Luto no Direito

'Saudade' guiou último pronunciamento de Sepúlveda Pertence no STF

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3 de julho de 2023, 15h45

Após 18 anos de trabalho no Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence participou de sua última sessão no plenário da corte em 16 de agosto de 2007. No dia seguinte, sua aposentadoria foi oficializada. A palavra "saudade" guiou o último pronunciamento do jurista — que morreu no último domingo (2/7) — como ministro em atividade.

Reprodução/TV Justiça
ReproduçãoO ministro Sepúlveda Pertence durante última sessão que participou no STF

"Em 1961, recém-formado na minha Minas Gerais, penetrei nesta sala pela primeira vez. A cadeira, hoje ocupada por Cármen Lúcia, era a cadeira do Benjamim Victor Nunes Leal, que, quando da sua morte, pude dizer: foi mestre que se transformou em amigo; foi amigo que se transformou em irmão; um irmão que substituiu o meu próprio pai", disse o ministro, ao iniciar sua despedida do plenário.

"O que vou dizer, senhora presidente? Eu não vou dizer, senão a todos os que fazem esta casa, dos ministros, dos membros do Ministério Público, dos advogados que nos frequentam, dos servidores, tantos que tenho conhecido nessas décadas. O que posso dizer? Apenas saudade. Ela virá e eu sofro antecipadamente. Esta saudade de quantos conviveram comigo, nesta sala e nesta casa, que hoje abandono, mas tenho como o maior galardão que a vida me poderia ter propiciado."

"Muito obrigado a todos, muito obrigado pela amizade de quantos participaram comigo das discussões, às vezes até de algumas brigas neste Plenário, a todos os que fazem esta casa, eu só posso dizer que sinto imensa e antecipada saudade", concluiu.

Durante a sessão, o então ministro Celso de Mello (hoje aposentado) disse que a saída de Sepúlveda Pertence foi mais um rito de passagem na trajetória do Supremo Tribunal Federal.

Celso Junior/Estadão
Os ministros Celso de Mello e
Sepúlveda Pertence, em imagem de 2007
Celso Junior/Estadão

"Quando esta corte saudou, em 17 de maio deste ano, os 18 anos de presença do ministro Sepúlveda Pertence no Tribunal, salientei, em manifestação que ora reitero, ser importante reconhecer, publicamente, a relevantíssima participação de sua excelência nos trabalhos e na construção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente num período de significativas transformações, quando esta corte se deparou com o desafio de interpretar a nova ordem constitucional instaurada em 1988", afirmou Celso de Mello durante a sessão de 16 de agosto de 2007.

Exercendo o papel de advogado-geral da União, (AGU), Dias Toffoli (hoje ministro do STF), disse que a aposentadoria significava uma "lacuna impreenchível para a nação". Na ocasião, Sepúlveda Pertence disse que sua relação com Toffoli surgiu de uma "amizade feita nas noites do Tribunal Superior Eleitoral" e que o então AGU era a "afirmação jovem de talento e capacidade".

"Ontem, terminei minha fala explicando para José Paulo Sepúlveda Pertence um gesto que sempre faço de uns tempos para cá quando o vejo, que é pedir a bênção. Eu o cumprimento pedindo a bênção: a bênção, José Paulo! É uma pessoa tão iluminada que não precisa de outras crenças, porque ele acredita nas instituições republicanas, ele acredita no homem, ele acredita no ser humano e na humanidade. Eu disse aos advogados públicos, na oportunidade de ontem, que a bênção que peço a ele é essa bênção na crença, no homem, nas instituições republicanas e nas instituições públicas", disse Toffoli durante a sessão.

A sessão foi presidida pela ministra Ellen Gracie, que chorou ao finalizá-la. "Todos os pronunciamentos que se fizeram hoje estarão registrados nos anais da casa. Nesses mesmos anais, Vossa Excelência deixa a marca de uma jurisprudência rica, de uma jurisprudência indelével, que é o legado principal que Vossa Excelência deixa a nós outros seus colegas. A par da convivência sempre agradável e bem-humorada, Vossa excelência teve, durante esses anos em que pontificou, no Supremo Tribunal Federal, a oportunidade de deixar marcos insubstituíveis na jurisprudência nacional. Ministro Sepúlveda Pertence, nós todos, seus Colegas, desejamos lhe e à família muitas felicidades nesta nova fase. Sentiremos, como Vossa Excelência, muita e muita saudade."

História Oral
Em 2009, Sepúlveda Pertence participou de um programa do acervo do STF. Em um dos trechos, ele relembra como foi seu primeiro contato com a corte. Durante dois anos, ele integrou a equipe do ministro Evandro Lins e Silva.

"Eu conheci o Supremo Tribunal recém-formado, quando vim para Brasília, em março de 1961. Tenho de 1965 a 1967 essa primeira experiência do STF por dentro, de já ver coisas, tomar conhecimento de… enfim, de crises, de desavenças entre ministros, etc. Então foi uma experiência inesquecível."

Sepúlveda Pertence destacou a estrutura pequena que assistia os ministros à época. "O gabinete não teria dimensão maior do que esta sala, onde se situavam, sentados, o ministro, o secretário jurídico, uma datilógrafa titular e uma datilógrafa auxiliar. E ainda, quando preciso, ali se acomodavam o motorista e o capinha, o auxiliar de plenário do ministro. Isso era tudo."

Morte
José Paulo Sepúlveda Pertence morreu na madrugada deste domingo (2/7), em Brasília, aos 85 anos. O magistrado estava internado há uma semana no hospital Sírio Libanês. Ele deixa três filhos: Evandro, Eduardo e Pedro Paulo. 

Pertence se formou em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1960. Em 1963, virou promotor no Ministério Público do DF; seis anos depois, foi cassado do posto pela Junta Militar de 1969, com base no Ato Institucional nº 5.

A partir de então, dedicou-se integralmente à advocacia, em escritório montado junto ao ex-ministro do STF Victor Nunes Leal, que também fora cassado pelo governo militar naquele mesmo ano.

Em 1985, foi nomeado por José Sarney como Procurador-Geral da República; em 1989, foi nomeado ministro do Supremo, na vaga decorrente da aposentadoria de Oscar Dias Correia. Presidiu a Corte de 1995 a 1997, e se aposentou em 2007. Desde então, tinha voltado a se dedicar à advocacia.

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