Opinião

O impacto do social blaming corporativo nas redes sociais

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3 de julho de 2023, 19h52

O tema não é recente, mas sua presença se torna cada vez mais perceptível nas redes sociais, causando impacto indiscutível no direito de diversas empresas por todo o país. Trata-se do crescente uso de plataformas para uma prática conhecida como "social blaming", ou em outras palavras, e por óbvio, na opinião de quem produz e compartilha a reclamação, de "justiçamento virtual", no âmbito específico das relações profissionais.

Com efeito, particularmente no Brasil, observamos recentemente um aumento expressivo no uso de redes sociais de todos os tipos, especialmente o LinkedIn, mas não somente, na medida que as novas gerações já vêm se valendo de plataformas ainda mais modernas, como o TikTok, por meio das quais tanto os empregados como ex-colaboradores fazem denúncias abertas e muitas vezes de forma nominal de seus gestores e empregadores. É implacável o poder das mídias sociais em todos os aspectos da vida social, e não é diferente no âmbito laboral, sobretudo quando a mensagem está a um clique de distância e a quase totalidade das pessoas tem acesso a um smartphone, em qualquer lugar e a todo instante.

Aliás, a instantaneidade das relações decorrente da comunicação na rede social, onde o público se confunde com o privado, bem como a exposição muitas vezes é desmedida e pouco regulamentada, fazendo com que conflitos se instaurem, e com isso, o Judiciário faça as vezes do intérprete dos fatos à luz da legislação.

Em muitas situações, tanto a empresa empregadora como os seus profissionais, que trabalham ou trabalharam com a pessoa denunciante, são "marcados" na postagem com publicidade total, isto é, permitindo que todos os demais usuários da plataforma tenham acesso aos relatos e tomem conhecimento sobre aqueles indivíduos envolvidos na circunstância relatada. E como os relatos costumam ser auto declaratórios, estes podem ser críticos e contar com linguagem ofensiva e, invariavelmente, trazem à tona situações que  por motivos legítimos ou não  eram anteriormente ocultas do público em geral.

Sabemos que as denúncias abrangem vários contextos, muitas vezes ligadas a supostos casos de assédio moral ou condições de trabalho insatisfatórias dos denunciantes, invariavelmente com duras críticas aos empregadores, em tempo real ou não. Todavia, todas compartilham um fim comum: o de viralizar nas redes e, de alguma forma, causar danos à reputação da empresa ou a um profissional, independentemente de existirem processos ou investigações formais em curso.

Ademais, tais denúncias às vezes alcançam proporções bastante significativas, acumulando diversos comentários que incentivam ou senão validam a conduta do denunciante, baseados em uma única versão, e por vezes, sendo estes de cunho pejorativo e causando impacto imediato à reputação da empresa.

Há inúmeros exemplos que ilustram esta situação. De acordo com análises do setor empresarial, nos últimos dez anos, assistimos a um crescimento de cerca de 80% no número de incidentes negativos que envolvem empresas atuantes no Brasil, sendo grande parte do aumento atribuído à expansão da internet, que conferiu voz e influência a muitos profissionais que, anteriormente, estavam limitados ao seu círculo social. Adicionalmente, vale ressaltar que, apenas no último ano, dezenas de empresas se viram envolvidas em polêmicas nas redes sociais.

Isso ocorreu mesmo com elas ostentando selos de boas práticas corporativas e adotando medidas de ESG (ambientais, sociais e de governança). A realidade é que, para uma vasta quantidade de usuários de redes sociais, tais credenciais e iniciativas têm pouca relevância, ao passo que se destaca a percepção pública de uma narrativa predominante, fatores que, vale frisar, também alimentam o poder substancial das chamadas fake news.

E o problema disso? O problema associado a essa prática de disseminação de informações, que são frequentemente tendenciosas e originadas de uma pessoa que passou por uma experiência desagradável, não necessariamente ilícita, é bem sintetizado na frase de Winston Churchill: "Uma mentira dá meia volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir as calças".

Na era das redes sociais e da disseminação digital de informações (incluindo as imprecisas ou até falsas), o depoimento de uma única pessoa pode se espalhar muito rapidamente, antes que a verdade, os fatos precisos ou senão o direito de resposta dos envolvidos sejam oportunamente divulgados e tenham o mesmo tempo de tela, o que causa danos consideráveis de natureza reputacional, com difícil reversão, mesmo após o esclarecimento dos fatos.

É justamente por isso que se faz uma crítica ao fenômeno da "Autotutela das Redes", sob pena de abuso de direito ou de colisão a princípios constitucionais. A utilização das redes sociais como meio de obtenção autônoma de justiça, sem levar em conta a existência de canais apropriados para isso e até mesmo a possível apelação ao Judiciário como a forma adequada de dirimir questões de natureza trabalhista, não nos parece adequado.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo manteve a justa causa aplicada a um empregado que teria postado mensagem ofensiva sobre o empregador no Facebook: "(…) não há como negar que o reclamante, com o seu comentário ofensivo, além do uso de palavras de baixo calão e o expresso desejo de obter a própria demissão, aviltou a reputação de sua empregadora, como dos seus colegas de trabalho, na maior e mais representativa rede social do mundo na atualidade (Facebook), dando ensejo à justa causa para a ruptura do liame empregatício pelo empregador, na forma do artigo 482, alínea j ('ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa…')".

A análise é multifatorial, pois o uso puro e simples da rede social para uma crítica ao empregador não é bastante para aplicar justa causa, cabendo ao Judiciário, ou antes disso, à própria empresa, por meio de suas áreas jurídica ou até de compliance avaliarem o conteúdo, a forma como se deu a reclamação, os seus impactos reputacionais perante terceiros, mas também apurar e identificar se tais fatos foram denunciados internamente, e se sobre esses houve investigação.

Justamente por isso é imprescindível que os empregadores estejam amparados em normas internas robustas sobre o tema, que tratem sobre limites ao exercício da liberdade de expressão na Internet ou outros meios, durante a prestação de serviços e foram do ambiente da empresa, notadamente com o advento mais forte do home office e do teletrabalho.

Importante destacar que o que se defende aqui não é a imposição de censura prévia a postagens relativas ao ambiente de trabalho, saúde mental, ou críticas ao assédio moral e sexual, que devem ser veementemente condenados com a participação ativa de todos os membros desse ambiente. O que se sugere, como medida de garantir maior salubridade ao ambiente virtual, com reflexos lógicos no mundo real, é um posicionamento mais firme do Judiciário contra possíveis abusos de direito, reprimindo comportamentos difamatórios que são altamente prejudiciais não apenas à empresa, mas também aos seus empregados.

Aos empregadores cabe adotarem medidas preventivas, que perpassem desde a conscientização do quadro de empregados quanto aos efeitos do uso indevido e impróprio das redes sociais, até o estabelecimento de diretrizes objetivas, e implementação ou revisão de canais de denúncia disponíveis aos colaboradores, os quais devem ter ampla divulgação (artigo 23 da Lei 14.457/22).

Assim, conclui-se que não obstante seja urgente estabelecer limites para atos de "social blaming" nas redes sociais, especialmente no contexto corporativo, dada a amplitude dos danos significativos que podem ser causados à reputação das empresas e de indivíduos, até porque, na maioria das vezes, estes não têm a oportunidade de se defender rapidamente contra as alegações antes que elas "viralizem", também é importante que as empresas estejam preparadas para lidar com tais ocorrências e munidas de normas internas robustas o suficiente para enfrentar esse problema, em linhas gerais, a fim de alcançar um maior equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à reputação e à defesa eficaz.

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