Opinião

A assessoria jurídica nas contratações públicas hospitalares: algumas vertentes

Autor

8 de janeiro de 2023, 11h32

A Lei nº 14.133/2021 trouxe impactantes mudanças em relação à atuação do órgão de assessoramento jurídico. Diferentemente da Lei nº 8.666/93, que fazia alusão ao órgão de assessoramento jurídico apenas uma vez, a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos deu especial atenção à advocacia pública, destacando-a para atividades relevantes no aperfeiçoamento do regime jurídico da contratação pública.

Especificamente no âmbito da gestão pública hospitalar, as relações jurídicas são ainda mais complexas, uma vez que se está, diariamente, diante de um emaranhado de situações urgentes, emergenciais e que demandam a tomada de decisões administrativas quase que instantâneas, o que eleva ainda mais a importância de ter uma assessoria jurídica capacitada e preparada para mitigar os riscos e evitar as agruras atávicas ao mundo nebuloso das contratações públicas.

Por isso, de maneira muito breve e sintética, resolvi elencar seis vertentes da atuação da assessoria jurídica no peculiar mundo das contratações públicas hospitalares (obviamente, sem qualquer pretensão de verdade universal, tampouco de esgotar o assunto), a fim de nortear aqueles que, eventualmente, optem por ingressar nessa difícil (porém, gratificante) atividade.

1) A primeira vertente é o chamado controle prévio da legalidade das contratações, aí incluídos o exame jurídico do procedimento como um todo e a apreciação de instrumentos como Termos de Referência, Editais, Ata de Registro de Preços, Contratos, Termos de Cooperação, Adesões, Termos Aditivos, Contratações Diretas, dentre outros, a fim de verificar se a elaboração das minutas foi realizada em consonância com a legislação de regência, bem como certificando-se que a motivação das decisões administrativas foi feita de forma explícita, clara e congruente;

2) A segunda vertente é o manuseio da "legalidade funcional", ou seja, a legalidade que funciona, cabendo à Assessoria Jurídica apresentar ao gestor os caminhos juridicamente válidos, delimitando, com segurança jurídica, o espaço de discricionariedade administrativa na tomada da decisão, porém, evidentemente, sem deixar de dialogar com a realidade dos fatos, observando-se as "consequências práticas da decisão", na linha do disposto no artigo 20 da Lindb;

3) A terceira vertente é a orientação dos gestores sobre o que, de fato, é motivar. Não é incomum notar solicitações de aquisições ou contratações de serviços, por exemplo, com justificativas genéricas ou com pouco grau de detalhamento e que acabam por ensejar questionamentos por parte dos órgãos de controle. 

Importante ressaltar que, no Direito Administrativo, "motivo" e "motivação" não se confundem. O "motivo" diz respeito ao pressuposto de fato ou de direito que autoriza ou determina a expedição do ato. A "motivação", por sua vez, é a exposição dos motivos de forma explícita, clara e congruente, e avulta como uma dimensão relevante do elemento forma do ato administrativo;

4) A quarta vertente (e talvez a mais importante) é o fortalecimento do planejamento estratégico e dos mecanismos de gestão de riscos — o planejamento, inclusive, foi elevado à categoria de princípio na Nova Lei de Licitações e Contratos —, e significa, grosso modo, o dever de tentar antever ações futuras, abrangendo, inclusive, eventos não relacionados diretamente à atuação administrativa, de modo a orientar os gestores a adotar as providências mais adequadas e satisfatórias para a realização das finalidades pretendidas.

Um exemplo bastante ilustrativo dessa vertente, notadamente no campo da gestão pública hospitalar, diz respeito à necessidade de evitar, sempre que possível, as contratações diretas por dispensas de licitação, muito comuns em hospitais públicos em razão do caráter emergencial das questões de saúde pública.

Aliás, sendo comprovado que uma contratação direta, ainda que emergencial, decorreu de falta de planejamento e/ou desídia administrativa, é possível que haja a responsabilização do gestor no campo administrativo e até mesmo criminal, de modo que a assessoria jurídica deve estar atenta para instruir os administradores públicos a evitar que tais situações aconteçam.

5) A quinta vertente é a facilitação do diálogo entre a gestão e os órgãos de controle. Quem vive a administração pública diariamente nota um imenso gap entre a "realidade acontecida", dos gestores, e a "realidade pensada", dos órgãos de controle. Explica-se.

É que os órgãos de controle, na maior parte das vezes, desconhecem os meandros da atuação administrativa, sobretudo hospitalar, que exige ações quase que imediatas a fim de salvaguardar a saúde dos pacientes destinatários do serviço público. É o que chamo de "realidade pensada". Os órgãos de controle partem da premissa de que "aquilo que eu não pensei, não existe no mundo dos fatos". Mas existe.

Por outro lado, os gestores partem da premissa da "realidade acontecida", ou seja, aquilo que, de fato, acontece no dia a dia da instituição, porém, acabam esquecendo que os atos administrativos praticados precisam ser compreendidos pelos órgãos de controle. Daí a imprescindibilidade de motivar, conforme mencionado no item 3.

Nesse diapasão, cabe à assessoria jurídica buscar reduzir esse gap entre a "realidade acontecida" e a "realidade pensada", aproximando os gestores das orientações dos órgãos de controle e facilitando a interlocução interinstitucional.

6) A sexta vertente é o combate ao oportunismo contratual (efeito hold up) nas contratações públicas. Muitas vezes a gestão pública hospitalar se encontra em verdadeiras "sinucas de bico" em suas contratações. Situações de premente necessidade, como as vividas em um hospital público, ensejam a ocorrência de condutas oportunistas por parte de empresas privadas, que optam por adotar estratégias não cooperativas (para não dizer fraudulentas).

Um destes fenômenos é o chamado hold up, em tradução literal "tomar como refém", que ocorre justamente em contextos nos quais o poder de barganha está concentrado em um dos agentes devido ao risco iminente de descontinuidade do serviço.

Exemplo ilustrativo (e não raro no dia a dia da gestão pública hospitalar) é o de se ter apenas uma empresa no mercado que oferece um serviço que, sem o qual, as atividades do hospital seriam interrompidas ou, no mínimo, gravemente afetadas. A tendência é que o agente privado eleve o preço excessivamente. De outro lado, tem-se os órgãos de controle emitindo alertas de responsabilização, contudo, sem apontar a solução para o problema.

Nesse diapasão, a assessoria jurídica, em conjunto com os gestores (e por que não com os órgãos de controle?) deve buscar mecanismos para garantir que o interesse público do caso concreto seja atendido, com segurança jurídica e sem que haja dano aos cofres públicos.

Esses são apenas alguns dos pilares que demonstram que uma assessoria jurídica forte é fundamental ao bom andamento da gestão pública hospitalar. Preserva e agrega valor à organização, contribuindo fundamentalmente para a realização de suas metas de desempenho, objetivos e cumprimento de sua missão institucional e social, representando muito mais do que um mero instrumento de controle.

Por fim, ao auxiliar no cumprimento da missão, a principal beneficiária do trabalho da assessoria jurídica nas contratações públicas hospitalares é a própria sociedade, que, financiadora e destinatária das políticas públicas, espera que a ação governamental seja eficiente, eficaz, transparente, ética e transformadora.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!