Opinião

Mediação como ponte para resolução de conflitos empresariais

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2 de julho de 2023, 9h09

O despontar do século 20 marcou um momento decisivo na percepção de litígios, passando a ser vistos como conflitos de interesses entre duas ou mais partes competindo por um mesmo bem da vida (CARNELUTTI, 1936, p. 46-47) [1]. Com o tempo, a responsabilidade de medição e resolução desses litígios e controvérsias relacionados a direitos e garantias recaiu sobre o Poder Judiciário estatal. No entanto, este sistema logo mostrou sinais de saturação, o que resultou em uma "explosão da litigiosidade" (SANTOS, 1999) [2].

A magnitude desse problema se tornou evidente em 2018, quando o número de ações judiciais em andamento nos tribunais brasileiros ultrapassou a marca espantosa de 62 milhões, conforme relatado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) [3]. Esse dilema do Judiciário sobrecarregado, entretanto, não se limita ao Brasil, suas origens podem ser traçadas até a Europa Ocidental pós-Segunda Guerra Mundial [4].

Ficou evidente, então, um abismo entre a promessa das normas jurídicas, enraizadas no princípio maior da dignidade humana, e a realidade vivenciada pelos estratos mais pobres da população, que não viam essas promessas materializarem-se. Diante desse panorama, o sistema extrajudicial de resolução de conflitos começou a evoluir significativamente, promovendo técnicas consensuais que visam a construção conjunta e cooperativa de soluções. Esses métodos, em oposição ao modelo confrontacionista tradicional, priorizam o diálogo e a negociação entre as partes, com o objetivo de alcançar resultados mutuamente aceitáveis e preservar as relações.

Este movimento encontrou suas raízes nos Estados Unidos da América, começando a ganhar destaque com a criação de juizados de pequenas causas e intensificou-se durante a década de 1960, um período marcado por revoluções civis efervescentes. Este contexto se mostrou propício para o fortalecimento dos meios alternativos de resolução de conflitos, que passaram a ser vistos como uma maneira viável e eficaz de lidar com disputas sem a necessidade de recorrer ao sistema judiciário tradicional.

Digno de nota é o fato de que a resolução extrajudicial de litígios encontrou sua maior expressão inicialmente nos países que seguem a tradição da common law, onde a jurisprudência desempenha um papel crucial na formação do direito. Este ambiente se mostrou receptivo à evolução de novas técnicas e métodos de resolução de conflitos. A flexibilidade inerente ao sistema de common law facilitou a experimentação e adaptação desses novos mecanismos, contribuindo significativamente para sua consolidação.

Os métodos não adversariais foram, então, solidificados através de experiências que visavam resolver disputas de uma maneira consideravelmente mais simples, rápida e menos onerosa do que o litígio tradicional (ALPA, 1997, p. 291-292) [5]. A filosofia subjacente a essas técnicas reside na cooperação e na busca de soluções mutuamente benéficas, com o intuito de não apenas resolver o conflito em questão, mas também preservar as relações, prevenir futuros conflitos e, em última instância, promover a paz social.

Considerando os benefícios demonstrados, a autocomposição ganhou fôlego progressivamente no Direito global, na Europa através da Diretiva 2008/52/CE [6], e no Brasil, principalmente após a promulgação da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça [7].

As opções para a resolução extrajudicial de conflitos incluem a mediação, conciliação e arbitragem. A escolha entre esses métodos depende das peculiaridades do litígio em questão. Em todos esses métodos, pressupõe-se a intervenção de um terceiro imparcial que auxilia na comunicação e na negociação de um acordo entre as partes, sem impor soluções.

A mediação se aplica quando há uma relação pré-existente entre as partes antes do conflito. Neste caso, o mediador atua para restabelecer a comunicação e preservar o futuro da relação. A conciliação, por outro lado, busca estabelecer comunicação entre pessoas com relações pontuais, visando apenas a celebração de um acordo de satisfação mútua, sem qualquer relação pré-existente. Ambas podem ocorrer em contexto judicial ou extrajudicial.

A arbitragem é um processo heterocompositivo, em que um terceiro, escolhido pelas partes, decide sobre o litígio. Principalmente utilizada para resolver conflitos contratuais sobre direitos patrimoniais disponíveis, a arbitragem pode ser estabelecida por Cláusula Arbitral ou por Compromisso Arbitral. A informalidade e a possibilidade das partes interessadas decidirem conjuntamente sobre os procedimentos a serem adotados são pontos fortes da arbitragem. O árbitro, cuja escolha não precisa estar vinculada a uma formação jurídica, deve sempre respeitar a ordem pública e o procedimento acordado.

Os conflitos societários, em particular, requerem uma solução rápida, dado que a atividade empresarial é caracterizada por dinamicidade. Para atender a essa necessidade emergente, surgiram as tutelas de urgência [8]. Apesar de parecerem atender às necessidades das partes à primeira vista, a instabilidade das decisões liminares (a guerra de liminares que se inicia) e a facilidade com que são derrubadas, revelam que esta não é a solução mais adequada para um conflito urgente. No direito societário, é crucial garantir a segurança jurídica e uma decisão estável para a manutenção das atividades empresariais.

Dentro deste contexto, um acordo alcançado através da autocomposição, por exemplo, se mostra mais vantajoso para os litigantes, considerando as externalidades que permeiam o conflito societário, como o quadro de funcionários, fornecedores e clientes. Um conflito entre os sócios pode causar um prejuízo enorme para a empresa, como uma lide envolvendo deliberações feitas em assembleia, que pode paralisar as atividades empresariais, espantar clientes e fornecedores. 

Além da necessidade de uma solução rápida para um conflito societário, para mitigar eventuais prejuízos à empresa, ninguém entende melhor a causa do conflito e seu contexto do que os próprios envolvidos, ou seja, os sócios. Uma solução consensual entre os sócios é a melhor opção possível, tendo em vista que, apesar das divergências, o objetivo dos sócios tende a ser o mesmo: o sucesso da atividade empresarial e, consequentemente, o lucro. Importa ressaltar que, ao evitar um processo judicial, também se evita a divulgação de informações relevantes da empresa no processo, como balanços patrimoniais, demonstrações de resultados e fluxos de caixa, dados estes que podem ser vazados e utilizados por concorrentes.

Os métodos extrajudiciais de resolução de conflitos estão ganhando cada vez mais espaço, uma vez que permitem uma resolução mais rápida, menos custosa e muitas vezes mais satisfatória para as partes envolvidas. A adoção desses métodos representa um passo importante na democratização do acesso à justiça e na melhoria da administração da justiça, especialmente levando em consideração o sobrecarregamento dos tribunais.

 


[1] CARNELUTTI, Francesco. Sistema del diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v.1.

[2] SANTOS, Boaventura de Sousa. Pelas mãos de Alice. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999

[4] Durante esse período, consolidou-se o chamado Estado de Bem-Estar Social, que legalizou vários direitos coletivos além das liberdades públicas fundamentais originadas das revoluções burguesas do século XVIII, prometendo saúde, educação e condições dignas de trabalho, entre outros valores.

[5] ALPA, Guido. Riti alternativi e tecniche di risoluzione stragiudiziale delle controversie di diritto civile. In: BESSONE, Mario (org.), L'attività del Giudice. Mediazione degli interessi e controllo delle attivitá. Torino: Giappichelli, 1997

[8] Artigos 300 até 310 do Código de Processo Civil de 2015.

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