Em conferência da Unesco, Barroso defende regulamentação da internet
25 de fevereiro de 2023, 15h01
Em palestra na conferência global da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) "Internet for trust" (internet confiável), ocorrida na quinta-feira (23/2) em Paris, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso defendeu a regulamentação da Internet que, entre outras medidas, crie mecanismos de controle interno e externo das plataformas de mídia social.
Para o ministro, a responsabilização das plataformas por conteúdo de terceiros de seguir algumas regras, tais como:
- em caso de conteúdo criminoso, as plataformas devem fazer a devida diligência para identificá-lo e removê-lo (exemplos no texto da palestra abaixo);
- em caso de clara violação de direitos de terceiros, as plataformas devem remover o conteúdo após serem notificadas pela parte interessada;
- em caso de dúvida razoável, a remoção do conteúdo deve ser feita após a primeira ordem judicial.
Para o ministro, nessa guerra da verdade contra a mentira, do bem contra o mal, a defesa da liberdade de expressão não pode se converter em arbitrariedade. É preciso encontrar um equilíbrio para proteger a liberdade de expressão contra os males da desinformação e do discurso de ódio, sem que se abra as portas para a censura.
Leia a palestra completa do ministro Barroso:
Visão do futuro
I. Introdução
1. Agradeço muito o convite. É um prazer e uma honra estar aqui.
II. Próximos passos
1. Penso que esta conferência consolidou algum consenso:
a) Desinformação, discurso de ódio, assassinato de reputações e teorias da conspiração, viabilizados pela Internet e mídia social, se tornaram sérias ameaças à democracia e aos direitos humanos.
b) As incorretamente chamadas “fake news” têm servido como uma ferramenta decisiva para o extremismo, reforçando a polarização, promovendo a intolerância e, enfim, a violência.
Por essa razão, precisamos renovar a reforçar a ideia da democracia militante, bem como as preocupações de não ser tolerante com os intolerantes.
c) Já se foi o tempo em que a crença dominante era a de que a internet deveria ser “aberta, gratuita e não-regulamentada”.
2. A internet precisa ser regulamentada: (i) por razões econômicas, para permitir a tributação justa, pela lei antitruste e a proteção do direito autoral, por exemplo; (ii) para proteger a privacidade e evitar o uso inapropriado de dados que as plataformas digitais coletam de todos os seus usuários; e (iii) para combater comportamento inautêntico coordenado, bem como o conteúdo ilícito e a desinformação.
Comportamento inautêntico coordenado significa o uso de meios automatizados – bots, perfis falsos e agentes provocadores – para espalhar desinformação.
3. Uma vez feito o diagnóstico, é preciso agir. O primeiro passo é conscientizar governos, plataformas e a sociedade civil sobre a urgência de tais medidas. E tentar ajudá-los no que têm de fazer.
III. Como regulamentar
1. A regulamentação deve ser feita em três níveis diferentes: a) Regulamentação governamental, com uma estrutura geral que contenha os princípios e as regras básicas; b) autorregulamentação, com termos claros de uso e padrões comunitários, para serem executados com transparência, devido processo, justeza e auditoria; c) autorregulamentação regulada, transferindo às plataformas uma boa parcela de responsabilidade pela execução da regulamentação aplicável, minimizando a interferência do governo.
As grandes plataformas devem ter um organismo de controle interno (semelhante ao Conselho de Supervisão do Facebook). E deve haver um organismo independente para monitoramento e controle externo, composto por representantes do governo (sempre uma minoria), plataformas, sociedade civil e meio acadêmico.
2. Responsabilização da plataforma por conteúdo de terceiros deve ser razoável e proporcional. Penso que as seguintes regras devem ser consideradas:
a) Em caso de claro comportamento criminoso, tal como pornografia infantil, terrorismo e incitação a crimes, as plataformas devem ter o dever de diligência, para usar todos os meios possíveis para identificar e remover tal conteúdo, independentemente de provocação;
b) Em casos de clara violação de direitos de terceiros, tais como compartilhamento de fotos íntimas sem autorização e violação de direitos autorais, entre outros, as plataformas devem remover o conteúdo após serem notificadas pela parte interessada;
c) Entretanto, em casos de dúvida, em áreas de penumbra em que pode haver dúvida razoável, a remoção deve ocorrer após a primeira ordem judicial.
IV. Educação da mídia
1. Além da regulamentação, autorregulamentação e controles internos e externos, manter um ambiente saudável na esfera pública representada pelas plataformas digitais depende da educação da mídia e da conscientização das pessoas. A circulação de notícias falsas é frequentemente ocasionada de maneira não intencional por usuários das plataformas que reproduzem mensagens recebidas inadvertidamente.
2. Algumas pessoas subestimam a educação da mídia, mas penso que, junto com a necessária regulamentação, ela é indispensável. Na minha juventude, nos anos 70, víamos placas nas ruas e estradas que diziam “Proibido jogar lixo”. Naquela época, as pessoas eram educadas para não jogar lixo nas ruas e estradas. Hoje em dia, não vemos mais essas placas e muitas pessoas não jogam lixo. Jogar lixo é um comportamento residual.
Conclusão
Em sua apresentação ontem, Maria Ressa disse corretamente que as três palavras-chave nesse debate são fatos, verdade e confiança. É sobre isso que falamos. No fundo, estamos enfrentando uma guerra da verdade contra a mentira, da confiança contra o descrédito, do bem contra o mal. O maior problema é que o mal algumas vezes se disfarça de bem – pretendendo ser liberdade de expressão – e o bem irá correr o risco de ser pervertido, se ele se converter em arbitrariedade. O equilíbrio apropriado aqui é vital, de forma que a necessária proteção da liberdade de expressão contra os males da desinformação e do ódio não abra as portas para a censura.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!