Opinião

Diálogo competitivo e saneamento básico na nova Lei de Licitações

Autor

  • Leonardo Bruno Pereira de Moraes

    é sócio do escritório Bornhausen & Zimmer Advogados professor doutorando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC e membro do Grupo de Pesquisa em Constitucionalismo Político da UFSC e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

2 de julho de 2023, 6h01

Em 1º de abril de 2021, entrou em vigor no Brasil a Lei nº 14.133/2021, conhecida como nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), que trouxe várias mudanças ao sistema de contratações públicas. Uma das principais inovações é uma nova modalidade de licitação chamada diálogo competitivo, que se juntou ao pregão, à concorrência, ao concurso e ao leilão, conforme estabelecido no artigo 28 da nova legislação.

Embora a vigência da Lei nº 8.666/1993 tenha sido prorrogada até 30 de dezembro de 2023, por meio da Medida Provisória nº 1.167/2023, a Lei nº 14.133/2021 está atualmente em vigor e pode ser aplicada imediatamente às contratações públicas. Além disso, a partir de 2024, seu uso será obrigatório para a administração pública.

TV Brasil/Reprodução
TV Brasil/Reprodução

O diálogo competitivo, incorporado à legislação brasileira, está intimamente relacionado ao diálogo concorrencial previsto na Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia sobre contratos públicos. Naquela ocasião, a União Europeia considerou importante consolidar métodos negociados, aplicando o diálogo concorrencial quando "uma licitação aberta ou limitada sem negociação não seja capaz de produzir resultados satisfatórios em termos de contratação pública", especialmente "nos casos em que as autoridades contratantes não conseguem definir as formas de atender às suas necessidades ou avaliar o que o mercado pode oferecer em termos de soluções técnicas, financeiras ou jurídicas".

O Diálogo Concorrencial mencionado também está previsto no Código de Contratos Públicos de Portugal, nos artigos 204º e seguintes. Nesse contexto, as fases do diálogo concorrencial são: a) apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos; b) apresentação das soluções e diálogo com os candidatos qualificados; c) apresentação e análise das propostas e adjudicação. A lógica adotada é a mesma da modalidade brasileira.

No caso brasileiro, a NLLC estabelece três requisitos para a modalidade de diálogo competitivo: a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de atender à necessidade do órgão ou entidade sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de a administração definir com precisão suficiente as especificações técnicas. É importante destacar que esses requisitos são cumulativos para o diálogo competitivo, conforme pode ser observado na conjunção "e" entre as alíneas "b" e "c" do artigo 32, I, da NLLC.

Além disso, a modalidade de diálogo competitivo deve permitir à administração pública identificar: a) a solução técnica mais adequada; b) os requisitos técnicos necessários para concretizar a solução já definida; c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato. O professor titular de Direito Administrativo da Uerj, Alexandre Santos de Aragão, aborda o assunto afirmando: "o diálogo competitivo será cabível naquelas hipóteses em que a Administração Pública, ciente dos objetivos que deseja alcançar com a licitação, não conhece adequadamente os mecanismos para a consecução das suas finalidades. Em outras palavras, a Administração sabe aonde quer chegar com a licitação, mas desconhece ou tem dúvidas acerca da melhor solução a ser adotada para que ela possa alcançar o seu objetivo".

Resumidamente, o diálogo competitivo segue a mesma abordagem do chamado diálogo concorrencial em Portugal, com três etapas distintas e complementares. Nas palavras de Rafael Carvalho Rezende Oliveira: "o diálogo competitivo é dividido em três etapas: a) pré-seleção: seleção prévia dos interessados que participarão da licitação, na forma dos critérios objetivos identificados no primeiro edital; b) diálogo: identificação da solução que melhor atende as necessidades da Administração e diálogo com os pré-selecionados para definição do objeto a ser contratado; e c) competição: publicação do segundo edital, com a especificação da solução escolhida, os critérios objetivos para definição da proposta mais vantajosa, apresentação das propostas pelos licitantes e a definição, ao final, do vencedor que celebrará o contrato com a Administração Pública".

O diálogo competitivo também surge como uma alternativa às críticas doutrinárias sobre a "inexistência de procedimentos administrativos específicos para disciplinar os diálogos público-privados conduzidos no momento originário do processo de contratação pública, quando as possíveis soluções à necessidade pública estão sendo elaboradas", como já destacava Gustavo Henrique Carvalho Schiefler em sua tese "Diálogos Público-Privados", publicada em 2018.

De igual modo, ressaltava Thiago Marrara as virtudes da adoção da modalidade: "pelo diálogo, a licitação passa a gerar conhecimento, novos produtos e serviços em benefício do Estado, da efetividade de suas tarefas e do atendimento das necessidades coletivas".

Outra característica do diálogo competitivo é que ele compartilha com o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) a participação de atores do setor privado na busca por soluções para problemas do setor público. No entanto, o diálogo competitivo é mais interessante para os agentes do setor privado, uma vez que, nessa modalidade, a competição pelo contrato definitivo fica restrita aos licitantes pré-selecionados e que participaram da etapa de diálogo.

Sobre esse tema, podemos extrair as lições da professora Irene Patrícia Diom Nohara: "enquanto o PMI se realiza antes da licitação, o diálogo competitivo abrirá a interlocução, isto é, o debate (sobre possibilidades técnicas e de inovação) com os licitantes que já participam da licitação, isto é, já há uma situação de interesses postos na mesa, com uma provável futura contratação".

Assim, reduz-se a possível frustração dos agentes privados que investem valores expressivos no desenvolvimento de projetos sem qualquer privilégio na etapa competitiva, ou garantia de reembolso dos custos. No caso do diálogo competitivo, apenas empresas que desejam o contrato definitivo devem participar da etapa de diálogo, e a competição fica restrita àqueles que se empenharam na apresentação de soluções para o problema, sem que um novo agente ingresse apenas para disputar o contrato definitivo.

Passando para o setor de saneamento básico, é importante destacar que a NLLC alterou a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995) para permitir o uso do diálogo competitivo como alternativa à modalidade de concorrência. Dessa forma, há autorização legal para a utilização do diálogo competitivo em concessões de serviços públicos e concessões de serviços públicos precedidas por obras públicas, permitindo que a administração pública busque soluções inovadoras e criativas para os problemas relacionados aos serviços públicos concedidos. Especificamente no setor de saneamento básico, que será abordado a seguir, essa nova modalidade pode trazer benefícios significativos.

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) estabeleceu uma série de obrigações para os entes públicos e as concessionárias de serviços públicos, visando melhorar substancialmente a qualidade e a abrangência desses serviços. De acordo com o Painel do Saneamento Brasil, 15,80% da população não tem acesso à água e 44,20% da população não tem acesso à coleta de esgoto, considerando a população brasileira como um todo.

Diante desses números, o saneamento básico se consolida como um dos principais desafios a serem enfrentados pelo poder público nos próximos anos. Por outro lado, trata-se de uma hipótese de concessão complexa, cujos detalhes técnicos superam a capacidade técnica da maioria dos servidores municipais. Mesmo os entes públicos que possuem uma equipe técnica qualificada normalmente não têm condições de acompanhar o desenvolvimento do mercado de saneamento básico, com suas constantes inovações tecnológicas e técnicas.

Portanto, em tese, existe uma adequação entre a modalidade de licitação diálogo competitivo e o setor de saneamento básico. Em primeiro lugar, há uma previsão legal expressa na Lei nº 8.987/1995 para o uso do diálogo competitivo em concessões de serviços públicos. Em segundo lugar, é um setor que demanda frequentes inovações técnicas e tecnológicas (a); cuja solução deve ser específica para cada município, sem uma solução pronta (b); e onde, em princípio, é impossível definir as especificações técnicas com precisão suficiente pela administração, sem prejudicar a licitação e o resultado para a sociedade (c).

Consequentemente, os três requisitos autorizadores da modalidade diálogo competitivo estão preenchidos, ressaltando-se que esses elementos devem ser analisados caso a caso, levando em consideração os problemas enfrentados por cada ente público e a capacidade técnica de seus servidores efetivos. No entanto, considerando a realidade da maioria dos municípios brasileiros, a modalidade do diálogo competitivo é uma solução viável a ser implementada para enfrentar o grave problema do saneamento básico no Brasil e contribuir significativamente para a sua solução.

 


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. O diálogo competitivo na nova lei de licitações e contratos da administração pública. Revista de Direito Administrativo (RDA/FGV), Rio de Janeiro, v. 280, n. 3, set/dez 2021.

MARRARA, Thiago. O "diálogo competitivo" como modalidade licitatória e seus impactos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-06/thiago-marrara-dialogo-competitivo-modalidade-licitatoria. Acesso 27.06.2023.

NOHARA, Irene Patrícia Diom. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2023.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Prática. 12ª ed. São Paulo: Forense, 2023.

SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos Público-Privados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2014/24/UE, de 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/eli/dir/2014/24/oj. Acesso 27.06.202

Autores

  • é sócio do escritório Bornhausen & Zimmer Advogados, professor, doutorando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina, membro das Comissões de Direito Constitucional da OAB-SC, membro do Grupo de Pesquisa em Constitucionalismo Político da UFSC e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

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