Opinião

Ordinarização dos Juizados põe em risco a efetividade do acesso à Justiça

Autor

  • Murilo Ferreira

    é advogado especialista em sustentações orais e líder da equipe de performance jurídica do escritório Fragata e Antunes Advogados.

4 de julho de 2023, 19h52

Os Juizados Especiais foram criados com o advento da Lei 9.099/95 para lidar com casos de menor complexidade e valor financeiro, proporcionando uma solução mais rápida e menos formal para as partes envolvidas. Esse microssistema funciona com base nos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual, informalidade e celeridade, visando o acesso facilitado à Justiça.

No entanto, a ordinarização dos Juizados Especiais vem sendo amplamente debatida por estar contida no relatório do projeto de lei que altera e atualiza a Lei 9.099/95, em trâmite no Congresso, buscando tornar o rito de Juizado mais paritário, em algumas questões, ao dos tribunais comuns (ordinários). Essa mudança pode envolver, por exemplo, ampliação das competências dos juízes e aumento dos limites de valor para os processos.

Pretende-se realçar as práticas decisórias e processuais que terminam por transportar inadvertidamente aspectos do procedimento ordinário para o sumaríssimo dos Juizados Especiais, aumentando a competência originária, o que mitiga a finalidade do microssistema, em sendo lei autônoma, a qual não deve se sujeitar à aplicabilidade do CPC.

O número de ações distribuídas para os Juizados é crescente e assustador, reflexo do aumento da quantidade de ações não naturais do rito sumaríssimo. Logo, com essa abertura forçada do rito é possível que aumente a quantidade de ações que deveriam ser julgadas nas varas comuns, inviabilizando o funcionamento dos Juizados Especiais, e gerando grande delonga na prestação jurisdicional.

Ou seja, o que se esperava ao facilitar o acesso ao Judiciário por meio da criação dos Juizados, na verdade gerará uma dificuldade. E, no final das contas, quem assume esse ônus é a parte da sociedade em situação de vulnerabilidade.

Ferem-se, portanto, os princípios basilares da celeridade e da simplicidade processual, este último traduzido pela expressão “de pequenas causas”. Diante dessa situação dos Juizados Especiais, tais questões foram pautas recorrentes no 51º Fonaje (Fórum Nacional dos Juizados Especiais), realizado em Florianópolis (SC), de 24 a 26 de maio passado.

Em contrapartida, para pensar em desburocratizar o rito e atualizar regras interessantes do CPC ao procedimento sumário, faz-se relevante aprofundar práticas que, hoje, já afetam os atos nos Juizados Especiais, dentre elas a questão das provas complexas. O rito não permite a dilação probatória, tampouco, o que se entende por provas complexas. Assim, suprime, os princípios da ampla defesa e do contraditório, favorecendo a propositura das demandas predatórias, frívolas e temerárias.

Também foi pauta do Fonaje a importância de se observar os precedentes e enunciados para se estabelecer entendimentos pacificados para determinados temas. Ou seja, a ampla divulgação da jurisprudência dos Juizados e a força dos julgamentos de repetitivos poderão trazer maior efetividade, celeridade e segurança jurídica para as decisões tomadas em demandas massivas.

A unificação de procedimentos também pode trazer excelentes resultados para a adoção de práticas mais eficientes, como a criação de um órgão colegiado fixo, composto por juízes oriundos de Juizados e promovidos para compor esta Turma. Isto, com certeza, impediria a processualização ordinária no rito dos Juizados. Magistrados oriundos dos Juizados conhecem as necessidades do sistema, as condições e as práticas de determinada região, bem como a atuação predatória de determinado grupo de advogados, além de terem notório conhecimento do microssistema dos Juizados, sua natureza e seus princípios de ordem.

Ressalta-se, por fim, que na Carta de Santa Catarina, promulgada no 51º Fonaje [1], reafirmam-se os compromissos de resgate e inafastável aplicação dos critérios informadores dos Juizados, combatendo a ordinarização do rito. Ainda, defende a implantação de Turmas Recursais mediante acesso por cargo de carreira e dedicação exclusiva.

Esse tema merece debate minucioso, com participação não só dos magistrados, mas dos operadores do direito em geral, principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil, e suas respectivas Comissões, uma vez que o Juizado Especial é grande porta de entrada do recém-formado advogado, fonte de trabalho e subsistência de tantos outros advogados e o propulsor vital da garantia de acesso à Justiça para os consumidores em geral, que merecem se beneficiar de um microssistema eficiente, seguro e justo.

 

[1] "Reafirmar a necessidade de resgate e de inafastável aplicação dos critérios informadores do Sistema dos Juizados Especiais, combatendo práticas que conduzam à ordinarização dos seus atos e procedimentos" e "Concitar os Tribunais de Justiça a promoverem a implantação das Turmas Recursais no modelo que tem se revelado mais eficiente, mediante acesso por cargo de carreira e sob dedicação exclusiva- contribuindo-se assim para o fortalecimento dos precedentes".

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