Opinião

O ponto de equilíbrio da reforma tributária

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4 de julho de 2023, 15h23

O parecer preliminar do substitutivo da PEC 45/2019 deu o tom da dificuldade em se fazer a reforma tributária no Brasil. Passados poucos minutos de sua divulgação, o debate sobre a proposta se intensificou.

Alguns pontos levantados contra a reforma tributária não são novos, a exemplo das críticas: (i) ao aumento relativo da carga tributária dos setores de serviços; (ii) ao fim dos benefícios fiscais como política de desenvolvimento regional; (iii) à perda de arrecadação de alguns estados e municípios e (iv) a violação ao pacto federativo, ante a diminuição da autonomia político-legislativa dos estados e municípios.

Reavivadas pelo texto novo, tais críticas foram colocadas como um obstáculo menor à aprovação da reforma tributária, seja porque foram sendo diluídas durante o tempo de maturação da proposta, seja porque o formato do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), não previsto no texto original da PEC 45/2019, tem concentrado boa parte da irresignação dos entes federativos.

O que chama atenção, no entanto, é o pouco espaço dedicado ao debate de outra inovação do texto substitutivo da PEC 45/2009: o regime de transição federativa que pretende viger nos próximos 50 anos, disciplinando a distribuição da arrecadação nacional do IBS aos estados e municípios.

Pretende-se, com esse regime, que seja distribuída, a partir de 2033, maior parte da arrecadação nacional do IBS (90%) com base em índices de participação de cada estado ou município na arrecadação dos tributos a serem substituídos. Esses índices seriam apurados durante o período de 2024 a 2028.

Essa ideia de reportar ao futuro uma fotografia do passado, pretende evitar que estados e municípios com vertente mais "produtora" do que "consumidora" não sofram uma abruta queda em suas arrecadações na virada de chave dos modelos tributários (tributação na origem para tributação no destino).

Nesse propósito, o contrato federativo para distribuição de recursos futuros, ao tomar por base situações socioeconômicas passadas, deve buscar um ponto de equilíbrio, sob pena de provocar um desajuste maior do que se pretende evitar.

Não parece que esse ponto esteja na distribuição de quase toda a receita do IBS (90%), sob índices tomados pela média de arrecadação dos tributos substituídos, aferida entre 2024 e 2028. Isso porque, esse modo de distribuição de recursos será reduzido por uma fração muita tímida —1/45 avos por ano. Resultado disso: nos próximos 20 anos, praticamente metade da receita do IBS distribuída aos estados e municípios estará atrelada aos índices passados de arrecadação.

Evidente que a base nacional de arrecadação do IBS tende a evoluir, de modo a incrementar a receita real dos estados e municípios. A questão, entretanto, está no descompasso entre a dinâmica de evolução da base de arrecadação nacional com a dinâmica de evolução das bases locais.

Tome-se de exemplo a questão populacional, que constitui importante variável do aumento da base de arrecadação do imposto sobre o consumo. Existe uma diferença muito significativa entre o incremento de uma população estadual ou municipal, e o incremento da média nacional. Os dados demográficos do Censo 2022 mostram que muitos estados cresceram o dobro da média nacional. No caso dos municípios, a diferença se mostra mais gritante, pois uma parcela significativa experimentou um crescimento populacional dez vezes superior à média nacional[1][2].

O dado populacional merece destaque, porque também é uma variável do aumento da despesa pública do ente federativo. Daí imaginar que a fórmula proposta pode, em muitos casos, resultar numa relação inversamente proporcional entre despesa pública e receita pública per capita do IBS, pois enquanto a despesa pública tende a aumentar na proporção do crescimento demográfico, a receita pública per capita do IBS tende a diminuir com esse crescimento, quando ele for maior que a média nacional.

Como, então, promover uma transição que não provoque graves solavancos nos entes federativos "perdedores", sem contratar um desequilíbrio futuro?

Certamente não temos essa resposta em números. Mas esse ponto de equilíbrio deve estar muito distante do modelo proposto, o que ameaça, inclusive, a efetiva implementação da reforma, pois a distribuição de recursos federativos sob índices fixos, vigentes sob longos períodos, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado nas ADIs 875, 1.987, 2.727 e 3.243, e ratificado no mês passado quando do julgamento da ADI 5.069, viola o equilíbrio socioeconômico dos entes federativos.

Merece destaque a seguinte passagem do voto da eminente relatora ministra Carmem Lúcia:

"Ao menos quanto à parte final do inc. III do art. 2º, o Congresso Nacional parece ter atendido às balizas fixadas por este Supremo Tribunal quando da declaração de inconstitucionalidade das normas originárias da Lei Complementar n. 62/1989, por se ter estabelecido critérios que levam em conta elementos representativos da população e da renda domiciliar per capita dos entes estaduais, possibilitando maior dinamismo ao rateio dos recursos a serem entregues pelo Fundo de Participação (grifamos)"

Deve-se, assim, imprimir maior dinâmica aos critérios de rateio das receitas do IBS, justamente para se evitar judicializações sobre o desequilíbrio socioeconômico potencialmente contratado para as próximas décadas, dando-se, paralelamente, maior transparência aos cálculos técnicos que embasam a eleição desses critérios, pois a escolha aleatória de índices de distribuição das receitas públicas também foi reprimida pela recente decisão daquela Corte Constitucional.

A tarefa não é fácil, mas é essencial para bom prognóstico da reforma tributária.

 


[1] Ver mapa interativo do IBGE disponível aqui.

[2] “Saiba quais cidades mais ganharam população no Censo de 2022”, disponível aqui.

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