Opinião

Cessão de tonelagem para afretamento de embarcações estrangeiras

Autores

  • Alessander Lopes Pinto

    é advogado vice-presidente da Associação de Brasileira de Direito Marítimo vice-presidente para o Brasil do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo e sócio sênior do LP LAW | Lopes Pinto Advogados.

  • Lucca Cortez

    é secretário executivo da seção brasileira do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo e advogado associado do LP LAW | Lopes Pinto Advogados Associados.

1 de julho de 2023, 11h24

A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) incluiu em sua agenda regulatória, para o biênio 2022/2024, a revisão das regras de cessão de tonelagem, possibilitando que empresas não-EBNs (empresas proprietárias de embarcações sem autorização da agência para operar como empresa brasileira de navegação) possam ceder a sua tonelagem para empresas brasileiras de navegação (EBNs) — item 2.2 da agenda regulatória.

Provocada por EBNs autorizadas a operar na navegação de apoio marítimo, o assunto foi enfrentado em duas ocasiões distintas pela agência. Em 2022, em um caso concreto, a Antaq decidiu que uma EBN poderia utilizar, em benefício próprio, a tonelagem de uma embarcação brasileira, fretada a casco nu, cedida por não-EBN.

A Antaq considerou que a não-EBN, proprietária da embarcação brasileira fretada a casco nu, era uma empresa do mesmo grupo econômico da EBN afretadora, tornando a cessão da sua tonelagem possível. Ainda que o § 6º, do artigo 4º, da Resolução Normativa 01/2015 (RN 01/2015) dispusesse, expressamente — entre outros critérios —, que a cessão de tonelagem deve ocorrer entre EBNs, a agência não identificou motivação legal ou regulatória que impedisse o deferimento do pleito de uso da tonelagem pela EBN afretadora de tal embarcação.

Em consequência, a EBN afretadora teve reconhecida, como parte integrante do total da sua tonelagem disponível, a tonelagem da embarcação brasileira que lhe foi fretada pela não-EBN, o que permitiu aumentar sua capacidade em afretar embarcações estrangeiras a casco nu, com a suspensão da bandeira de origem para o devido apontamento no Registro Especial Brasileiro (REB).

Em 2023, a Antaq se viu diante de um novo caso concreto similar ao anterior, no qual uma EBN autorizada a operar na navegação de apoio marítimo pretendia ter reconhecido o seu direito ao uso da tonelagem cedida por uma não-EBN, proprietária de embarcações de bandeira brasileira afretadas a casco nu. Nesse novo caso, contudo, as empresas envolvidas não faziam parte de um mesmo grupo econômico.

Em uma primeira análise, a agência entendeu que a não configuração de grupo econômico da EBN afretadora e da não-EBN — proprietária das embarcações — justificaria, per si, o indeferimento do pleito da EBN para a utilização da tonelagem das embarcações brasileiras afretadas a casco nu. Todavia, nos parece que o reconhecimento ao direito do uso da tonelagem de uma embarcação brasileira independe do fato da não-EBN e a da EBN afretadora pertencerem a um mesmo grupo econômico.

A tonelagem de uma embarcação é um ativo relevante e deve ser enxergada como ferramenta de política ao fomento do desenvolvimento, não apenas da indústria naval, mas do modal aquaviário e da bandeira brasileira como um todo. A tonelagem pertence, inicial e originalmente, à empresa proprietária da embarcação, sendo ou não uma EBN. Nesse sentido, se revela interessante a inovação legal trazida pela Lei nº 14.301/2022, que instituiu o BR do MAR e introduziu o conceito da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação.

Não há dúvida de que a tonelagem disponível em favor de uma EBN permite um aumento à sua frota por meio do afretamento a casco nu de embarcações estrangeiras, as quais terão a suspensão das suas bandeiras de origem e serão registradas no REB, passando, então, a arvorar a bandeira brasileira.

Quando há a suspensão da bandeira de origem, a tripulação da embarcação afretada é composta por marítimos brasileiros e o total de divisas remetidas para o exterior, a título de taxa de afretamento, é significativamente inferior aos valores remetidos por uma embarcação estrangeira afretada que continua a hastear a bandeira do seu país de origem e é tripulada, majoritariamente, por marítimos estrangeiros.

O REB, criado pela Lei nº 9.432/1997 e regulamentado no Decreto nº 2.256/1997, tem como objetivo a ampliação e o fomento do modal aquaviário e da frota de bandeira brasileira e não deve ser enxergado de forma restritiva como instrumento legal de fomento apenas à indústria naval nacional.

O último caso concreto analisado pela Antaq possibilitou expandir a discussão regulatória do tema junto às suas superintendências técnicas. Ao final, entendeu a agência que a simples não caracterização de grupo econômico entre a não-EBN proprietária e a EBN afretadora de embarcações de bandeira brasileira não justificaria entendimento diverso ao aplicado ao primeiro caso concreto e reconheceu, assim, o direito ao uso da tonelagem cedida pela não-EBN em favor da EBN afretadora.

As recentes decisões da agência e a inclusão do tema em sua agenda regulatória para o biênio 2022-2024 devem ser encarados como oportunidade para o aperfeiçoamento normativo a respeito da cessão de tonelagem. Mas para além da possibilidade da cessão da tonelagem de uma embarcação de propriedade de uma não-EBN, deve ser objeto de debate e revisão normativa a possibilidade de que a tonelagem de uma embarcação — seja esta de propriedade de uma não-EBN ou de uma EBN —, possa ser cedida para determinada EBN de forma autônoma, sem obrigatoriamente estar vinculada ao afretamento a casco nu da embarcação à qual pertence a tonelagem objeto da cessão. Deve ser considerado no estudo da agência a possibilidade da utilização da tonelagem como ativo autônomo e independente.

O reconhecimento da tonelagem como um ativo relevante para as EBNs converge com a política de incentivo ao transporte aquaviário, trazida na Lei 9.432/1997 e atualizada na Lei 14.301/2022, que possuem o objetivo inquestionável de estímulo à ampliação da frota de bandeira nacional. O aperfeiçoamento e atualização normativa a respeito da possibilidade de cessão de tonelagem precisam ser amplamente debatidas pela Antaq em conjunto com os atores do mercado no curso da agenda regulatória da agência para o biênio 2022/2024.

Autores

  • é advogado vice-presidente da Associação de Brasileira de Direito Marítimo, vice-presidente para o Brasil do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo e sócio sênior do LP LAW | Lopes Pinto Advogados.

  • é secretário executivo da seção brasileira do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo e advogado associado do LP LAW | Lopes Pinto Advogados Associados.

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