não houve definição sobre o conceito de dispensa coletiva, eventuais critérios para sua aferição, limites da atuação sindical e formas atinentes a referida intervenção, tampouco sobre a constitucionalidade do artigo 477-A, da CLT, que equiparou, para todos os efeitos, as dispensas individuais, plúrimas e coletivas.

A dificuldade que emana do tema consiste justamente em compreender a sensibilidade das dispensas coletivas, bem como em sopesar os impactos que elas podem trazer para o contexto social, afetando a dignidade da pessoa humana, hipótese com a qual sempre se preocupou o ordenamento jurídico e a jurisprudênciaA óbvia intenção do STF não foi a de dificultar ou declarar a impossibilidade absoluta de dispensas coletivas, mas, sim, a de privilegiar a necessária tentativa de minimizar seus impactos.

Entretanto, obstáculos vêm sendo impostos a empresas que buscam se engajar em negociações dessa natureza junto aos sindicatos. Muitas entidades sindicais ainda não compreenderam seu papel neste contexto e, por vezes, exigem contrapartidas ou procedimentos que além de não serem respaldados por leiacentuam o cenário de crise que motivou o diálogo.

Os desafios são muitos, de modo que o assunto continua a merecer reflexão aprofundada, e passam por uma nova percepção sobre o papel dos atores nas relações coletivas de trabalho. Contar com uma assessoria jurídica preparada para lidar com essas questões é fundamental.

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