Opinião

São Sebastião criou código ambiental em 1992 e só acumula condenações desde lá

Autor

  • Paulo Affonso Leme Machado

    é professor no Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista) professor convidado na Faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Limoges na França professor de graduação e pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade Metodista de Piracicaba e autor do livro Direito Ambiental Brasileiro.

24 de fevereiro de 2023, 17h07

Choveu intensamente no município de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, Brasil, no último fim de semana.. As encostas deslisaram, arrastando pessoas e casas que estavam ali construídas, com dezenas de mortes e muitas pessoas desaparecidas. Necessário que se aborde esse tristíssimo acontecimento sob o prisma do Direito, para analisar-se a obrigação de prever o desastre e apontar-se a responsabilidade jurídica pela ocorrência.

Rovena Rosa/Agência Brasil
Rovena Rosa/Agência Brasil

A Constituição de 1988 determina: "Artigo 21. Compete à União: (…) XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; (…)".

A locução "calamidades públicas", tem um conteúdo mínimo: as secas e as inundações fazem parte das calamidades públicas. Para enfrentá-las há a obrigação de ser estruturada a defesa civil, cuja legislação é de competência privativa da União (artigo 22, XXVIII da Constituição). A Defesa Civil visa a proteger a sociedade como um todo, incluindo cada pessoa e o corpo social, inclusive a parte material da sociedade  edifícios privados ou públicos, quaisquer que sejam.

A política nacional de proteção e de defesa civil abrange as ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Deve integrar-se às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável (Lei 12.608/2012).

A referida Lei emprega o termo "desastre", pelo menos, 56 vezes. Algumas, no sentido de situação de desastre e, a maioria das vezes, como risco de desastre. O Decreto 7.257/2010 conceitua desastre como "resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais".

A Lei comentada tem uma característica marcante: o desastre pode e deve ser prevenido. Não é preciso a ocorrência do perigo de desastre, que comportaria a produção de uma prova robusta. Basta o risco de desastre, que, mesmo incerto, obriga a evitar as prováveis consequências de um fenômeno natural ou advindo da ação ou omissão humana.

A Lei 12.608 é incisiva ao afirmar que "a incerteza quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da situação de risco" (artigo 2º, §2º). Pela lei brasileira sobre desastres não é necessário que se tenha uma prova incontestável de que o desastre possa ocorrer, basta ocorrer o risco de desastre para que as medidas de prevenção sejam tomadas. A afirmação de que vivemos numa sociedade de risco não pode conduzir-nos a aceitar passivamente a submissão a riscos que afrontam o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que violam sistematicamente o direito à sadia qualidade de vida. Não se tem o direito de esperar a ocorrência de desabamentos e de mortes para que, só então, sejam tomadas providências.

Criação de bairros e vilas são o principal meio pelo qual os seres humanos contribuem para a ocorrência de deslizamentos, alterando os padrões de drenagem, removendo a vegetação e desestabilizando as encostas.

Em São Sebastião ocorreu, agora em fevereiro, um deslizamento de grande impacto. A execução da Política Nacional de Defesa Civil deve ser implementada pelos três níveis de governo  o governo federal, o governo do estado de São Paulo e o município de São Sebastião. Importa salientar que a  Lei previu o ente público que tem o dever de retirar as pessoas das áreas de risco  o município de São Sebastião. Leiamos esse texto legal: "Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o Município adotará as providências para redução do risco, dentre as quais, a execução de plano de contingência e de obras de segurança e, quando necessário, a remoção de edificações e o reassentamento dos ocupantes em local seguro" (artigo 3º B, da Lei 12.340). Portanto, a remoção dos ocupantes da área de risco é de responsabilidade do prefeito do e da Câmara Municipal de São Sebastião.

O noticiário jornalístico deste mês informa que "nos últimos três anos a Prefeitura de São Sebastião acumula 37 condenações judiciais, exigindo que se regularizem as ocupações próximas à Serra do Mar", sendo que "as sentenças atendem a pedidos do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Litoral Norte do Ministério Público de São Paulo". (O Estado de São Paulo, 23/2/2023-A1).

O município de São Sebastião, no passado, em 1992, promulgou o Código Municipal de Meio Ambiente, sendo uma das primeiras cidades no Brasil a ter esse diploma legal. Tive a oportunidade de colaborar para a elaboração dessa lei. Contudo, como se constata das notícias veiculadas, o município não está tomando as medidas eficazes e necessárias para a remoção de pessoas que habitam áreas de risco. O número de pessoas altamente carentes tem aumentado no Brasil, os hoje chamados "moradores de rua". Muitos fatores concorrem para isso, inclusive a ausência de um planejamento familiar eficaz. Mas não é possível que os moradores em áreas seguras fiquem inertes e insensíveis a problemas como os de São Sebastião e de outros municípios brasileiros. Os governos só efetuarão a transferência da população de risco se forem fortemente cobrados, com a contínua participação da sociedade, do Ministério Público e do Judiciário.

Autores

  • é professor no Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), professor convidado na Faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Limoges, na França, professor de graduação e pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade Metodista de Piracicaba e autor do livro Direito Ambiental Brasileiro.

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