Opinião

Mudanças nas concessões florestais podem incentivar a geração de créditos de carbo

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17 de janeiro de 2023, 19h16

No dia 27/12/2022, foi editada a Medida Provisória 1.151, que promoveu importantes alterações na Lei de Concessões Florestais (Lei Federal n. 11.284/2006). As mudanças buscam tornar mais atrativas e incentivar o uso da concessão florestal, instrumento econômico criado em 2006 para auxiliar na gestão sustentável das inúmeras florestas públicas existentes no território nacional, por meio da colaboração entre o poder público e o setor privado.

Apesar de as alterações terem sido veiculadas por Medida Provisória, mecanismo comumente criticado por não permitir uma discussão prévia e ampla com a sociedade, neste caso específico a maior parte das mudanças reflete discussões em curso na Câmara dos Deputados no âmbito do Projeto de Lei n. 5.518/2020. Este projeto já havia sido aprovado por três comissões naquela Casa e vinha tramitando em regime de urgência, tendo em vista a importância dada ao tema.

De modo a contribuir com o debate sobre assunto e com a sua adequada compreensão, buscamos apresentar e analisar adiante as principais novidades trazidas pela nova normativa.

Créditos de carbono: passa a ser possível incluir como objeto da concessão florestal o direito de comercializar crédito de carbono gerado a partir da unidade de manejo concedida, inclusive os decorrentes da emissão evitada em florestas naturais (REED+). Antes, somente era possível conceder os direitos sobre os créditos provenientes de reflorestamento de áreas degradadas ou convertidas para uso alternativo do solo, o que não vinha ocorrendo nas concessões já realizadas. Com a mudança feita, abre-se a porta para que o concessionário passe a contar com uma nova e relevante fonte de receita, tornando as concessões florestais mais atrativas.

Além de nortear futuras licitações, a Medida Provisória prevê que essa mudança poderá ser incorporada até mesmo aos contratos atualmente em vigor, desde que haja concordância expressa do poder concedente e do concessionário, sejam preservadas as obrigações financeiras assumidas e mantidas as obrigações de eventuais investimentos estabelecidos em contrato de concessão. Regulamento deve definir o procedimento para que isso seja feito. Já no caso das futuras licitações para novas concessões, os editais deverão indicar as regras que o futuro concessionário deverá seguir para explorar a comercialização desses créditos.

Produtos e serviços florestais: além do direito de comercializar crédito de carbono, a Medida Provisória prevê a possibilidade de inclusão de uma ampla gama de produtos e de serviços florestais não madeireiros como objeto da concessão, tais como: (1) serviços ambientais, atualmente definidos pela Lei Federal n. 14.119/2021; (2) acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado para fins de conservação, de pesquisa, de desenvolvimento e de bioprospecção, atividades regidas pela Lei Federal n. 13.123/2015; (3) restauração florestal e reflorestamento de áreas degradadas; (4) turismo e visitação na área outorgada; (5) atividades de manejo voltadas à conservação da vegetação nativa ou ao desmatamento evitado; e (6) produtos obtidos da biodiversidade local da área concedida.

Parte do que foi incluído, em tese, já poderia ser objeto de concessão — caso da visitação da área, de alguns serviços ambientais ou de produtos não madeireiros da biodiversidade —, tendo em vista a amplitude da definição de produtos e serviços florestais da Lei de Concessões Florestais [1]. Mas houve um maior detalhamento, o que pode dar maior segurança ao poder público no processo de definição do que será concedido. Outras atividades que passaram a ser permitidas não tinham previsão legal, como a restauração florestal, ou tinham sua inclusão expressamente vedadas, caso do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado.

Especificamente em relação a esta última, a Medida Provisória poderia ter detalhado melhor o que efetivamente será objeto de concessão, o que possivelmente terá que ser feito pelo regulamento. É que, considerando o que atualmente dispõe a Lei 13.123/2015, em regra não há mais necessidade de autorização da União para que essas atividades de acesso sejam desenvolvidas, diferente do que ocorria quando a Lei de Concessões Florestais foi editada. Assim — e tendo em vista que a Medida Provisória aparentemente não pretendeu isentar o concessionário do cumprimento das obrigações previstas na Lei 13.123/2015 — parece-nos que os únicos benefícios que o licitante vencedor poderá obter nesse cenário serão a (1) possibilidade de coleta e realização de pesquisa em unidades de conservação, sem a necessidade de nova concordância da União ou da autorização prevista na Lei 9.985/2000, e/ou (2) isenção da autorização prevista no artigo 13 da Lei 13.123/2015. A anuência da União para essas atividades será dada no momento de assinatura do contrato de concessão.

Licenciamento ambiental: a Medida Provisória deixou claro que o licenciamento ambiental para o desenvolvimento das atividades pelo concessionário se dará por meio da análise e aprovação do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), compatibilizando a Lei de Concessões Florestais com o Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012). Com isso, elimina-se a discussão quanto à necessidade de obtenção de licença prévia e de operação para essas atividades, como previsto inicialmente na Lei de Concessões Florestais.

Vale observar que o Código Florestal, que foi editado após a Lei de Concessões Florestais, já havia estabelecido que o licenciamento de atividades de exploração de florestas nativas e formações sucessoras se daria dessa forma, ou seja, mediante análise e aprovação de PMFS. Contudo, como não tinha havido expressa alteração da referida Lei de Concessões, pairavam dúvidas sobre a possibilidade de aplicação desse novo procedimento também em seu contexto. A alteração eliminou qualquer possibilidade de questionamento.

Plano de Outorga Florestal: atualmente, o plano de outorga florestal, que define as áreas passíveis de concessão florestal, deve ser elaborado anualmente. A Medida Provisória permite que o Poder Executivo altere essa periodicidade para cada 4 anos, caso entenda conveniente, com prazos compatíveis com o Plano Plurianual. Essa medida pode reduzir o custo e o tempo gasto para elaboração de sucessivos planos, muitas vezes sem maiores alterações e sem efetiva utilização para a concessão de unidades de manejo, apenas para cumprir uma exigência legal. Com isso, libera-se importantes recursos humanos e materiais do Serviço Florestal Brasileiro para outras atividades relevantes.

Desistência: buscou-se tornar mais previsível e melhor regulamentado o processo de desistência da concessão para o concessionário não mais interessado, estabelecendo que o Poder Executivo deve regulamentá-lo. Além disso, retirou-se da Lei de Concessões Florestais a previsão de que a desistência seria ato irrevogável e irretratável. Avanço ainda maior poderia ter sido alcançado se tivesse havido expressa previsão da possibilidade de convocação dos demais licitantes em caso de desistência, como está previsto no já mencionado PL nº 5.518/2020, em trâmite na Câmara dos Deputados, o que poderia viabilizar, de forma mais célere, a continuidade da concessão sem a realização de novo processo licitatório.

Licitações: em relação à licitação, a Medida Provisória promoveu algumas alterações meramente redacionais, como a substituição da menção à antiga Lei de Licitações (Lei Federal n. 8.666/93) pela nova (Lei Federal nº 14.133, de 2021), e outras substanciais, como a expressa possibilidade do somatório dos quantitativos de cada consorciado para a aferição da capacidade técnica. Em sua redação original, a Lei de Concessões Florestais exigia que cada consorciado comprovasse individualmente a capacidade exigida.

Outro ponto interessante é que, diante da entrada em vigor da nova Lei de Licitações e de sua expressa menção na Lei de Concessões Florestais, a regra passa a ser que a fase de julgamento preceda a de habilitação no processo licitatório das concessões florestais, diferente do que ocorria com a Lei Federal nº 8.666/93. Essa inversão das fases do processo licitatório era inclusive um aperfeiçoamento pretendido pelo já mencionado PL nº 5.518/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, e tem como benefício um ganho de eficiência no processo licitatório, tanto que passou a ser a regra na nova Lei de Licitações.

Contratos vigentes: a lei permite que os contratos de concessão em vigor sejam beneficiados com as alterações da Medida Provisória, desde que os seguintes requisitos sejam preenchidos: I – haja concordância expressa do poder concedente e do concessionário, conforme regulamento da respectiva esfera de Governo; II – sejam preservadas as obrigações financeiras perante a União; e III – sejam mantidas as obrigações de eventuais investimentos estabelecidos em contrato de concessão. Isso permite, por exemplo, a ampliação do objeto dos contratos vigentes para incluir outros produtos e serviços, tornando-os mais atrativos para os concessionários. Regulamento deve definir o procedimento específico para que essas alterações contratuais sejam feitas.

Relação com outras modalidades de concessão em unidade de conservação: a Lei de Concessões Florestais permite a concessão envolvendo unidades de manejo localizadas no interior de unidades de conservação, especialmente — mas não exclusivamente — do tipo floresta nacional, estadual ou municipal. O foco neste caso é a delegação do direito de manejar as florestas públicas para o concessionário.

Contudo, a Lei 11.516/2007 também permite que o poder público conceda outros serviços, áreas ou instalações de unidades de conservação para a exploração de atividades de visitação voltadas à educação ambiental, à preservação e conservação do meio ambiente, ao turismo ecológico, à interpretação ambiental e à recreação em contato com a natureza. Neste caso, a legislação de regência é a Lei Geral de Concessões (Lei Federal nº 8.987/95), não a Lei de Concessões Florestais, pois o objeto é distinto. Essa possibilidade vem sendo bastante utilizada, por exemplo, para a concessão em parques nacionais pela União.

A Medida Provisória não apenas reconhece expressamente a existência desses dois modelos de concessão distintos envolvendo unidade de conservação, mantendo a sua vigência, como passa a permitir, também para este último, que o poder público inclua no objeto da concessão o direito de o concessionário desenvolver e comercializar créditos de carbono e serviços ambientais, decorrentes de: I – redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa; II – manutenção ou aumento do estoque de carbono florestal; III – conservação e melhoria da biodiversidade, do solo e do clima; ou IV – outros benefícios ecossistêmicos, conforme a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Essa medida ampliará a possibilidade de geração de crédito de carbono a partir de ativos de titularidade do poder público por meio da gestão em colaboração com o setor privado.

Cabe ao poder público analisar com parcimônia qual a modalidade de concessão mais adequada para cada situação, se a da Lei Geral ou a da Lei de Concessões Florestais, com especial atenção para preservação de direitos de outras partes interessadas que podem ser impactadas. É o caso, por exemplo, das comunidades tradicionais que residem nas unidades de conservação ou seu entorno.

As mudanças trazidas nos parecem alvissareiras e capazes de realmente facilitar o uso da concessão florestal pelo poder público e aumentar a sua atratividade para o setor privado. Apenas para se ter uma ideia do potencial ainda não explorado nessa área, de acordo o Plano de Outorga Florestal de 2023, o Cadastro Nacional de Florestal Públicas registra um total de 309.436.585 hectares distribuídos em florestas públicas federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal. Atualmente, em âmbito federal, estão concedidos apenas 1,269 milhão de hectares de florestas públicas. Ainda que nem toda essa área cadastrada seja passível de concessão por razões técnicas ou jurídicas, é inegável que ainda existe um substancial espaço a ser ocupado pelo instrumento, especialmente em um cenário de crise fiscal como o vivido atualmente, no qual a gestão direta dessas áreas pelo poder público tende a se tornar ainda mais deficiente por falta de recursos.

O texto da Medida Provisória, publicado durante o recesso parlamentar, seguiu para o Congresso Nacional. Sua análise deve ocorrer no prazo de 60 dias, contados a partir de 2/2/2023, quando se inicia a sessão legislativa, podendo ser prorrogado por igual período, nos termos do artigo 62, §7º da Constituição Federal.

 


[1] Art. 3º (…)III – produtos florestais: produtos madeireiros e não madeireiros gerados pelo manejo florestal sustentável; IV – serviços florestais: turismo e outras ações ou benefícios decorrentes do manejo e conservação da floresta, não caracterizados como produtos florestais.

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