Opinião

STJ: notificação de inscrição em cadastro de inadimplente deve ser em papel

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4 de julho de 2023, 13h21

Recentemente, a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu provimento, por unanimidade, ao Recurso Especial nº 2.056.285/RJ, no qual discutiu-se a validade de inscrição do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito sem o envio prévio de correspondência física ao seu endereço.

No caso em tela, uma mulher ajuizou ação de cancelamento de inscrição cumulada com pedido indenizatório, alegando que não teria sido devidamente notificada da sua inscrição em cadastro de inadimplentes em decorrências de dívidas de, aproximadamente, R$ 3,5 mil com o Banco do Brasil e de R$ 110 com o Mercado Pago.com.

Em 1ª instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente apenas para determinar o cancelamento da inscrição relativa a um débito de R$ 589,77 com o BB, em razão da ausência de comprovação da respectiva notificação, tendo os demais pedidos formulados pela autora sido rejeitados pelo juiz.

Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação, o qual foi desprovido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), sob o fundamento de que a notificação ao consumidor exigida pelo artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) poderia ser realizada por e-mail ou por SMS, o que teria sido observado nos autos de origem com relação à inscrição da dívida do Banco do Brasil. Tal acórdão foi objeto do Recurso Especial nº 2.056.285/RJ interposto pela autora.

Diferentemente do TJ-RS, ao julgar o Recurso Especial, o STJ reforçou o entendimento já consolidado pelo Enunciado nº 359 da Súmula da referida Corte Superior, no sentido de que é dever do órgão mantenedor do cadastro notificar o consumidor previamente à inscrição  e não apenas de que a inscrição foi realizada , dando prazo para que este pague a dívida ou se oponha à negativação quando ilegal, sob pena de ensejar indenização por danos morais.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, pontuou que, embora a jurisprudência do STJ afaste a necessidade de notificação com aviso de recebimento (AR), tal como já pacificado pelo Enunciado nº 404 da Súmula do STJ, a prévia inscrição do consumidor em cadastros restritivos de crédito deve ser precedida do envio de correspondência física ao endereço do consumidor.

Nesse contexto, a ministra relatora, valendo-se da interpretação teleológica do artigo 43, parágrafo 2º, do CDC, consignou que admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail ou por simples mensagem de texto de celular (SMS) representaria diminuição da proteção do consumidor, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma e causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido, em nítida violação ao que dispõe o 4º, caput, do CDC.

Ainda de acordo com o STJ, embora seja indiscutível que o avanço tecnológico  através do uso de e-mail e celular  configura importante passo no aprimoramento entre as partes da relação de consumo, não poderia ser considerada lícita a sua utilização exclusiva como mecanismo único de notificação do consumidor acerca da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, sobretudo diante do cenário brasileiro marcado por severas desigualdades econômicas e sociais. Nesse sentido, confira-se importante trecho do julgado:

"Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica."

Em tal  contexto, o que se vê é que a interpretação adotada pelo STJ privilegiou a questão social, dando destaque para a realidade desigual do Brasil, ao concluir pela necessidade do envio de notificações físicas aos devedores antes da inclusão em cadastros restritivos de créditos.

Contudo, muito embora não se negue que o cenário socioeconômico do país está longe de ser o ideal, é sabido que a utilização de meios eletrônicos de comunicação vem crescendo exponencialmente, tendo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) recentemente divulgado que, em 2021, 99,5% dos domicílios brasileiros já tinham celular com acesso à internet.

Diante disso, é possível defender que o envio prévio de notificações por e-mail ou SMS para consumidores informando acerca de sua inclusão em cadastros de inadimplentes não representaria uma redução de sua proteção ou lesão aos seus direitos, na medida em que, com o uso disseminado e cotidiano do celular com internet, o devedor certamente teria acesso à referida comunicação de forma quase imediata, muito provavelmente a tempo de tomar medidas para evitar a referida inscrição.

Ademais, também é necessário reforçar que o uso de meios eletrônicos para envio de comunicações oficiais já é amplamente utilizado no processo civil e penal, sendo possível, inclusive, realizar citações válidas por e-mail (tal como instituído pela Lei 14.195/2021) e por aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, desde que obedecidos determinados requisitos  como já decidiu o próprio STJ.

Consequentemente, sendo a citação o ato mais formal do processo  já que convoca o réu para integrar a relação processual e oferecer sua defesa, sob pena de revelia  e havendo a possibilidade de fazê-lo por meio eletrônico, não deveria haver óbice para que uma simples notificação de aviso da inclusão do consumidor em cadastros de inadimplentes possa ser feita por e-mail ou SMS, observando os mesmo requisitos estabelecidos para a citação, como, por exemplo, a confirmação de recebimento pelo devedor.

Por fim, chama atenção o fato de que o STJ, ao adotar a exceção  isto é, o cenário de extrema vulnerabilidade social, sem acesso à internet  como regra, acabou beneficiando devedores não vulneráveis. Valendo-se da máxima de que os consumidores devem ser tratados na medida de suas desigualdades, o STJ poderia ter adotado critérios que protegessem os mais vulneráveis neste aspecto, mas sem impedir, de forma indistinta, o uso de meios eletrônicos para envio de notificações por órgãos de proteção ao crédito.

De fato, neste momento, a decisão do STJ acabou indo no sentido contrário da flexibilidade já defendida pela Corte Superior em outras oportunidades. Não se duvida, contudo, que tal posicionamento possa ser revisto no futuro, sobretudo diante dos inegáveis benefícios e facilidades que o uso (correto) dos meios digitais oferece à sociedade.

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