Extensão da coisa julgada no caso do litisconsórcio unitário ativo facultativo
27 de fevereiro de 2023, 18h15
Prima facie, sem critério objetivo de escolha da ordem de apresentação das doutrinas comparadas, iniciando pelo escrito da imortal professora Ada Pellegrini Grinover na Revista de Processo, salta à vista a transição do alcance da coisa julgada de Chiovenda para os demais processualistas italianos, ou seja, a formação de coisa julgada entre as partes para efeitos da coisa julgada para terceiros. Outrossim, ao retratar a evolução da posição doutrinária, professora Ada Pellegrini Grinover descreve que "os processualistas italianos acompanharam o caminho aberto por Chiovenda", todavia, a leitura das chamadas peculiaridades acrescentadas pelos doutrinadores se inclina a aberração da coisa julgada de Chiovenda.
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Destarte, por essas razões são absurdas as comparações entre Chiovenda e Redenti (estende a plenitude da coisa julgada a terceiros), Segni (abrange, inclusive a autoridade do julgado a terceiro juridicamente interessado que não participou, teve contraditório ou foi extraordinariamente representado, tese criticada por Liebman), Carnelutti e Betti (criaram relação de dependência entre as partes e terceiros para poderem estender os efeitos da coisa julgada, desconsiderando que o interesse jurídico existe entre os terceiros e a demanda, que pode interferir na esfera de direitos, não necessariamente entre terceiros e partes, como ocorre no caso da legitimidade extraordinária).
Tratando do tema específico, se o litisconsórcio unitário ativo necessário sem presença dos demandantes exigidos e o cerceamento do direito de ação se mostrou problemático, o crítico (com razão) Heitor Sica traz preocupações consideráveis sobre o litisconsórcio unitário ativo facultativo, onde há homogeneidade da decisão prolatada e o demandante é colegitimado opcional para propor a ação (diferentemente do necessário, neste a legitimidade para propor a ação não está adstrita à presença mútua de todos os litisconsortes), ou seja, cuida-se de analisar se, no que diz respeito à eficácia da sentença, os efeitos poderiam ser estendidos (questão 1) a terceiro colegitimado (mesmo em caso de prejuízo), se formaria coisa julgada para o terceiro colegitimado (mesmo em caso de prejuízo), ou o demandado teria que se defender seguidamente em processos distintos contra diferentes demandantes (questão 2). Trata-se, portanto, dos limites subjetivos da coisa julgada.
Na entendimento do Heitor Sica, o primeiro obstáculo seria estender a coisa julgada prejudicial ao terceiro, mas isso não seria realmente um obstáculo, tendo em vista o dissertado anteriormente, isto é, os efeitos podem ser estendidos, mas apenas no caso de benefício. Posteriormente, o segundo obstáculo seria a inevitabilidade de afirmar a existência de coisa julgada, levando-se em consideração as demandas sucessivas que poderiam ser propostas em face do demandado, mesmo que houvesse a este sentença favorável e derrocada da instante pretensão autoral no primeiro processo (resultado prático da não extensão dos efeitos subjetivos da coisa julgada), todavia, ao falarmos desse defeito, falamos de um problema prático de aplicação do desconsenso doutrinário acerca da coisa julgada litisconsorcial, uma excepcionalidade à extensão da coisa julgada — a definição de coisa julgada não se limita à "precisamos falar em formação de coisa julgada material, porque necessitamos suprimir a multiplicação de ações com unicamente diferenciação de demandante" (interlocução exemplificativa). Logo, a única alternativa lúcida seria não ter que sequer decidir sobre esses limites da coisa julgada, ou seja, negar a existência de litisconsórcio unitário ativo facultativo e o juiz, de ofício, determinar a mera notificação daqueles que devam constar no polo ativo da demanda, sob pena de suportar com os prejuízos da coisa julgada.
Depreende-se, portanto, que isso não violaria a não extensão do prejuízo da coisa julgada a terceiro, tendo em vista que, se citado e não desejar ser incluído, haverá preclusão lógica do direito de ação. Ademais, o segundo problema destacado pelo Heitor Sica, a incompatibilidade existente entre o direito material e a relação jurídico-processual também não vinga, considerando que o direito de demandar individualmente, no caso do litisconsórcio unitário facultativo ativo (reafirmo não deve existir), é oriundo de direito material subsistente em um plano de direito completamente distinto, embora vinculado pela pretensão subjetiva. Percebamos, porquanto, que o único objetivo da prestação da tutela jurisdicional é ser chamada para aplicar a lei, quando necessária e por quem for devido e legítimo para tal. Ora, sendo estendida a coisa julgada material aos colegitimados e sendo requeridos para figurar no mesmo processo, temos que não há omissão na inclusão litisconsorcial, e sendo estendidos, também, os efeitos, não haveria supressão da eficácia da sentença ou multiplicação de demandas alternativas repetitivas diante do trânsito em julgado. Por fim, tornamos às lições de José Carlos Barbosa Moreira, simplificadas e racionalizadas por Ada Pellegrini Grinover, ou seja, "se a várias pessoas reconhece a lei qualidade para impugnar em juízo um mesmo ato (nesse caso, como todos os doutrinadores centrais aqui comparados, ele se refere à anulação de ato societário), por meio de ações que (…) compõem a figura o concurso próprio subjetivo, a sentença que acolha o pedido de uma dessas pessoas, eliminando o ato não pode deixar de valer para aquelas e continuar valendo para estas".
Referências bibliográficas
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Três velhos problemas do processo litisconsorcial à luz do CPC/2015. REVISTA DE PROCESSO. p. 65-86. 2016.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. GEN. [T] COISA JULGADA: EXTENSÃO SUBJETIVA. p. 273-294. 2015.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Coisa julgada erga omnes, secundum eventum litis e secundum probationem. REVISTA DE PROCESSO. p. 9-21. 2005.
JUNIOR, Fredie Souza Didier. Curso de Direito Processual Civil (vl. 1). Editora JusPodivm. 2022.
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