Direito Digital

Chat GPT: fim da linha para os advogados? (parte 1)

Autor

  • Milton Pereira de França Netto

    é pesquisador do Legal Grounds Institute doutorando em Direito na linha de Cidadania Digital pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) mestre em Direito pelo Centro Universitário Cesmac e advogado.

13 de janeiro de 2023, 16h29

"Olá!" — uma simples pergunta inaugura o diálogo. De forma instantânea, emerge a réplica: "Olá! Como posso ajudá-lo hoje?". Aos olhos comuns, uma interação trivial. Small talk, como diriam os americanos. Porém, em tempos de irrefreáveis avanços tecnológicos, a conversa transcende o mundano, diante da condição peculiar do notório interlocutor. Trata-se do modelo ChatGPT, que ocupou o noticiário high tech nas últimas semanas, ao gerar, de maneira automatizada, textos customizados de alta qualidade, sob os mais variados propósitos.

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Com breves comandos, artigos acadêmicos e redações escolares são instantaneamente confeccionados, assim como matérias jornalísticas, e-mails de trabalho, currículos profissionais e códigos de programação. Músicas e poesias podem ser compostas em segundos. Até mesmo, cantadas de namoro e votos de casamento estão no alcance da ferramenta.

O chatbot de inteligência artificial (IA) constitui o principal produto da série GPT (Generative Pre-Trained Transformer) — atualmente em sua versão 3.5 —, composta por grandes modelos de linguagem (Large Language Models — LLM). Estes simbolizam a evolução na área do Processamento de Linguagem Natural — PLN (Natural Language Processing — NLP) [1], ao viabilizarem a articulada produção dos conteúdos mencionados.

Por trás da empreitada, situa-se a Open AI, empresa de pesquisa e implementação que tem como enfoque assegurar que soluções de Inteligência Artificial Geral (Artificial General Intelligence – AGI), presentes em "sistemas acentuadamente autônomos que superam os humanos na maioria dos trabalhos econômicos", beneficiem toda a humanidade [2].

Após ganhar notoriedade durante o lançamento da rede neural profunda DALL·E 2, treinada para produzir elaboradas imagens artísticas a partir de descrições textuais [3], a startup avaliada em US$ 14 bilhões — a serem dobrados no futuro imediato[4] — vem causando frenesi com o chatterbot, gratuitamente disponibilizado ao público no final de 2022.

Ciente das capacidades generativas do ChatGPT, a presente coluna se vale do aforismo "conhece-te a ti mesmo", encravado no templo grego de Delfos, para examinar os meandros desse novo oráculo virtual.

1. "Conte-me sobre você, robô…"
Perguntas diretas constituíram os prompts fornecidos ao modelo, que, em troca, ofereceu respostas elucidativas acerca de seu funcionamento e de suas limitações. Reserva-se especial atenção para as possíveis obsolescências profissionais em curso pela expansão de seu uso, especialmente no âmbito do Direito, diante do recente alarde a respeito do surgimento do "primeiro advogado-robô do mundo" [5], aparelhado pelo instrumento em questão.

Sendo assim, uma dupla de questões dá prosseguimento ao bate-papo narrado ao início.

Autor: Você poderia se apresentar em poucas palavras?

ChatGPT: Claro! Meu nome é Assistente e sou um grande modelo de linguagem treinado pela OpenAI. Estou aqui para ajudar a responder as suas questões e fornecer informações sobre uma ampla gama de tópicos. Eu também posso armazenar conversações com você e tentar o meu melhor para entender o que você está dizendo e responder apropriadamente.

Autor: Legal! Como você funciona?

ChatGPT: Sou um programa de computador projetado para processar e gerar textos semelhantes aos (textos) humanos. Tenho sido treinado a partir de um conjunto de dados de milhões de páginas da web e posso gerar respostas para uma ampla variedade de inputs. Eu não tenho acesso à Internet e não pesquiso na web, então o meu conhecimento é baseado exclusivamente no que fui treinado.[6]

Com impressionante fluidez, o Assistente pode deixar a condição de objeto de estudo e converter-se em (auto) estudioso. Respostas precisas ilustram um – ainda pouco arranhado – potencial, proveniente das especificidades de seu treinamento.

Autor: Você poderia descrever os seus aspectos técnicos?

ChatGPT: Certamente! Sou um modelo de linguagem baseado em rede neural que foi treinado usando uma técnica chamada de aprendizado não supervisionado. Isso significa que não fui explicitamente programado com nenhuma informação sobre o mundo ou recebi exemplos rotulados para aprender. Em vez disso, fui treinado para prever a probabilidade de ocorrência de uma sequência de palavras em um conjunto de dados de texto compilado a partir de uma ampla variedade de fontes na Internet. Ao aprender a prever quais palavras provavelmente seguirão outras palavras, posso gerar um texto com estilo e conteúdo semelhantes aos dados de treinamento. Também posso responder a perguntas e manter conversas usando essa compreensão aprendida da linguagem e os padrões que ela segue.

Para tanto, a Open AI recorre à arquitetura de rede neural "Transformer", desenvolvida pelo Google para a compreensão de linguagem, tida como um aperfeiçoamento perante a classe das Redes Neurais Recorrentes (Recurrent Neural Networks – RNN) — até então menos céleres na leitura de palavras e com mais etapas para a tomada de decisões [7]. Tal aparato incorpora um mecanismo de auto atenção (self-attention) a seus passos, que dinamiza a varredura por relações entre os termos de uma sentença.

Após estes serem comparados entre si, recebem "pontuações de atenção" (attention scores), denotadoras de quanto impactam a representação dos demais. Ao final, as médias dos pesos adentram uma rede conectada para gerar novas representações de palavras, acelerando a predição dos elementos textuais subsequentes numa conversa.

Malgrado o crescente interesse pelo ChatGPT — já acessado por mais de um milhão de usuários — tenha motivado mobilizações por parte do Google, sob às ordens do CEO Sundar Pichai, a substituição de seu tradicional mecanismo de busca por um análogo robô não parece iminente. Dentre as razões coibidoras da repaginação, sobressaem-se a inaptidão de programas do tipo para veicular anúncios publicitários e a indesejada capacidade de gerar resultados discriminatórios, discurso de ódio e desinformação [8].

Ciente de tais consequências negativas, a Open AI alerta os usuários ao decorrer do acesso inicial, por meio de janela pop-on, de que o "sistema pode ocasionalmente gerar informações incorretas ou enganadoras e produzir conteúdo ofensivo ou enviesado", acrescentando que "ele não se destina a dar conselhos" e "não deve ser alimentado com informações sensíveis". Alertas complementares sobre a coleta de dados, feedbacks de respostas e exemplos de comandos também são disponibilizados, assim como são mencionadas as capacidades (e.g. lembrar o que foi dito anteriormente) e limitações (e.g. conhecimento reduzido do mundo e de eventos ocorridos após o ano de 2021) do invento [9].

A adoção de salvaguardas éticas pela empresa a fim de coibir os problemas mencionados tem importância, mas se mostra insuficiente para lidar com um tópico controverso.

2. "Não tome nossos empregos, robô!"
De forma crescente, a angústia por eventuais obsolescências profissionais resultantes da automatização de tarefas vem permeando o imaginário coletivo. Em recente artigo do jornal The Atlantic, Daniel Herman, professor na área de ciências humanas de uma high school na Califórnia, avalia os impactos do ChatGPT sobre o ensino. O docente pondera que a ferramenta "pode sinalizar o fim das atividades de redação por completo — e, talvez, até mesmo o fim da escrita como uma guardiã, uma métrica para a inteligência, uma habilidade ensinável" [10].

Dessarte, acrescenta que os textos gerados pelo programa superam a vasta maioria da produção de seus alunos na faixa dos 16 aos 18 anos, para então destacar a desenvoltura da IA ao confeccionar cartas admissionais para faculdades e seleções de emprego. A elaboração de um paper delineador de paralelos entre grandes obras literárias, antes tida como uma forma de avaliação "inhackeável" pelos estudantes, também foi cumprida com facilidade pela máquina [11].

Como esperado, instalaram-se represálias a essa "ameaça" tecnológica. O Departamento de Educação da cidade de Nova York determinou a restrição do acesso ao ChatGPT por meio de dispositivos ou redes de Internet vinculadas à instituição. Como justificativa, a porta-voz Jenna Lyle destacou os receios de deterioração do aprendizado, insegurança e imprecisão do conteúdo, emitindo a declaração (no mínimo) precipitada de que a ferramenta "não desenvolve habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas, essenciais para os sucessos acadêmico e ao longo da vida" [12].

Questionado sobre o assunto, o modelo deflete os temores em face da consolidação imediata de uma inteligência artificial forte, frisando o seu alinhamento a incumbências de teor específico.

Autor: Você acha que acabará substituindo os humanos em certas atividades?

ChatGPT: Existe a possibilidade de que modelos de linguagem como eu possam ser usados para automatizar certas tarefas que atualmente exigem trabalho humano. Por exemplo, eu poderia ser usado para gerar conteúdo escrito automaticamente, como artigos de notícias ou publicações em mídias sociais, ou para responder a consultas de atendimento ao cliente. No entanto, é importante observar que sou uma ferramenta projetada para realizar tarefas específicas e não tenho a capacidade de pensar, sentir ou experimentar as coisas da mesma maneira que os humanos. Sempre haverá certas tarefas e responsabilidades que só podem ser realizadas por humanos, e é improvável que modelos de linguagem como eu sejam capazes de substituir totalmente as habilidades e capacidades únicas da mente humana.

Ponderações semelhantes tangenciam o domínio do Direito, historicamente ávido por alternativas atenuadoras de extensos acervos processuais nos tribunais e facilitadoras do acesso à justiça. O assunto veio à tona com a recente notícia do suposto aparecimento de um causídico “diferenciado”.

 

Autores

  • é pesquisador do Legal Grounds Institute, mestre em Direito pelo Centro Universitário (Cesmac), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e advogado.

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