Opinião

Administração pública e inadimplência de servidores com operadoras de saúde

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30 de janeiro de 2023, 16h13

De forma genérica, trata-se o certame licitatório de processo administrativo para a contratação de bens e serviços que atendam à supremacia do interesse público, e deve seguir todas as leis afetas ao referido procedimento, de acordo com cada caso. Há diversos contratos administrativos em vigência que adotam como fonte legislativa principal a Lei Geral de Licitações, a Lei de nº 8.666/93 e, nos próximos anos, passará a ser visualizada na prática a maior utilização da Nova Lei Geral de Licitações, de nº 14.133/2021.

Acontece que, em que pese existirem normativas gerais e que devem ser aplicadas a todas as licitações, a depender do objeto, incidem na execução do contrato administrativo celebrado leis concernentes ao assunto. Dentre as situações, há a hipótese de licitação deflagrada por órgão público para a contratação de empresa especializada na prestação de serviço de assistência à saúde suplementar para servidores e funcionários da administração pública, o que pode ocasionar controvérsia entre as partes, devido as previsões contidas nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar, com a Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

De início, é de suma importância a compreensão de que um contrato privado, celebrado entre uma operadora de saúde e uma pessoa jurídica de direito privado, não se confunde com contratos administrativos celebrados com entes da administração pública e que, por essa razão, são regidos de acordo com preceitos e previsões próprias, normalmente estipuladas na referida Lei Geral de Licitações ou no Regimento Interno específico para o procedimento.

É a partir da compreensão da referida distinção que surge o entendimento de que a responsabilidade pelo adimplemento integral do contrato é da administração pública, afinal o instrumento está sendo celebrado entre a operadora e o órgão público e não de forma individual e privada com os servidores, estes são somente destinatários da prestação dos serviços contratos pelo ente público.

Tanto é verdade que, independentemente das exigências editalícias, é obrigação do ente público instaurar procedimento para aplicação de penalidade, imputar quaisquer das penalidades previstas na Lei de Licitações, suspender e rescindir o contrato administrativo, se comprovada a inexecução contratual. Além disso, o artigo 78, inciso XV, da Lei nº 8.666/93, é claro ao prever como hipótese de rescisão contratual ou de suspensão do cumprimento da execução contratual o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos, frise-se, pela Administração Pública:

"Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(…)
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação."

Nessa linha, mesmo que exista previsão contratual e até mesmo alguns normativos dos entes públicos, no sentido de que os valores dos planos serão adimplidos por meio retenção em folha dos beneficiários, é evidente que, em caso de inadimplência individual de algum servidor, seja por ausência de margem consignável ou por ausência de pagamento de boleto se assim o contrato dispor, deve a administração pública se responsabilizar pelo adimplemento do montante total. A ausência do pagamento integral, inclusive, poderá ensejar na suspensão geral dos serviços caso a mora ultrapasse os 90 dias previstos no artigo 78, inciso XV, da Lei 8.666/93.

Acontece que, não raro, na realidade prática, são visualizados inúmeros contratos administrativos celebrados com fulcro em editais de licitação elaborados equivocadamente pela administração pública e com previsões contrárias ao ora exposto, o que, infelizmente, somente é percebido quando o problema surge. Dessa forma, é de suma importância reforçar que, mesmo que o edital e o contrato administrativo vinculem as partes e o referido instrumento possua previsão claramente equivocada, em nenhuma hipótese a lei poderá ser descumprida ou colocada em "segundo plano", sob pena de que reste ferido de forma fatal o princípio básico da legalidade imposto pelo Artigo 3º da Lei nº 8.666/1993 [1] ou, ainda, pelo artigo 5º da Lei nº 14.133/2021 [2].

Desse modo, resta evidente que a responsabilidade pelo pagamento da administração pública em caso de inadimplemento individual de servidores no pagamento do plano de saúde é, frise-se, integral, sob pena de que o contrato administrativo seja suspendido de forma geral e incidam na realidade do caso concreto sérios problemas diante da seriedade do objeto prestado e que poderá ensejar, inclusive, a responsabilização dos administradores envolvidos.


[1] Art. 3º — A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

[2] Art. 5º — Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

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