Mecanismos suspeitos

Pedidos para investigar condutas da 'lava-jato' estão travados no CNMP

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3 de julho de 2023, 18h48

A Procuradoria-Geral da República (PGR) acionou a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para que sejam investigadas irregularidades ocorridas durante a finada "lava-jato". Os pedidos, no entanto, estão travados.

Em dois ofícios enviados em janeiro de 2021, o procurador-geral da República, Augusto Aras, listou potenciais ilegalidades, irregularidades, fraudes e crimes cometidos por procuradores ou com o consórcio deles. As informações foram inicialmente publicadas no site Brasil 247.

Carlos Moura/SCO/STF
Carlos Moura/SCO/STFAugusto Aras enviou dois ofícios ao CNMP em janeiro de 2021, diz publicação

Aras foi informado de manipulação na distribuição de processos para atuação da Procuradoria da República junto ao Superior Tribunal de Justiça, burlando o sistema automático e impessoal.

Além disso, há a suspeita de designação de "procuradores naturais" para as ações e o vazamento manipulado de inquéritos e informações sigilosas para jornalistas escolhidos a dedo.

Nos documentos, a PGR alegou que havia um sistema que ocultava inquéritos e procedimentos investigativos do próprio procurador-geral e de subprocuradores. Aras citou também a tentativa de se constituir uma fundação que poderia ser integrada por ex-procuradores com o objetivo de administrar R$ 2,3 bilhões oriundos de acordos de leniência.

A PGR analisou 1.644 distribuições processuais a procuradores no STJ entre 2018 e 2020. Desse total, 932 não tinham anexas quaisquer justificativas para que tivessem driblado a distribuição automática (e impessoal).

"Apurou-se também que o campo de justificativa para a distribuição manual podia ser alterado em momento posterior, sem deixar 'rastros', porque é inauditável, no ponto, o sistema", escreveu Aras no ofício.

Em 13 de julho de 2020, por meio de memorando, o subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros, que respondia então pela vice-procuradoria-geral da República, relatou a Augusto Aras que ainda não havia "obtido acesso pleno" ao acervo de processos e procedimentos.

"Mesmo após a elevação de meu status no sistema único a um nível de visibilidade superior (artigo 38, §13 da Portaria 350, de 28 de abril de 2017), e correspondente à minha posição no organograma do Ministério Público Federal, ainda assim não obtive acesso a feitos de minha própria atribuição", escreveu Jacques de Medeiros no documento.

"Ocorre que uma sistemática de proteção de dados instituída no Sistema Único permite que documentos nele sejam unilateralmente protegidos e a visualização seja de tal modo personalizada por quem a determine que nem mesmo o procurador natural do feito pode vê-lo ou saber da existência", disse ele. "Essa possibilidade de máxima opacidade não só é contrária a toda sorte de impessoalidade da administração pública, como também possibilita que documentos se percam dentro do Sistema Único, pois a movimentação das pessoas que impuseram tal nível de sigilo personalíssimo pode gerar impossibilidade de conhecimento desses documentos."

Jacques pediu a exclusão do "controle de visibilidade" em expedientes, procedimentos e processos em trâmite na Vice-Procuradoria-Geral da República, na Assessoria Jurídica Administrativa, na Assessoria Jurídica Criminal e na Assessoria Jurídica de Processos (onde justamente deveriam estar arquivados os acordos operacionais dos procuradores da "lava-jato" com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e com o Ministério Público da Suíça). 

Augusto Aras pediu ao CNMP que apurasse quem gerou opacidade nos processos, por que o fez e o que se escondia naqueles arquivos virtuais criptografados.

Um laudo técnico encomendado pela PGR detectou possibilidade de diversas irregularidades. Entre elas, possível intervenção humana na distribuição automática, já que era possível o registro fictício de férias de um bloco de procuradores ou alteração do grupo de distribuição, possibilitando a distribuição direcionada. Além disso, a possibilidade de distribuição manual sem preenchimento do campo de justificativa.

Outro lado
Corregedor nacional do CNMP à época em que os ofícios foram enviados, o procurador Rinaldo Reis admitiu ao Brasil 247 a recepção dos pedidos de investigação, mas disse que não responde mais pelo posto. "Não tenho mais acesso aos documentos e autos da Corregedoria Nacional, de maneira que não tenho como prestar qualquer informação sobre o que tramita ou tramitou por lá."

O núcleo de imprensa e jornalismo do CNMP disse que "os ofícios mencionados (48/2021 e 49/2021), encaminhados pela procuradoria-geral da República para este Órgão Correcional Nacional ensejaram a abertura de procedimentos administrativos de cunho disciplinar no âmbito desta Corte de Controle, entre os quais a Sindicância nº 487/2022-17, que foi instaurada a pedido da PGR, com vistas a aprofundar a instrução probatória de anterior sindicância arquivada no ano de 2021, especificamente à falta de indícios mínimos de autoria do suposto 'vazamento de informações' de investigações envolvendo a intitulada operação 'lava-jato'."

"Atualmente, a aludida sindicância se encontra em fase de instrução no âmbito da comissão processante designada para atuar no feito. Em relação aos outros procedimentos, por serem de natureza sigilosa, não se afigura possível o fornecimento de maiores informações a respeito da tramitação ou fase processual em que se encontram.", disse o órgão.

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