Opinião

Extensão da coisa julgada no caso do litisconsórcio unitário ativo facultativo

Autor

  • Cristhian Ferreira Oliveira Sousa

    é graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) membro de diversos grupos e laboratórios de pesquisa da instituição e estagiário de nível superior do TJES designado no gabinete da 5ª Vara da Fazenda Pública de Vitória Comarca da Capital.

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27 de fevereiro de 2023, 18h15

Prima facie, sem critério objetivo de escolha da ordem de apresentação das doutrinas comparadas, iniciando pelo escrito da imortal professora Ada Pellegrini Grinover na Revista de Processo, salta à vista a transição do alcance da coisa julgada de Chiovenda para os demais processualistas italianos, ou seja, a formação de coisa julgada entre as partes para efeitos da coisa julgada para terceiros. Outrossim, ao retratar a evolução da posição doutrinária, professora Ada Pellegrini Grinover descreve que "os processualistas italianos acompanharam o caminho aberto por Chiovenda", todavia, a leitura das chamadas peculiaridades acrescentadas pelos doutrinadores se inclina a aberração da coisa julgada de Chiovenda. 

Explicativamente, desenvolvendo-se o pensamento do doutrinador exposto por Grinover, há formação de coisa julgada entre as partes, vez que há preclusão dos recursos cabíveis em face da sentença definitiva, não podendo, segundo Chiovenda, haver prejuízo a terceiros (usaremos o conceito exacerbadamente amplo de terceiro como sendo aquele que não consta efetivamente no processo como parte, ou seja, não provocou ou foi provocado pela jurisdição) pelo assentamento do julgado. Logo, em esforço cognitivo para determinar o que Chiovenda quis, de fato, expressar com julgado, terminamos com duas possibilidades: ou o doutrinador se refere à sentença, isto é, a possibilidade da eficácia sentencial atingir terceiros juridicamente interessados, ou à coisa julgada. Ato contínuo, visto que o Chiovenda expressamente trata da formação da coisa julgada entre as partes (grifo), seria desarrazoado considerar a extensão da coisa julgada a terceiros, em parcial dicção com o artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época, onde o dispositivo esclareceu que "a sentença faz coisa julgada entre as partes, entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros". Portanto, notabilizando que o Chiovenda trata, em realidade, da possibilidade da extensão dos efeitos da sentença a terceiros, chega-se num impasse patente com a legislação processual à época, visto que, além de não criar coisa julgada para terceiros, também não propiciava proveitos (além, obviamente, dos prejuízos do julgado) para terceiros, e não à toa essa posição foi revista no artigo 506 do Código de Processo Civil de 2015, descrevendo que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros", ou seja, o benefício antes expressamente vedado pela legislação processual se tornou possível por ausência de proibitiva. Disso, extraímos três coisas: 1) em razão do interesse jurídico existente na tutela jurisdicional emanada por demanda da parte e o terceiro, a sentença pode aproveitar a terceiros; 1.a) observamos isso em execuções individuais de títulos judiciais oriundos de ações coletivas, marcadas pela legitimidade extraordinária para representação dos interesses dos terceiros pela parte, havendo transporte in utilibus da coisa julgada para as pretensões executivas dos terceiros (aproveitamento benéfico); 2) a formação de coisa julgada só ocorre entre as partes, não havendo óbice para que terceiro juridicamente interessado seja beneficiado com a sentença e a formação da coisa julgada do título judicial, entretanto, exerça o direito de ação e provoque a jurisdição em qualquer das hipóteses cabíveis; 3) há doutrinariamente confusão entre o instituto da coisa julgada, fenômeno processual que atinge a demanda posta à apreciação da jurisdição, e a sentença, ato potestativo do poder de império estatal que declara, constitui ou desconstitui relações jurídicas, ou fazem cumprir o pleito proposto, com fundamento na soberania da jurisdição; 3.a) não é o assentamento do julgado que o faz exequível e eficaz, haja vista que inexistindo causa suspensiva ou anulabilidade do ato judicial, o provimento se torna plenamente subsistente por essência de ser, ainda que num estado provisório pendente de trânsito em julgado. 

Destarte, por essas razões são absurdas as comparações entre Chiovenda e Redenti (estende a plenitude da coisa julgada a terceiros), Segni (abrange, inclusive a autoridade do julgado a terceiro juridicamente interessado que não participou, teve contraditório ou foi extraordinariamente representado, tese criticada por Liebman), Carnelutti e Betti (criaram relação de dependência entre as partes e terceiros para poderem estender os efeitos da coisa julgada, desconsiderando que o interesse jurídico existe entre os terceiros e a demanda, que pode interferir na esfera de direitos, não necessariamente entre terceiros e partes, como ocorre no caso da legitimidade extraordinária). 

Tratando do tema específico, se o litisconsórcio unitário ativo necessário sem presença dos demandantes exigidos e o cerceamento do direito de ação se mostrou problemático, o crítico (com razão) Heitor Sica traz preocupações consideráveis sobre o litisconsórcio unitário ativo facultativo, onde há homogeneidade da decisão prolatada e o demandante é colegitimado opcional para propor a ação (diferentemente do necessário, neste a legitimidade para propor a ação não está adstrita à presença mútua de todos os litisconsortes), ou seja, cuida-se de analisar se, no que diz respeito à eficácia da sentença, os efeitos poderiam ser estendidos (questão 1) a terceiro colegitimado (mesmo em caso de prejuízo), se formaria coisa julgada para o terceiro colegitimado (mesmo em caso de prejuízo), ou o demandado teria que se defender seguidamente em processos distintos contra diferentes demandantes (questão 2). Trata-se, portanto, dos limites subjetivos da coisa julgada. 

Na entendimento do Heitor Sica, o primeiro obstáculo seria estender a coisa julgada prejudicial ao terceiro, mas isso não seria realmente um obstáculo, tendo em vista o dissertado anteriormente, isto é, os efeitos podem ser estendidos, mas apenas no caso de benefício. Posteriormente, o segundo obstáculo seria a inevitabilidade de afirmar a existência de coisa julgada, levando-se em consideração as demandas sucessivas que poderiam ser propostas em face do demandado, mesmo que houvesse a este sentença favorável e derrocada da instante pretensão autoral no primeiro processo (resultado prático da não extensão dos efeitos subjetivos da coisa julgada), todavia, ao falarmos desse defeito, falamos de um problema prático de aplicação do desconsenso doutrinário acerca da coisa julgada litisconsorcial, uma excepcionalidade à extensão da coisa julgada — a definição de coisa julgada não se limita à "precisamos falar em formação de coisa julgada material, porque necessitamos suprimir a multiplicação de ações com unicamente diferenciação de demandante" (interlocução exemplificativa). Logo, a única alternativa lúcida seria não ter que sequer decidir sobre esses limites da coisa julgada, ou seja, negar a existência de litisconsórcio unitário ativo facultativo e o juiz, de ofício, determinar a mera notificação daqueles que devam constar no polo ativo da demanda, sob pena de suportar com os prejuízos da coisa julgada. 

Depreende-se, portanto, que isso não violaria a não extensão do prejuízo da coisa julgada a terceiro, tendo em vista que, se citado e não desejar ser incluído, haverá preclusão lógica do direito de ação. Ademais, o segundo problema destacado pelo Heitor Sica, a incompatibilidade existente entre o direito material e a relação jurídico-processual também não vinga, considerando que o direito de demandar individualmente, no caso do litisconsórcio unitário facultativo ativo (reafirmo não deve existir), é oriundo de direito material subsistente em um plano de direito completamente distinto, embora vinculado pela pretensão subjetiva. Percebamos, porquanto, que o único objetivo da prestação da tutela jurisdicional é ser chamada para aplicar a lei, quando necessária e por quem for devido e legítimo para tal. Ora, sendo estendida a coisa julgada material aos colegitimados e sendo requeridos para figurar no mesmo processo, temos que não há omissão na inclusão litisconsorcial, e sendo estendidos, também, os efeitos, não haveria supressão da eficácia da sentença ou multiplicação de demandas alternativas repetitivas diante do trânsito em julgado. Por fim, tornamos às lições de José Carlos Barbosa Moreira, simplificadas e racionalizadas por Ada Pellegrini Grinover, ou seja, "se a várias pessoas reconhece a lei qualidade para impugnar em juízo um mesmo ato (nesse caso, como todos os doutrinadores centrais aqui comparados, ele se refere à anulação de ato societário), por meio de ações que (…) compõem a figura o concurso próprio subjetivo, a sentença que acolha o pedido de uma dessas pessoas, eliminando o ato não pode deixar de valer para aquelas e continuar valendo para estas". 

 

Referências bibliográficas

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Três velhos problemas do processo litisconsorcial à luz do CPC/2015. REVISTA DE PROCESSO. p. 65-86. 2016. 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. GEN. [T] COISA JULGADA: EXTENSÃO SUBJETIVA. p. 273-294. 2015. 

GRINOVER, Ada Pellegrini. Coisa julgada erga omnes, secundum eventum litis e secundum probationem. REVISTA DE PROCESSO. p. 9-21. 2005.

JUNIOR, Fredie Souza Didier. Curso de Direito Processual Civil (vl. 1). Editora JusPodivm. 2022.

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  • é graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), membro de diversos grupos e laboratórios de pesquisa da instituição e estagiário de nível superior do TJES designado no gabinete da 5ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, Comarca da Capital.

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