Opinião

ESG, diversidade na empresa e advocacia trabalhista

Autores

  • Graziella Ambrosio

    é advogada psicóloga doutora em Psicologia pela USP e mestre em Direito pela PUC-SP.

  • Roberto Wakahara

    é doutor e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Trabalho Saúde e Ambiente pela Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro) e auditor-Fiscal do Trabalho.

15 de janeiro de 2023, 6h31

O grande tema que envolve a parte social do ESG (Environmental, Social and Governance) na área trabalhista atualmente é a questão da diversidade na empresa.

Nos grandes eventos da área trabalhista realizados no ano de 2022 em que se discutiu ESG, o tema mais abordado foi o da diversidade, especialmente no que tange a gênero, raça e orientação sexual.

A empresa moderna precisa de diversidade, seja por uma normatividade sobre o tema que parece cada vez mais próxima, seja por uma necessidade de mercado. Ela se constitui em uma necessidade de mercado, porquanto os consumidores estão cada vez mais atentos a empresas que respeitam a diversidade. Escândalos de misoginia, assédio sexual e racismo podem causar estragos vultosos para uma marca.

Assim, os advogados trabalhistas empresariais devem estar atentos neste momento acerca do tema. É preciso realçar o caráter preventivo que a adoção de uma política de diversidade assertiva pode trazer para a empresa.

Embora a esmagadora atuação dos advogados trabalhistas se dê no setor contencioso, no qual são discutidas situações pretéritas, alegando se o Direito foi desrespeitado ou não, a questão da diversidade apresenta uma importante face preventiva para a empresa, destacando a importância do setor consultivo trabalhista empresarial. A adoção de uma estratégia adequada sobre ESG e diversidade pode evitar que a empresa gaste valores vultosos em processos trabalhistas, sem contar no ganho de imagem e até mesmo de valor de mercado que uma empresa socialmente responsável pode desfrutar.

Isso porque a diversidade não deve ser analisada apenas como uma questão estanque, que não se relaciona com outros institutos do Direito do Trabalho. Ela transpassa por diversos outros institutos. Afinal, a diversidade é instrumento que reduz o espaço de opressão dentro do ambiente de trabalho, com importantes reflexos em questões como assédio moral, assédio sexual e doenças psíquicas, situações que poderiam facilmente dar causa a inúmeras reclamatórias trabalhistas.

Segundo estudo da consultoria McKinsey & Company [1] realizado com 3.900 empregados dos mais variados níveis organizacionais de empresas localizadas em diversos países da América Latina, incluindo o Brasil, a existência de diversidade em cargos gerenciais incrementava o índice de saúde organizacional da empresa Organizational Health Index (OHI), com reflexos na felicidade ao se trabalhar e na retenção de talentos. Enquanto nas empresas nas quais não havia diversidade apenas 31% dos entrevistados se declaravam felizes ao trabalhar, esse índice era de 63% nas empresas nas quais havia diversidade.

Ora, se o dobro de pessoas está feliz, não é difícil imaginar que o nível de absenteísmo em decorrência de depressão seja menor. Da mesma forma, não é difícil supor que a quantidade de reclamatórias trabalhistas em virtude de questões psicológicas também seja reduzida.

Segundo outro estudo da McKinsey & Company [2], as empresas com maior diversidade de gênero no quartil superior, ou seja, nos cargos gerenciais de maior importância, tinham 21% mais chances de apresentar resultados acima da média do mercado do que as empresas com menor diversidade.

Ou seja, a efetiva diversidade em cargos gerenciais trazia nítida melhoria para o ambiente de trabalho e para os resultados da empresa.

Note-se, portanto, que, para a melhoria do ambiente organizacional, a diversidade não pode ocorrer apenas nos níveis mais baixos da pirâmide organizacional. É preciso que mulheres, negros e pessoas integrantes da comunidade LGBTQIA+ tenham efetivamente voz dentro das organizações e isso só é alcançado quando chegam a ocupar, de forma equitativa, cargos em todos os níveis hierárquicos das empresas.

Ou seja, os tetos de vidro precisam ser quebrados. Tetos de vidro são aquelas barreiras invisíveis que limitam a ascensão de determinados grupos discriminados nas empresas, afastando-as dos cargos de chefia e postos de direção [3].

Mas não basta que apenas uma pessoa rompa o teto de vidro. Caso contrário, haverá um isolamento total da figura que ultrapassa o teto de vidro. Aliás, segundo os professores Edward H. Chang e Katherine L. Milkman [4], ter apenas uma mulher em um grupo é por vezes até mais prejudicial ao clima do grupo do que não ter nenhuma, situação que pode agravar os desafios relacionados à questão de gênero. Em ambiente em que apenas uma mulher, um negro ou um integrante da comunidade LGBTQIA+ seja nomeado chefe, é muito mais fácil que o grupo de homens brancos e heterossexuais se una contra essa pessoa e passe a fazer uma campanha negativa sobre seus feitos, tornando-a em exemplo de fracasso, com o intuito de que tal tipo de nomeação não seja repetida pela direção da empresa.

Quando uma mulher, um negro ou um integrante da comunidade LGBTQIA+ é nomeado gerente de uma equipe, sendo um caso isolado e não uma política empresarial, casos de assédio moral ascendente podem vir a acontecer. Preconceitos arraigados na sociedade podem aflorar.

No entanto, quando existem diversas mulheres nomeadas gestoras, diversas pessoas negras e diversos integrante da comunidade LGBTQIA+ nos postos de destaque, havendo equilíbrio de gênero, raça e orientação sexual nos diversos níveis do organograma, o assédio moral tanto ascendente como descendente diminui.

Por isso que é preciso que em todos os níveis gerenciais e operacionais, essa representatividade e essa diversidade estejam espelhadas. Ou seja, não basta que seja nomeado um negro em um cargo de direção dentro de uma instituição para que instantaneamente a redução da desigualdade seja sentida. Trata-se de uma medida que deve ser adotada em todos os níveis.

A alegação de que a meritocracia restaria prejudicada com a imposição de situações afirmativas não se sustenta.

Estudos demonstram que embora as mulheres tenham mais anos de estudo continuam com posições inferiores se comparadas aos homens na maioria dos organogramas empresariais. Ademais quando uma seleção é realizada, sabendo-se de antemão o sexo do candidato a tendência de se escolher homens é reforçada, coisa que não acontece quando a seleção ocorre às cegas. Exemplo impressionante é o do processo seletivo das orquestras norte-americanas [5]. Até 1970, a escolha era feita por meio de audições nos quais os selecionadores viam os candidatos. Nessa época a participação de mulheres na composição das orquestras era da ordem de 10%. Com a adoção do sistema de audição às cegas, o resultado mudou completamente, e hoje 40% das pessoas que integram as orquestras norte-americanas são mulheres.

Outro caso interessante é narrado por Edward H. Chang e Katherine L. Milkman [6]. Afirmam que o professor Frank Flynn da Universidade de Stanford conduziu um estudo em sala de aula sobre uma empresária chamada Heidi Roizen. À metade do grupo foi apresentada uma narrativa sobre a empresária Heidi Roizen. À outra metade, foi apresentada a mesma narrativa, apenas alterando-se o nome da empresária para o nome masculino Howard Roizen. Quando solicitados a dar suas impressões sobre Roizen, os alunos que leram sobre Heidi foram muito mais duros do que aqueles que leram sobre Howard; eles também classificaram Heidi como sendo menos competente, menos eficaz, menos agradável e menos contratável do que Howard. Essas avaliações pareciam ser motivadas pelo quanto os alunos não gostavam da personalidade agressiva de Heidi, embora aparentemente não se intimidassem com a personalidade agressiva de Howard. Apesar de ter um registro idêntico, o homem foi julgado muito mais favoravelmente do que a mulher porque o caso em consideração violou as expectativas das pessoas sobre como uma mulher deveria agir.

Assim, via de regra, a meritocracia não passa de um estereótipo.

Portanto, para melhorar o ambiente empresarial é necessário que haja mais diversidade e representatividade em todos os níveis gerenciais da empresa.

Mas como fazer isso? Qual é o método pelo qual se pode atingir equidade e diversidade?

Embora existam outros modelos, o modo mais assertivo é a implantação de ações afirmativas com metas, cotas e prazos para implementação. Elas trazem efetividade aos programas de ESG que nenhum outro instrumento é capaz.

Não é por outra razão que a professora da Universidade Georgetown, Alicia E. Plerhoples, afirma que o enfrentamento do racismo nas empresas não se mostrou suficiente até hoje [7]. As empresas tiveram décadas para se autorregularem, mas pouco fizeram para introduzir uma quantidade significativa de negros em cargos de destaque dentro das companhias. Há, portanto, uma necessidade de estipulação de metas claras.

Outra estudiosa do tema que defende a introdução de cotas para cargos de alta gestão é Rachel Maia, uma das primeiras mulheres negras a se tornar CEO de uma grande companhia no Brasil. Para ela, as cotas devem estipular um percentual inicial em um primeiro momento e ir aumentando ano após ano até se atingir a equidade [8].

Assim, a atuação da advocacia nesse contexto pode ser um interessante campo de trabalho, seja na elaboração e implantação de um plano empresarial ou setorial de inclusão das pessoas pertencentes aos grupos discriminados, ou até mesmo na redação e celebração de um acordo ou convenção coletiva.

É bem verdade que tais questões não parecem ter sido bem exploradas pelos sindicatos ao longo dos anos, salvo raras exceções. Não é por outra razão que Laís Wendel Abramo [9] acentua que o movimento sindical latino-americano não incorporou de forma suficiente, nas suas estratégias de ação, a questão de discriminação de gênero. Em seus estudos, quando a questão de gênero foi abordada, o enfoque foi destinado fundamentalmente à proteção da maternidade, tanto que 50% das cláusulas sobre gênero tratavam desse tema. Apenas 3,7% das cláusulas de gênero tratavam da não discriminação e da promoção da igualdade de oportunidades, sendo que a grande maioria era meramente programática, mera repetição legal. Eram escassos os casos nos quais se abordava a criação de um grupo de estudos. E em nenhum deles houve a estipulação de uma cota ou de uma meta. Ou seja, não existem mecanismos efetivos nas convenções coletivas que imponham limites objetivos de quantitativos de mulheres em cargos de direção, por exemplo, ou que a dispensa coletiva seja equitativa entre os gêneros. Segundo a autora, essa problemática também é reflexo do androcentrismo, que também impera no movimento sindical, no qual as reivindicações levam em conta o conceito de homem médio.

Assim, talvez seja uma oportunidade para o sindicato se reinventar. Trata-se de tema que pode trazer visibilidade, além de mobilizar parte significativa da base e atrair novas associadas.

Além dos planos empresariais e setoriais e da negociação coletiva, acreditamos que a edição de alguma norma impondo um quantitativo esteja muito próxima no Brasil, razão pela qual a empresa que já tiver iniciado o seu processo estará em vantagem em relação às demais. Veja que existem normas no exterior mais assertivas e regras do mercado financeiro que já parecem estipular cotas.

Note-se, por exemplo, que, na legislação espanhola, conforme explicam Maria Antonia Castro Argüelles e Iván Antonio Rodriguez Cardo [10], existe a obrigatoriedade de empresas de médio e grande porte instituírem um Plano de Igualdade, no qual devem tratar das questões de gênero. O Plano deve ser confeccionado conjuntamente por representantes de empregador e empregados e em ambos os lados a quantidade de homens e mulheres precisa ser equitativa. Um dos requisitos mais elementares do Plano de Igualdade é identificar os quantitativos de trabalhadores e trabalhadoras por funções e remuneração dentro a empresa, fornecendo uma visão geral a todos os envolvidos de como a empresa trata a questão de gênero. A necessidade de reduzir as disparidades mostra-se um dos pontos principais do plano. Atualmente, o Plano de Igualdade está previsto no Real Decreto nº 901/2020 e é obrigatório para empresas com mais de 50 empregados.

Outra normatividade que merece destaque vem do mercado financeiro. A B3 está prestes a lançar sua norma para aumentar a diversidade de gênero e a participação de grupos sub-representados na alta liderança das companhias listadas na Bolsa [11]. Após a discussão ocorrida em 2022 (na qual restou identificado que 61% das companhias listadas pela Bolsa não tinham uma mulher sequer entre seus diretores estatutários), a expectativa é que essa norma seja publicada agora no primeiro semestre de 2023. De acordo com a proposta de norma, a previsão é que as empresas brasileiras de capital aberto tenham ao menos uma mulher e um integrante de comunidade sub-representada (pessoas pretas ou pardas, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência) em seu conselho de administração ou diretoria estatutária. Note-se que a regra desenhada pela B3 tem os mesmos contornos da regra aplicada pela Nasdaq [12].

Assim, se a própria B3 entende que somente a cota pode mudar o cenário, não é difícil imaginar que entidades setoriais, entidades sindicais, e até mesmo o legislador sigam o mesmo caminho.

Interessante notar que a iniciativa pioneira em âmbito mais amplo sobre a estipulação de cotas para mulheres, negros, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência não foi realizada pelo legislador, tampouco no âmbito da negociação coletiva trabalhista, mas pelo órgão que representa o mercado financeiro por excelência, a Bolsa de Valores.

Diante de tudo o que foi apresentado, entendemos que a empresa que sair na frente, elaborar um plano com metas claras e já adotar as medidas necessárias para implantar a diversidade em todos os níveis hierárquicos poderá gozar de um cenário com menor número de reclamações trabalhistas por assédio moral, assédio sexual e doenças psíquicas. Poderá ainda evitar eventuais processos judiciais por descumprimento de futuras cotas que sejam estipuladas. Ela também gozará de melhor valor perante o mercado, eis que empresas socialmente irresponsáveis tendem a ser cada vez mais “canceladas” pelos consumidores.

Por fim, acreditamos que a questão da diversidade não parece ser um modismo, mas representa uma nova tendência no mundo do trabalho e a empresa que mais rapidamente se ajustar a esse novo cenário terá vantagem.

 


[1] BRAZIL JOURNAL. Empresas que adota a diversidade são mais saudáveis, felizes e rentáveis. Disponível em: https://braziljournal.com/brands/empresas-que-adotam-a-diversidade-sao-mais-saudaveis-felizes-e-rentaveis/ Acesso em: 2 de jan. 2023.

[2] ÉPOCA NEGÓCIOS. Empresas com maior diversidade cultural e de gênero são mais lucrativas mostra estudo. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Vida/noticia/2018/01/empresas-com-maior-diversidade-cultural-e-de-genero-sao-mais-lucrativas-mostra-estudo.html Acesso em: 2 de jan. 2023.

[3] BARROS, Alice Monteiro de. Cidadania, relações de gênero e relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, nº 77, p. 67-83, jan./jun. 2008.

[4] CHANG, Edward H.; MILKMAN, Katherine L. Improving decisions that affect gender equality in the workplace. Organizational Dynamics, v. 49, nº 1, p. 100709, 2020.

[5] CHANG, Edward H.; MILKMAN, Katherine L. Op. cit.

[6] CHANG, Edward H.; MILKMAN, Katherine L. Op. cit.

[7] PLERHOPLES, Alicia E. ESG & Anti-Black Racism. University of Pennsylvania Journal of Business Law, v. 24, nº 4, p. 909-932, 2022.

[8] FECOMÉRCIO. Empresa estará "fora do jogo" se não der importância ao social do ESG. Disponível em: https://www.fecomercio.com.br/um-brasil/materias/empresa-estara-fora-do-jogo-se-nao-der-importancia-ao-social-do-esg Acesso em: 2 de jan. 2023.

[9] ABRAMO, Laís Wendel. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? 2007. 327 f. Tese (Doutorado em Sociologia)  Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

[10] ARGÜELLES, María Antonia Castro; CARDO, Iván Antonio Rodríguez. Infracciones y sanciones en materia de igualdad en el ámbito de las relaciones laborales. Revista del Ministerio de Trabajo e Inmigración, Madri, n. 78, 2008, p. 277.

[11] B3. Mulheres seguem distantes dos cargos de alta liderança das empresas de capital aberto, apesar de avanço pontual em 2022. Disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/estudo-mulheres-na-alta-lideranca.htm. Acesso em: 2 de jan. 2023.

[12] Nasdaq. Nasdaq Board Diversity Rule: what NASDAQ-listed companies should know. Disponível em: https://listingcenter.nasdaq.com/assets/Board%20Diversity%20Disclosure%20Five%20Things.pdf Acesso em: 2 de jan. 2023.

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