Opinião

O PL 3.025 e seus impactos sobre garimpeiros e cooperativas

Autor

  • Pedro Rezende de Magalhães

    é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas (pós-graduação lato sensu) coautor da obra Direito Ambiental em Desenvolvimento (Editora D'Plácido) e ex-procurador-geral da Câmara Municipal de Guaxupé (MG) no biênio 2019-2020.

4 de julho de 2023, 17h16

No último dia 12 de junho, o Poder Executivo submeteu à apreciação do Congresso o Projeto de Lei nº 3.025/2023 [1], que "dispõe sobre normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro no território nacional e altera a Lei nº 7.776, de 11 de maio de 1989".

O projeto de lei, aparentemente esboçado inicialmente como medida provisória, resulta das conclusões do Grupo de Trabalho (GT) criado em janeiro último para enfrentamento da grave situação envolvendo a região amazônica e, segundo sua exposição de motivos, tem primordialmente a "(…) finalidade de propor medidas contra a atuação de organizações criminosas, inclusive com a exploração do garimpo, em terras indígenas".

Imap/Divulgação
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Ainda segundo sua justificativa, o governo federal identificou "(…) brechas na legislação que permitem o 'esquentamento' do ouro extraído ilegalmente de territórios protegidos (…)", pretendendo com a proposta, portanto, dado o "(…) atual custo socioambiental e financeiro do modelo vigente de ingresso formal do ouro oriundo de áreas de garimpo (…)", aprimorar o controle fiscalizatório sobre a cadeia produtiva do minério e impedir a utilização de subterfúgios para consecução de objetivos ilícitos.

Inelutavelmente, a iniciativa veio em boa hora, principalmente no que diz respeito à revogação do jabuti legislativo representado pela inclusão dos artigos 37 a 42 no texto da Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, modelo hoje reconhecidamente nocivo à cadeia produtiva do minério, além de intentar prevenir possíveis conflitos de interesse ao criar um rol de pessoas impedidas de participar de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), por exemplo, e robustecer os mecanismos de fiscalização e rastreio mediante a adoção da obrigatoriedade de emissão de notas fiscais eletrônicas e da Guia de Transporte e Custódia de Ouro desde a origem da comercialização.

No entanto, um ponto a chamar atenção é que seu texto original (artigo 2º) prevê que, no regime minerário de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), todo ouro produzido passará a ser considerado, ao menos até sua primeira venda, como ativo financeiro ou instrumento cambial. Na prática, é dizer que o garimpeiro (pessoa física) ou a cooperativa de garimpeiros (pessoa jurídica) titular da permissão deverá comercializar sua produção exclusivamente com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ou seja, DTVMs.

Conforme defendido em artigo anterior (íntegra aqui nesta ConJur), não há convicção em afirmar que esse sistema vai ao encontro dos interesses de produtores e comerciantes, como as joalherias, porquanto, ao forçar o comércio a um restrito  e geralmente poderoso  grupo de interesse, acaba por representar uma clara e indesejada ingerência na livre iniciativa.

Inobstante, vale lembrar que o projeto também suprime a autorização do Banco Central para as cooperativas regularmente constituídas a operarem com ouro, direito atualmente previsto no artigo 2º da Lei nº 7.766/89 [2], significando que a única operação negocial com terceiros relativa à sua produção minerária passará a ser a venda para as instituições autorizadas.

Assim sendo, vale questionar se essa opção é de fato benéfica ao interesse público, isto é, se realmente se presta a coibir as más-práticas visadas pela proposta, ou se apenas favorece o aumento da concentração de mercado em um determinado nicho.

Empiricamente, a priori, tudo parece indicar ser o caso da segunda hipótese, recomendando debates mais aprofundados neste tocante. Até mesmo porque, se a nota fiscal acompanhada da guia de transporte e custódia basta à fiscalização de uma cadeia eventualmente concentrada no Sistema Financeiro Nacional, por qual razão não bastaria à uma cadeia aberta ao comércio também com outros agentes?

De todo modo, sendo o Parlamento contraditório em exercício, eis ocasião propícia a tais discussões, caso assim desejem os interesses envolvidos. Afinal, como bem relembrava Caio Mário da Silva Pereira, quem cala consente, quando pudesse ou devesse falar.

 


[1] Íntegra disponível no site da Câmara dos Deputados.

[2] "Artigo 2º Para os efeitos desta Lei, as cooperativas ou associações de garimpeiros, desde que regularmente constituídas, serão autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operarem com ouro.
Parágrafo único. As operações com ouro, facultadas às cooperativas ou associações de garimpeiros, restringem-se, exclusivamente, à sua compra na origem e à venda ao Banco Central do Brasil, ou à instituição por ele autorizada".

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