Opinião

Quem cala consente? O silêncio como declaração de vontade nos negócios jurídicos

Autores

  • Rodrigo Elian Sanchez

    é advogado sócio fundador do escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados especialista em Processo Civil pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

  • Vanessa Barbosa Freitas

    é advogada no escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados.

16 de janeiro de 2023, 7h18

O silêncio vale como manifestação de vontade? A ausência de resposta poderia ser considerada como manifestação de anuência ou recusa?

Para a existência de negócios jurídicos, quatro elementos são necessários: exteriorização de vontade, agente, objeto e forma. Já os requisitos de validade, nada mais são que adjetivação dos elementos de existência: a) exteriorização de vontade livre e de boa-fé; b) agente capaz e legitimado; c) objeto lícito, possível e determinável; e, d) forma prescrita ou não defesa em lei.

Ou seja, é relevante para formação das relações negociais a vontade expressada pela individuo, não sua intenção. Em regra, a vontade interna do agente, se não exteriorizada, pode produzir efeitos de foro íntimo, jamais jurídicos [1].

No caso do silêncio puro e simples, o que se tem é uma ausência de manifestação de vontade. O silêncio por si só é o nada, não tem valor algum. Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa "quem cala não nega, mas também não afirma" [2].

Sobre o silêncio, o legislador brasileiro ao elaborar o artigo 111 do Código Civil/2002, assim dispôs: "O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa".

Entretanto, a interpretação da vontade extraída do silêncio pode dar margem a equívocos. Assim, como diferenciar o silêncio inerte, passivo, o silêncio da falta de agir, do silêncio "não falar" intencional; este último forma de comportamento do qual pode ser extraído uma manifestação de vontade?

É dificílima tal distinção, motivo pelo qual o silêncio somente produzirá efeitos quando acompanhado de outras circunstâncias ou condições, como usos e costumes do lugar de celebração do negócio, convenção das partes ou quando a própria lei determinar, conforme ressalvado pelo artigo 111 do CC.

Logo, por ser a vontade interna do indivíduo de difícil valoração, entende-se que o silêncio como manifestação de vontade é uma exceção.

O ordenamento, dessa forma, visa evitar imposições jurídicas aos indivíduos em decorrência da ausência de manifestação de vontade, do contrário "uma parte poderia aproveitar-se de outra, se tal fosse válido, pelo fato de o declaratário ser tímido, ter pouca diligência, ou não ter conhecimentos necessários para a manifestação de vontade" [3].

É de se destacar que a lei prevê hipóteses de aceitação tácita no caso do silêncio, como acontece na aceitação da herança, em que a vontade pode ser tacitamente manifestada pelos atos do herdeiro (artigo 1.805 do CC), ou quando a lei estabelece presunções de vontade para certas condutas, como, por exemplo, ocorre na doação, quando se presume do silêncio do donatário, sua vontade em aceitá-la (artigo 539 do CC).

Do mesmo modo, em casos de locação de imóvel, o silêncio pode ser entendido pelas partes como exteriorização tácita de vontade para prorrogar a locação por prazo indeterminado, nos termos dos artigos 46, §1º e 50 da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). Neste caso, ao silêncio se soma o comportamento ativo do locatário em permanecer no imóvel e do locador em não ofertar oposição à continuidade da relação negocial.

Excepcionalmente, o silêncio também pode ser interpretado como manifestação tácita de vontade, por disposição contratual [convenção particular]. É o caso, por exemplo, de existir previsão no contrato de locação de imóvel, pela qual o silêncio pode ser entendido pelas partes como exteriorização tácita de vontade para renovação "automática" do prazo de vigência, por igual período.

Ou seja, o silêncio pode gerar aceitação tácita, quando as partes estabelecem cláusula contratual pela qual se dará efeitos jurídicos ao silêncio.

Salienta-se que o comportamento das partes é fator relevante para dar ao silêncio efeitos jurídico ou não. Em uma relação contratual recorrente, o silêncio de uma das partes pode significar para a outra uma inequívoca declaração de vontade, em virtude de comportamento anterior e demais circunstâncias concretas do negócio. Nesse caso, seria necessário manifestação expressa para não seguir com a relação contratual.

Tal circunstância está ligada, inclusive, a proteção da confiança e da boa-fé objetiva. Arthur Abbade Tronco [4] cita exemplo bastante elucidativo: imagine que dois sujeitos, "A" e "B", têm relação continuada de negócios, de modo que "A", fornecedor de "B", está ciente de que todos os meses deve enviar mercadorias encomendadas, sem a necessidade de pedidos; entretanto, "B" entra em contato, em um respectivo mês, para avisar que não pagará pelas mercadorias, pois não as encomendou expressamente. Em tal caso, o silêncio de "B" era usualmente sinal de que desejava receber mercadorias, motivo pelo qual seu silêncio gerou a legítima expectativa em "A". Desse modo, o silêncio de "B" não o desvinculará da obrigação de pagar pelas mercadorias, diante da vedação ao venire contra factum proprio.

Ainda segundo Arthur Abbade Tronco [5], o fenômeno da suppressio e surrectio também tem aplicação nos casos de silêncio. Podemos imaginar que "C" e "D" estejam negociando entre si pela primeira vez e dão início às tratativas comerciais. Em determinado momento, "C" envia proposta por e-mail ao "D". O envio da proposta faz surgir para "D" direito potestativo de aceitação. As coisas esfriam e "D" deixa o assunto de lado, dando atenção a questões mais urgentes, deixando a oferta de "C" sem resposta por um longo período (exemplo 50 dias). Diante do prolongado silêncio de "D", "C" entende que "D" perdeu o interesse no negócio e entra em negociação com "E". Porém, neste momento, "D" responde a oferta, aceitando-a. Em razão do silêncio continuado, operou-se a suppressio ao direito potestativo de aceitação, de modo a desobrigar "C", permitindo-lhe negociar com "E".

Conclusão
Em suma, em razão do ordenamento jurídico objetivar a manutenção da segurança nas relações jurídicas, e considerando a ambiguidade do silêncio como manifestação de vontade, apenas excepcionalmente o silêncio tem valor legal.

Grosso modo, de forma excepcional, o silêncio poderá significar exteriorização de vontade (positiva ou negativa, isto é, de anuência ou de recusa), desde que se verifique no caso concreto elemento apto a qualificá-lo como volitivo. Os elementos que detém essa aptidão são: a) prévia convenção entre as partes; b) previsão legal; c) usos e costumes; e, d) circunstâncias do caso concreto.

 


Bibliografia

ANDRADE, Érico. O silêncio no ato e no negócio jurídico. Revista Brasileira de Estudos Políticos, páginas 99/118. Disponível em <https://pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/70/68>. Acesso em 08.dez.2022.

CICIVIZZO, Flávio Augusto. O silêncio como manifestação de vontade. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2013-fev-06/flavio-cicivizzo-silencio-manifestacao-vontade>. Acesso em 08.dez.2022.  

FERRIANI, Adriano. Quem cala consente? Disponível em <https://www.migalhas.com.br/coluna/civilizalhas/185168/quem-cala-consente>. Acesso em 12.dez.2022.  

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral— 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TRONCO, Arthur Abbade. O silêncio gerador de efeitos jurídicos: uma análise de direito privado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dissertação de metrado, 2017. Disponível em <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-10122020-220756/en.php>. Acesso em 12.dez.2022.  

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

 


[1] ANDRADE, Érico. O silêncio no ato e no negócio jurídico. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Disponível em <https://pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/70/68>. Acesso em: 08.dez.2022,pgs. 100/101.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 376.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Ob. Cit. p. 378

[4] TRONCO, Arthur Abbade. O silêncio gerador de efeitos jurídicos: uma análise de direito privado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dissertação de metrado, 2017. Disponível em <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-10122020-220756/en.php>. Acesso em 12.dez.2022. pg. 39.

[5] TRONCO, Arthur Abbade. Ob. Cit. pg. 39.

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